O arcebispo anglicano de Iorque, no Reino Unido, considera que as palavras iniciais do Pai Nosso — a mais conhecida das orações cristãs — podem ser “problemáticas” por terem uma conotação patriarcal, noticia o jornal britânico The Guardian.
Retirada dos textos dos evangelhos segundo São Mateus e São Lucas, o Pai Nosso é desde as origens do Cristianismo a mais clássica oração cristã, recitada por praticamente todas as denominações, incluindo católicos, protestantes e ortodoxos.
A tradução portuguesa da Conferência Episcopal do sexto capítulo do Evangelho segundo São Mateus apresenta o início da oração com a expressão “Pai Nosso”; já o 11.º capítulo do Evangelho segundo São Lucas usa apenas a expressão “Pai”.
Mas, dentro do Sínodo Geral da Igreja de Inglaterra, o órgão máximo daquela denominação no epicentro da Comunhão Anglicana (com origem na Reforma Anglicana, no século XVI, contexto da Reforma Protestante, no continente europeu), dividem-se as opiniões sobre a adequação da expressão patriarcal aos tempos modernos.
“Sei que a palavra ‘pai’ é problemática para aqueles para quem a experiência dos pais terrenos foi destrutiva e abusiva, e para todos nós que trabalhámos demasiado a partir de um controlo patriarcal opressivo na vida”, disse recentemente o arcebispo de Iorque, Stephen Cottrell, durante uma reunião do Sínodo Geral da Igreja de Inglaterra.
A Igreja de Inglaterra — que admite mulheres como presbíteras e, mais recentemente, bispas — tem sido palco de profundos debates, bastante divisivos, em torno de vários tópicos fraturantes no contexto do Cristianismo. Em fevereiro, o Sínodo Geral da Igreja de Inglaterra aprovou a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo e, de modo especialmente controverso, ponderou passar a usar pronomes neutros para se referir a Deus.
Segundo o jornal The Guardian, o discurso do arcebispo Cottrell causou fortes divisões na assembleia. O conservador Chris Sugden, cónego que lidera a fação mais tradicionalista, questionou: “O arcebispo de Iorque está a dizer que Jesus estava errado? Ou que Jesus não tinha consciência pastoral? Parece emblemático da abordagem de alguns líderes eclesiásticos ir buscar inspiração à cultura em vez de à escritura.”
No sentido oposto, Christina Rees, uma presbítera que esteve envolvida na campanha pelo direito à ordenação episcopal das mulheres, defendeu a posição do arcebispo de Iorque, sublinhando que o prelado “pôs o dedo num assunto que é realmente um assunto vivo para os cristãos e tem-no sido desde há muitos anos”.
“A grande questão é: acreditamos realmente que Deus acredita que os seres humanos masculinos testemunham a sua imagem de modo mais completo e rigoroso do que as mulheres? A resposta é que decididamente não”, salientou Christina Rees.