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Morreu influencer russa que só comia fruta

Este artigo tem mais de 1 ano

Há mais de 10 anos que só comia alimentos crus, ultimamente só fruta. Morreu no dia 21 de julho aos 39 anos. O Observador falou com uma nutricionista e uma psiquiatra sobre este comportamento extremo.

Zhanna D'Art comia exclusivamente frutas
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Zhanna Samsonova usava o nome Zhanna D'Art nas redes sociais e identificava-se como chef de cozinha crudívora

Zhanna D'Art/Facebook

Zhanna Samsonova usava o nome Zhanna D'Art nas redes sociais e identificava-se como chef de cozinha crudívora

Zhanna D'Art/Facebook

Morreu Zhanna D’Art, uma influencer russa de 39 anos que seguia uma dieta crudívora — à base de produtos naturais e não cozinhados — extrema. A causa da morte não é conhecida, mas a mãe da mulher aponta a debilidade causada por uma alimentação deficiente e uma infeção, como cólera ou algo semelhante. Uma amiga refere que as funções cognitivas já se encontravam muito debilitadas.

A nutricionista Sandra Gomes Silva diz ao Observador que é possível ter uma alimentação vegetariana estrita adequada, mas que será tanto mais difícil ter uma alimentação saudável quanto menos alimentos estiverem incluídos na dieta.

Situações extremas [como esta] representam fome e subnutrição, e não são representativas de uma alimentação vegetariana estrita”, diz Sandra Gomes Silva, com base nos relatos encontrados nos media.

Zhanna Samsonova morreu no dia 21 de julho num hospital da Malásia, no mesmo dia em que deveria estar a viajar para Kazan, na Rússia, ao encontro da mãe. No dia 28 de julho, uma semana depois da morte da filha, Vera Samsonova ainda não tinha conseguido reclamar o corpo, noticiava o jornal russo Evening Kazan.

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A influencer adotou uma dieta vegetariana há mais de 10 anos. Depois, tornou-se vegan e ao fim de apenas seis meses assumiu uma dieta exclusivamente crudívera (só alimentos crus) durante cinco anos. Nos quatro anos seguintes (e, presumivelmente, até ao presente) alimentou-se apenas de frutas, sementes de girassol germinadas e sumos, conta a própria numa publicação no Facebook, datada de novembro de 2020. Depois de dezembro desse ano praticamente não voltou a publicar nesta rede social.

A influencer russa mostra uma refeição composta exclusivamente de sementes de girassol germinadas.

“Normalmente começo a minha manhã com um copo de água fresca e sumo. E isso é exatamente [para] hidratar o meu corpo, acordar o meu cérebro e dá-me uma base sólida a partir da qual trabalho o resto do dia para fazer escolhas saudáveis para o meu corpo”, escreveu Zhanna D’Art, que se identificava como chef de cozinha crudívora, numa publicação de outubro de 2020. Na altura encontrava-se na Tailândia — segundo os relatos viajava pela Ásia há 17 anos.

Dietas têm de garantir necessidades nutricionais

No caso de uma alimentação vegetariana restritiva, a nutrionista Sandra Gomes Silva deixa um alerta. “Seja qual for o padrão alimentar, o importante é atingir necessidades nutricionais”, em termos de tipo de nutrientes e quantidades diárias recomendadas, diz a co-autora dos guias de alimentação vegetariana da Direção-Geral da Saúde. “Quanto mais restritiva a alimentação, mais difícil é garantir que se estão a atingir os níveis de calorias e nutrientes necessários.” A nutricionista recomenda, por isso, que estas opções alimentares sejam devidamente acompanhadas por um profissional.

Comer poucas quantidades ou uma pequena variedade de alimentos aumenta o risco de não se atingirem as quantidades diárias recomendadas [dos nutrientes]”, disse Sandra Gomes Silva.

Zhanna D’Art afirmava, em 2020, ter deixado de comer vegetais e frutos secos, alimentando-se exclusivamente de fruta. Sem ingerir frutos gordos (como frutos secos), sementes, leguminosas e cereais, é praticamente impossível conseguir ingerir a quantidade de proteínas necessária numa alimentação saudável. As proteínas são essenciais não só para a manutenção da massa muscular, mas também para a massa óssea, diz Sandra Gomes Silva. O resultado será uma constituição física cada vez magra e mais fraca, tal como os amigos a descreviam.

“Nunca vou ao supermercado comprar os produtos que uso… não há nada lá para mim… só há embalagens baratas de comida artificial que não uso de todo… A minha comida cresce nas árvores e colho-a sempre que a vejo”, escreveu em agosto de 2020. “Acredito que a alimentação é cuidar da saúde! A medicina não é cuidar da saúde! A medicina é cuidar do doente! Está na altura de perceber isso! Um sistema imunitário forte do ser humano é a vacina! Comida à base de plantas cruas é a principal fonte de sistemas imunológicos fortes!” Numa outra publicação, Zhanna admitia a importância dos antibióticos, mas criticava a indústria farmacêutica, acusando-a de trabalhar para que as pessoas se mantivessem doentes.

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As pessoas que têm uma dieta vegetariana ingerem uma menor quantidade de vitamina B12, essencial para a formação dos elementos que compõem o sangue e para o normal funcionamento do sistema nervoso central e periférico. “Os crudíveros não têm de todo. A suplementação é essencial“, diz a nutricionista, que também aconselha a suplementação com vitamina B12 aos vegetarianos. Uma dieta demasiado restritiva pode apresentar também carência de cálcio, ferro, zinco ou outros nutrientes, cuja carência vai comprometer o funcionamento de vários órgãos.

Observei a sua jornada para a morte durante sete anos”, disse uma amiga, Olga Chernyaeva, citada pelo jornal russo Novye Izvestia. “Há cerca de cinco meses encontrei Zhanna no Sri Lanka e foi quando percebi que os sinais eram extremamente preocupantes.”

Os amigos e a mãe tentaram demovê-la de uma dieta tão restritiva e queriam que procurasse ajuda médica, mas a influencer rejeitava, de acordo com informação citada pelo New York Post. Zhanna afirmava sentir-se cada vez melhor com o seu corpo. Mas recentemente, durante quase um mês, a influencer esteve de cama praticamente incapaz de se levantar, refere a amiga, que tratou dela nesse período.

Influencer apresentava “comportamento doentio de carácter obsessivo”

Numa story no Instagram, há cerca de três semanas, Zhanna D’art afirmava: “Falta pouco para voltarmos para casa! Estamos a juntar dinheiro para os bilhetes! Meus queridos amigos, valorizo muito a vossa preocupação e apoio. Todos os dias, recebo mensagens vossas com ofertas de ajuda e com palavras de apoio que dão-me forças para reabilitar!” A viagem para a Rússia, no entanto, não chegou a acontecer, disse Olga Chernyaeva ao Novye Izvestia, e Zhanna acabou num hospital na Malásia com os órgãos demasiados debilitados para conseguir sobreviver.

Olga Chernyaeva descreve a amiga como tendo anorexia, mas a psiquiatra Isabel Brandão explica que a anoxeria nervosa, uma perturbação do comportamento alimentar, está normalmente relacionado com um mal-estar com a imagem física. Zhanna Samsonova, porém, mostrava-se feliz com o seu corpo e orgulhosa das suas escolhas. Neste caso, podia tratar-se de um problema obsessivo disse a psiquiatra, destacando, no entanto, que não conhece o caso e que uma avaliação psiquiátrica só poderia ser feita conversando com a doente. Num ou noutro caso, trata-se de uma doença psiquiátrica que pode colocar em risco a própria vida, como veio a verificar-se.

A psiquiatra Isabel Brandão diz ao Observador que a descrição da situação se enquadra num “comportamento doentio de carácter obsessivo”, em que a pessoa “perde a noção do efeito do comportamento sobre o corpo”. No limite, uma situação deste tipo pode atingir um quadro psicótico, em que um dos sintomas é o delírio e a pessoa fica convicta de uma falsa realidade.

O facto de ser influencer pode ter reforçado a progressão do seu comportamento, pode ter-se sentido poderosa, ter sentido que tinha uma liderança sobre os que a seguiam”, refere Isabel Brandão, professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Este tipo de conteúdos nas redes sociais são um risco sobretudo para os jovens, que “facilmente se associam a situações de aventura, a experiências novas, à necessidade de ser diferente”, alerta Isabel Brandão. A psiquiatra defende que nas escolas e no seio da família se criem “ambientes promotores de autonomia e de aceitação da diferença, que os jovens tenham espaço para fazer percurso de ser diferente, que possam mostrar a sua particularidade e individualidade”. Cabe também à família e aos amigos estarem atentos aos sinais de potenciais transtornos psiquiátricos para que possam encaminhar as pessoas para um tratamento psiquiátrico e psicológico adequado.

Correção: o nome da psiquiatra é Isabel Brandão e não Isabel Abrão, como inicialmente reportado.

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