O poeta, escritor e ensaísta português Eduardo Pitta morreu esta terça-feira de manhã, aos 73 anos, em Torres Vedras, vítima de complicações decorrentes de AVC sofrido nos últimos dias, disse à Lusa fonte da família. O escritor estava internado internado numa unidade de cuidados continuados.
Na sua página de Facebook, podem ler-se alguns dos seus versos, numa publicação que confirma a sua morte: “A vida é uma ferida?/ O coração lateja?/ O sangue é uma parede cega?/ E se tudo, de repente?”.
Em comunicado, a editora Quetzal, responsável pela publicação de obras como Um Rapaz a Arder, “um testemunho raro de uma personalidade (uma vida) ímpar”, lembrou o escritor, “uma das figuras mais originais e versáteis da vida literária portuguesa”. “A sua obra abarca todos os géneros: poesia, romance, crítica, ensaio, memórias, contos. Eduardo Pitta também se distinguiu pela sua participação cívica e pelo seu ativismo na luta pelos direitos dos homossexuais em Portugal”, destacou a Quetzal.
Eduardo Pitta nasceu em Lourenço Marques, atual Maputo, a 9 de agosto de 1949. Viveu em Moçambique até 1975, quando se mudou para Portugal, estabelecendo-se em Lisboa.Começou a escrever em 1967 e a colaborar assiduamente em suplementos literários de jornais (Notícias, A Tribuna, A Voz de Moçambique e Notícias da Beira), mas foi em 1974 que publicou a sua primeira obra, o livro de poesia Sílaba a sílaba. Contudo, foi em Portugal que atingiu a maturidade literária, primeiro como poeta, depois como ensaísta e crítico de poesia, e mais tarde como ficcionista.
O escritor, que fez da identidade homossexual matéria de criação literária, publicou desde 1974 dez livros de poesia, um romance, duas coletâneas de contos, quatro volumes de ensaio e crítica, duas recolhas de crónicas, dois diários de viagem e o livro de memórias Um Rapaz a Arder.
Com Fractura. A condição homossexual na literatura portuguesa contemporânea, publicado em 2003, Pitta introduziu o debate sobre a existência da literatura gay e queer em Portugal “a um nível inquestionável”, disse Fernando Cascais. Mark Sabine, professor de Estudos Lusófonos na Universidade de Nottingham, considerou-o “a primeira história da homossexualidade literária portuguesa”.
Nesta obra, o escritor defendeu que Portugal não tem “literatura gay” à maneira britânica ou norte-americana, com narrativas e narradores em torno de orientações sexuais minoritárias. Em entrevista ao Observador em 2019, pouco após ter completado 70 anos de idade, afirmou que mantinha a mesma opinião de há 15 anos e que a literatura portuguesa continua “no armário”, porque “a maioria dos escritores nacionais não aborda nas obras respetivas a questão da homossexualidade”. Pitta alertou para uma “regressão conservadora” nas novas gerações.
Eduardo Pitta: “Uma figura pública não tem a liberdade de não divulgar a orientação sexual”
Pitta foi um importante divulgador e estudioso da obra de António Botto, tendo sido responsável pela edição da sua obra completa pela Quasi e, mais tarde, num só volume, pela Assírio & Alvim. Sobre Botto, o primeiro escritor português a assumir-se publicamente como gay, Pitta disse em 2018, em entrevista ao Observador: “No vasto mundo existiam Whitman, Wilde, Gide e outros, mas não há termo de comparação”.
Identificado com a geração dos anos de 1970, o seu estilo de escrita tem sido classificado como violento e cortante, com uma visão pulsional e agreste da existência, de ritmo acelerado e cariz autobiográfico, e com narrador centrado na identidade sexual do sujeito. Os seus livros estão publicados em vários países e traduzidos para línguas como o francês, italiano e hebraico.
Em 2011, casou com Jorge Neves, seu companheiro desde 1972. Desde 2005 que escrevia regularmente no blogue “Da Literatura”. “A seu respeito tem-se falado de visão pulsional e agreste da existência, ritmo acelerado, timbre neo-expressionista, pathos autobiográfico, triunfo do recalcado, narrador centrado na identidade sexual do sujeito e, last but not least, hermenêutica gay”, refere o seu site.
Presidente da República evoca Eduardo Pitta, autor de poesia “culta, concisa, exata, por vezes agreste”
Marcelo Rebelo de Sousa evocou, numa nota publicada no site da Presidência da República, Eduardo Pitta, destacando o sua obra de poesia e o seu trabalho como crítico literário em várias revistas.
“A sua própria poesia, culta, concisa, exata, por vezes agreste, tem como ‘marcas de água’ (título de uma antologia de 1999) o fim do Império, o confessionalismo cifrado, as leis da atração e a condição homossexual, à qual dedicou também um ensaio pioneiro, Fractura (2003), e uma convicta militância sócio-política”, afirmou o Presidente.
Marcelo apresentou ao marido do escritor as suas “condolências”.
Artigo atualizado às 14h50 de 26/7 com a nota de pesar de Marcelo Rebelo de Sousa