Os mergulhadores experientes costumam aventurar-se até aos trinta metros de profundidade. Os institutos apetrechados dos mais modernos robôs de exploração subaquática preferem investigar os mistérios das profundezas abaixo dos duzentos. “A faixa mesofótica, entre os 30 e os 150 metros de profundidade, está ainda pouco explorada”, diz ao Observador Frederico Oliveira, biólogo e investigador do Centro de Ciências do Mar, em Faro.. “É onde ainda penetra uma luz solar mais ténue, um género de lusco-fusco subaquático, em que as algas que dominam as águas menos profundas vão dando lugar a ‘florestas animais’ de corais, anémonas, esponjas e gorgónias. São como as florestas terrestres: quanto mais maduras, maiores são os organismos que as compõem e mais diversas se tornam.”
É aí que vive o coral-laranja. Com uma altura que pode chegar a um metro e um perímetro de tronco de dez centímetros, um esqueleto com ramificações finas e pólipos (um pequeno “saco” com uma coroa de tentáculos) nas extremidades, assemelha-se a um arbusto ou mesmo a uma árvore em flor. Mas é um animal. “Não possuem relações simbióticas com organismos fotossintéticos, como as espécies existentes nos recifes de coral dos mares tropicais e, portanto, não precisam de luz. Alimentam-se de pequenos crustáceos, seres invertebrados e plâncton, através dos tentáculos, que estão sempre à procura de comida. É por serem predadores que conseguem viver em águas mais profundas.”
Também suportam uma grande amplitude térmica, tendo sido já encontrados em temperaturas dos 12 aos 21ºC. “Isso dá-nos esperança de que talvez possam adaptar-se aos impactos das alterações climáticas nos oceanos.”
O maior inimigo do coral-laranja são as redes de pesca, principalmente as artes estáticas, usadas junto à costa. “Trabalhámos com um barco em Sagres e, entre outros corais, foi a quarta espécie com mais presença nas redes. Ficam emaranhados nelas e, como são quebradiços, partem-se. Às vezes, as redes podem trazer uma colónia inteira. Outro perigo dá-se quando as artes de pesca, redes e anzóis, raspam no tecido que cobre o esqueleto, causando feridas que são depois cobertas por parasitas, originando infeções bacterianas que podem levar à morte da colónia.”
Os estudos indicam, porém, que o coral-laranja pode ter uma capacidade impressionante de sobrevivência. Apesar de serem sésseis e, portanto, viverem agarradas ao fundo rochoso, foram registados casos de sobrevivência de corais-laranja devolvidos ao mar depois de terem sido partidos acidentalmente. “Conseguem reposicionar os pólipos de uma forma numa posição que lhes permite sobreviver. Ainda não se sabe bem como. Temos um colega que recolhe as capturas acidentais de pescadores e consegue mantê-los vivos em aquários no laboratório”, diz o biólogo. Há, por conseguinte, recomendações para os pescadores devolverem ao mar os corais acidentalmente capturados.
Estas “laranjeiras” dos mares, com cheiro a anis, têm um papel crucial na vida dos habitats em que resides: servem para pequenos peixes se esconderem dos predadores e também como bloqueadores de correntes. Ao atenuarem a velocidade da corrente, alteram também o fluxo de nutrientes, tornando a alimentação mais acessível a todos os seres que os rodeiam.
Frederico Oliveira chama-lhe mesmo uma espécie “engenheira”, cuja existência permite a presença de outros seres. “Ainda existe um profundo desconhecimento da faixa da costa portuguesa onde ocorre o coral-laranja e as comunidades que o acompanham”, diz. “Devemos mapear estas comunidades de norte a sul. Em Sines, por exemplo, encontrámos um cenário exuberante, com pujantes florestas de gorgónias. Uma coisa absurda. Noutros sítios ainda não explorados, deve haver habitats pristinos que certamente nos surpreenderão com a sua beleza, abundância e diversidade.”
Nome comum: Coral-laranja
Nome científico: Dendrophyllia ramea
Classe: Antozoários
Estatuto de conservação: Vulnerável (no Mediterrâneo)
Distribuição em Portugal: Costa sul do Algarve, Sines, ao largo do Cabo da Roca, até ao norte de Portugal, sempre abaixo dos 25 metros de profundidade.
Principais ameaças: Atividades pesqueiras, principalmente as redes estáticas junto à costa.
Dimensões médias: Até um metro de altura e perímetro de tronco de 10 centímetros
Este é o quarto de dez artigos sobre espécies marinhas ameaçadas que ocorrem em Portugal. Na semana passada escrevemos sobre o golfinho tímido que está a viver um drama. E antes disso sobre o intrigante réptil turista das águas portuguesas e a ave marinha mais ameaçada da Europa. No próximo sábado apresentaremos outra.