A editora Routledge suspendeu a venda do livro “Sexual Misconduct in Academia” (“Má Conduta Sexual na Academia”), que desencadeou acusações de assédio sexual, moral e intelectual contra os investigadores Boaventura de Sousa Santos e Bruno Sena Martins. “Este conteúdo está temporariamente indisponível uma vez que se encontra sob revisão”, pode ler-se numa nota no site da editora. Em declarações ao Diário de Notícias, o investigador revelou que já sabia da decisão da editora, onde já publicou várias obras, mas garantiu não saber detalhes sobre o processo.

O Professor-Estrela, o Aprendiz, a Vigilante. Como três investigadoras relatam os assédios que terão Boaventura Sousa Santos como peça-chave

Ao DN o investigador disse considerar “natural” o facto de o livro ter sido suspenso, uma vez que “sofreu críticas bastante contundentes no meio académico em relação ao seu caráter pouco ou nada científico”. Boaventura admitiu que, depois de ficar a saber que tinha sido retratado no capítulo “As paredes falaram quando mais ninguém podia”, expôs as suas críticas diretamente à Routledge.

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Lamentou também que só agora a editora tenha tomado o passo de suspender a circulação da obra, meses depois de “destruírem” a sua imagem e provocarem “irrecuperáveis prejuízos a nível pessoal e profissional”. “Entendo a suspensão como um reconhecimento, ainda que tardio, de que o artigo não devia ter sido publicado”, afirmou.

Numa carta aberta dirigida à Routledge, o coletivo de vítimas do Centro de Estudos Sociais (CES), organizado pela advogada brasileira Daniela Felix e que representa sete mulheres, apela a que o livro volte a ser disponibilizado. “A circulação do livro é de interesse público e essencial para o processo de fortalecimento do movimento de vítimas das situações ali narradas e de outras vítimas de assédio no contexto académico”, escrevem.

O grupo, composto por mulheres de nacionalidades brasileira, portuguesa, peruana e mexicana, refere que o livro foi determinante para que se organizasse para denunciar o assédio na instituição. Revela também que estão a juntar provas testemunhais e documentais que corroboram os diversos tipos de abusos descritos no capítulo “As paredes falaram quando mais ninguém podia”, com acusações sobre o designado Professor Estrela, reconhecido nos traços de Boaventura de Sousa Santos.

“O capítulo 12 do livro cumpriu um papel essencial na elucidação do padrão de abuso de poder que sofremos e testemunhamos. Partindo do que foi descrito, estamos a organizar um dossiê circunstanciado com um conjunto alargado de provas documentais e testemunhaiss que comprovam as ações incorretas e o padrão de assédio sexual e moral descrito pelas autoras da publicação”, afirmam.

Boaventura. “Reconheço que posso ter sido protagonista” de “comportamentos que antigamente não eram vistos como inapropriados”

A suspensão acontece dois meses depois da publicação. Desde então Boaventura Santos já reagiu várias vezes às acusações, que sempre negou em declarações à imprensa. Já admitiu, porém, que “em determinados momentos” pode “ter sido protagonista” de “comportamentos que antigamente não eram vistos como inapropriados”, num artigo de opinião publicado no jornal Expresso.

Numa entrevista publicada no Youtube na quarta-feira, e que se centra em torno do livro de Boaventura Santos “Epistemologies of the South, Epistemicide, Accusations & Defence”, o investigador também falou das acusações. No final da conversa de cerca de duas horas, conduzida pelo austríaco Josef Muehlbauer, Boaventura Santos diz que se trata de uma “acusação criminal sob o disfarce de um trabalho científico”.

“Há uma divisão no movimento, uma divisão muito séria, entre os que seguem o tipo de movimento #metoo, dos EUA, e a ideia é de tolerância zero. Uma denúncia é uma condenação”, afirmou, defendendo que é preciso distinguir entre as lutas genuínas.

“Fui um feminista toda a minha vida”, sublinhou. “Nunca somos totalmente consistentes, já se sabe. E uma pessoa da minha geração, particularmente no passado, cometeu certos atos incorretos, erros, mas nunca crimes”, garantiu.