Em março passado, quando foi apresentado o plano do Governo para a Habitação, o arrendamento coercivo foi de longe a medida mais polémica. Com o tempo, esse balão que causou grande impacto inicial foi sendo esvaziado: primeiro passou a solução de “último recurso” e posta nas mãos dos municípios, com penalizações quando prescindissem de a aplicar aos devolutos; agora passa a medida “excecional” e sem qualquer tipo de penalização se nunca for usada.
A solução que retira toda a carga e efeito inicial da medida do pacote “Mais Habitação” vem da maioria socialista e está entre as propostas de alteração que o PS entregou na Assembleia da República — e que foram inicialmente noticiadas pelo jornal Público.
A proposta, entretanto disponibilizada no site da Assembleia da República, deixa clara esta inversão dos socialistas e isto porque acaba com o incentivo planeado para levar os municípios a recorrer à medida: até aqui, os municípios que não avançassem com o arrendamento forçado não podiam agravar taxa de IMI desses prédios; a partir de agora, podem manter as taxas agravadas mesmo prescindindo da medida.
Na nota explicativa das suas propostas de alteração, a que o Observador teve acesso, o PS justifica este recuo face ao que o Governo previa com a necessidade de preservar “uma prerrogativa dos municípios, bem como a receita que decorra da sua aplicação”. Além disso, nas propostas de alteração que acertou com o Executivo, a maioria socialista também retira peso à formulação inicial dos casos em que o arrendamento coercivo se aplicaria.
Na proposta do Governo consta que, no caso de o proprietário de um devoluto há mais de dois anos recusar a proposta de arrendamento, os “municípios podem proceder ao arrendamento forçado do imóvel.” Na alteração avançada pela maioria socialista é agora detalhado que é o “município territorialmente competente” que decide, mas “sempre que se revele necessário para garantir a função social da habitação” e a título “excecional e supletivamente”. Por outro lado, os socialistas pretendem que os devolutos possam, por seu lado, ter deduções à base tributável do adicional de IMI, “reforçando assim os incentivos à reabilitação desses imóveis”, explicam os socialistas.
Marcelo pressiona Governo a deixar cair arrendamento coercivo com ameaça de envio para o TC
Esta era uma das medidas mais contestadas no pacote do Governo para trazer casas para o mercado da habitação — sobretudo nas zonas do país mais pressionadas pela crise — e entre os críticos está o próprio Presidente da República, que até se referiu a este pacote como um “melão que era preciso abrir para ver se será bom”.
Entre todos os avisos públicos que fez, Marcelo chegou mesmo a dizer, quando questionado diretamente sobre a constitucionalidade do arrendamento coercivo: “Se houver um certo tipo de conceitos que são utilizados para limitar o direito de propriedade privada que não estão suficientemente densificados, convém densificar em termos de ficar claro que não atinge a Constituição.”
O Observador chegou a noticiar na altura que, caso o programa ficasse como tinha sido apresentado, teria um travão em Belém, podendo seguir para fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. A medida também teve fortes críticas da oposição à direita e fez com que o discurso do Governo fosse sendo modelando nos dias seguintes.
Perante a reação adversa de vários autarcas, como Carlos Moedas ou Rui Moreira, por exemplo, António Costa chegou mesmo a dizer que as Câmaras eram livres de não utilizar esta pregorrativa — mas perderiam receita. “Se o município entende que, apesar de estar a cobrar o IMI agravado há mais de dois anos, não pretende forçar o arrendamento, comunica ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e, nessa circunstância, abdica de ter o IMI agravado”, explicou na altura o primeiro-ministro. E é precisamente esta questão que agora desaparece.
A ministra da Habitação deu várias entrevistas na sequência de toda a polémica e referiu-se à medida como uma solução de “último recurso”, colocando-o no fim da lista de todos os incentivos para trazer casas para o mercado de arrendamento. O assunto chegou até a ser debatido dentro do PS, onde o Governo ouviu algum incómodo com a ideia de um PS em guerra com os privados, com a ministra Marina Gonçalves a tentar deitar água na fervura, como o Observador contava na altura.
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Socialistas passam para menos de metade taxa extra para alojamento local
Ainda virado para as autarquias, o PS propõe ainda que os instrumentos financeiros para a habitação acessível estejam também acessíveis às Juntas de Freguesia. E pretendem que os municípios possam também ter taxa reduzida de IVA quando está em causa a construção e reabilitação de equipamentos de utilização coletiva de natureza publica.
As propostas de alteração do PS trazem ainda um incentivo à redução das rendas nos novos contratos de arrendamento, “pela aplicação de uma redução de cinco pontos percentuais da respetiva taxa, sempre que a renda seja inferior em pelo menos cinco pontos percentuais à renda do contrato de arrendamento anterior”, explicam os socialistas.
Além disso, os socialistas querem também reduzir a contribuição extraordinária que será aplicada ao alojamento local, para 15% (começou em 35%, passou para 20% e baixa agora para menos de metade do inicialmente proposto). E é apenas aplicada a frações autónomas — para isentar os particulares que aluguem a sua habitação no modelo de alojamento local não mais de 120 dias por ano. A taxa para o alojamento local foi contestada pelo setor, mas também pelos presidentes de duas importantes câmaras do país, com Carlos Moedas e Rui Moreira a acusarem o Governo de destruir esse negócio.
Para o alojamento estudantil, o PS propõe ainda que possa gozar dos mesmos benefícios criados para arrendamento acessível, “desde que sejam praticados valores máximos de preços mensais a definir pelo Governo”. Todas as bancadas parlamentares avançaram com propostas de alteração que ainda serão discutidas e votadas nesta sessão legislativa.