Nove dias depois do “milagre”, a Colômbia continua sem poder respirar de alívio. Mais de uma semana depois de as equipas de resgate terem encontrado com vida os quatro irmãos que sobreviveram sozinhos durante 40 dias na selva colombiana, na sequência de um desastre de avião que vitimou três pessoas (incluindo a mãe das crianças), as buscas prosseguem, agora com o intuito de encontrar um dos membros mais importantes da operação: trata-se de Wilson, o pastor-belga e cão de resgate que acompanhou os militares no terreno e descobriu pistas valiosas na busca pelos menores, antes de, também ele, desaparecer.

Desnutridas e enroladas em cobertores térmicos. Como foram encontrados os irmãos-milagre da Colômbia

A história tem chamado à atenção pelo mediatismo gerado em torno das operações, como também por alguns contornos mais estranhos em torno do desaparecimento do animal — em particular, o facto de haverem fortes indícios que apontam para que tenha estado durante vários dias com as crianças antes de estas serem descobertas pelos operacionais no terreno.

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Este domingo, cumpriu-se um mês desde que Wilson desapareceu da alçada da equipa que acompanhava. Perante este cenário, um grupo de membros da “Operação Esperança” (assim se chamava a missão de busca pelos quatro irmãos) permanece na selva em busca do colega canino. “Nunca deixamos um comando para trás”, declarou à Voz de América o comandante operacional, o general Pedro Sanchéz.

Ainda assim, encontrar o animal não se afigura uma tarefa fácil num terreno hostil como o da selva colombiana. As autoridades conhecem-no e por isso têm adaptado as suas táticas para o tentar resgatar. Desde logo, vão deixando comida em pontos estratégicos, bem como roupas e outros itens pertencentes ao guia de Wilson, na esperança de que o cão de resgate possa apanhar o seu odor e trilhar um caminho de volta à equipa. Mais recentemente, o exército começou a fazer uso de um grupo de cadelas com o cio, numa tentativa de atrair o animal.

E se, por um lado, a imensidão da selva indomada provoca dificuldades, por outro, também não tem ajudado o comportamento estranho exibido pelo canino: desde que desapareceu, Wilson já foi avistado por duas vezes, perto do local onde as crianças viriam a ser encontradas, mas em ambas as ocasiões fugiu da equipa de resgate (convém lembrar que se trata de um animal habituado à presença humana e treinado pelas forças especiais desde nascença).

O que levou à mudança súbita de comportamento é, nesta fase, um mistério. E quando os limites do conhecimento humano são ultrapassados, há quem encontre explicações no sobrenatural — mais concretamente nos “espíritos” da selva. É o caso de Jesús Dagua, membro da Guarda Indígena da região Cauca da Colômbia. “Houve uma troca. [O animal] ficou como oferenda aos espíritos que tinham os meninos” diz o nativo, um dos cerca de 70 que se juntaram aos operacionais no terreno na busca pelas crianças.

O desenho feito por Lesly, a mais velha dos quatro irmãos desaparecidos, que comprova que Wilson esteve com as crianças antes de estas serem encontradas

Dagua assegura, no entanto, que estão a ser levados a cabo vários rituais para que estes supostos espíritos possam “libertar” Wilson. “Os povos amazónicos estão a tratar disso porque uma vida é uma vida, e a Guarda deve proteger a vida de tudo e de todos. Acreditamos que, se formos continuando essa comunicação, o cachorro Wilson conseguirá sair, mas foi essa troca, digamos, espiritual, que permitiu a que as crianças aparecessem”.

Há, no entanto, quem apresente explicações mais “terrenas”. Ao Washington Post, Carolina Rodríguez, porta-voz do centro de treino militar para cães da Colômbia, confirmou que Wilson esteve com as crianças (a mais velha, Lesly, confirmou-o, e fez até um desenho do animal como prova), e propôs que se possa ter perdido no regresso para junto da equipa. “Ele chegou, encontrou as crianças e depois deixou-as para encontrar o guia. Foi nessa altura que se perdeu”, sustentou.

Já Edgar Fontecha, técnico do exército e treinador de Wilson, acredita que o pastor-belga de cinco anos possa continuar em busca das crianças, pese embora elas já terem aparecido. “Muitos cães de caça ficam obcecados com a busca, muitas vezes podem e acabam mesmo por se perder”, explica. Para já, é apenas certo que Wilson vai deixando indícios de continuar vivo. É suficiente para alimentar a esperança dos operacionais do exército que, pese embora já terem tido sucesso uma vez, sublinham: “A busca ainda não terminou”.

Quatro crianças encontradas com vida na selva da Colômbia 40 dias após queda de avião