Assim que nasce, a tartaruga-verde enfrenta o desafio mais difícil da sua existência. Tem de percorrer o areal até chegar ao mar, fugindo à atenção de predadores como gaivotas e caranguejos. Uma vez dentro de água corre o risco de ser devorada por peixes de grande porte. Superado o desafio, seguem-se de três a cinco anos de deambulação em mar aberto, até se tornar uma juvenil madura e se instalar em águas rasas.

“São os chamados ‘anos perdidos’ das tartarugas”, explica Élio Vicente, biólogo marinho e diretor do centro de reabilitação de animais marinhos no Zoomarine, no Algarve. “Podem percorrer até 2600 quilómetros até regressarem às praias de origem. Se nascerem na costa Atlântica do continente americano, por exemplo, atravessam o atlântico, podendo passar pelo litoral português, vão até à costa africana e depois voltam a cruzar o mar até ao Brasil, México ou Estados Unidos.”

Das sete espécies de tartarugas marinhas (que pertencem à classe dos répteis), a verde – cuja cor advém da gordura subcutânea – é a mais predada: os seus ovos e a sua carne ainda são procurados para consumo humano, principalmente em alguns países africanos, sul-americanos e asiáticos. No passado, era muito usada para sopa de tartaruga. “Em grande parte, devido à sua gordura subcutânea de tonalidade verde, que lhe confere essa cor particular”, explica Élio Vicente. “Em Portugal, os últimos registos de captura datam do século XIX e início do século XX, sempre em ocorrências mais oportunistas do que preferenciais. Ou seja, era quando ficavam presas nas redes e não havia mais nada para comer”.

As tartarugas-verdes são difíceis de avistar em Portugal; os testemunhos vêm principalmente de pescadores e mergulhadores. O maior risco desta “turista” nas águas nacionais é a captura acidental em redes de pesca, os abalroamentos, a ingestão de plásticos e, em menor escala, os anzóis.

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“Nesta fase juvenil, muitas delas já são herbívoras. Nascem carnívoras, comendo peixes minúsculos, passam por um período omnívoro, em que comem de tudo, e em adultas tornam-se vegetarianas”, diz o biólogo marinho, especializado em comportamento animal. “Assim, na passagem pelo nosso litoral, o maior risco é mesmo ficarem presas em artes de pesca [porque se aproximam da linha de costa para se alimentarem de algas, em zonas menos profundas]. A comunidade piscatória está alerta, mas é impossível estar permanentemente no mar a monitorizar a passagem destes animais.”

Somam-se outros riscos causados pelo Homem. “A ingestão de plásticos é cada vez mais comum. As tartarugas têm problemas de visão e ingerem plástico por engano, podendo ficar com o sistema digestivo bloqueado. Podem morrer à fome mesmo tendo o estômago cheio ou criar uma necrose quando os resíduos se acumulam e bloqueiam os intestinos”, diz o especialista.

Nas praias onde ocorre a desova também surgem problemas causados pela ocupação humana – poluição luminosa, atropelamentos ou abalroamentos por lanchas, motos de água ou jet-ski. E, claro, as alterações climáticas: “O que define o sexo das crias é a temperatura de incubação: se o ninho, constituído por um buraco na areia da praia, estiver quente, saem sobretudo fêmeas, se estiver frio, saem maioritariamente machos. Com a subida da temperatura média, pode haver uma tendência para que nasçam cada vez mais fêmeas, causando eventualmente um desequilíbrio prejudicial à reprodução da espécie”, diz Vicente. A subida da temperatura da água também confunde as fêmeas, filopátricas, a encontrar a sua praia de nascença, além de ameaçar provocar escassez de algumas algas e outras fontes de nutrição das tartarugas.

As tartarugas-verdes estão identificadas nas águas costeiras de 140 países e nidificam nas praias de oitenta. Não obstante, estudos científicos indicam que 50% dos seus indivíduos desapareceram nos últimos trinta anos, colocando em risco uma espécie que é um verdadeiro sucesso evolutivo da natureza. Uma tartaruga-verde pode viver até aos 80 anos, atingir os 1,50m de carapaça e os 395 quilos (maior registo), embora o peso médio varie entre 110 e 190. Vagarosa? Nem por isso: quando em fuga, pode nadar a 30km/h. Uma velocidade que, infelizmente, nem sempre chega para escapar aos seus predadores naturais e, sobretudo, às armadilhas que a presença humana lhes coloca.

Nome comum: Tartaruga-verde
Nome científico: Chelonia mydas
Classe: Reptilia
Estatuto de conservação: Em perigo
Distribuição em Portugal: Indefinida. Passam pela costa nas suas migrações
Principais ameaças: Captura acidental, caça furtiva, destruição de habitat, poluição, alterações climáticas e abalroamentos
Dimensões médias: Ronda 1,20m, mas pode chegar a 1,50m; O peso oscila entre 110 e 190 quilos

Este é o segundo de dez artigos sobre espécies marinhas ameaçadas que ocorrem em Portugal. Na semana passada escrevemos sobre a ave marinha mais ameaçada da Europa. No próximo sábado apresentaremos outra.