O presidente do partido Chega, André Ventura, escreveu uma carta ao Papa Francisco a mostrar-se arrependido por não ter participado no encontro do chefe da Igreja Católica com decisores políticos portugueses, diplomatas e figuras do mundo da cultura no Centro Cultural de Belém (CCB) no primeiro dia da sua recente passagem por Portugal, a propósito da Jornada Mundial da Juventude de Lisboa.

A notícia é avançada pelo Correio da Manhã, que divulga excertos da carta enviada por Ventura ao Papa Francisco.

No CCB, o Papa Francisco fez o discurso mais político da sua viagem a Lisboa: falou do drama dos refugiados, apontou o dedo à Europa por ser incapaz de encontrar caminhos para a paz na Ucrânia, tocou nos temas quentes da eutanásia e do aborto, falou da crise climática e ainda alertou para as dificuldades vividas pelos jovens de hoje, incluindo o aumento do custo de vida e a dificuldade em encontrar casa e constituir família.

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No entanto, apesar de terem estado presentes vários líderes políticos portugueses de todo o espectro politico-partidário, André Ventura foi o ausente mais notado. Conhecido por se referir frequentemente à sua própria fé católica na sua intervenção política, Ventura também não esconde algumas críticas ao pontificado de Francisco — e acabou por passar aqueles dias na Madeira, em campanha para as eleições regionais do próximo mês.

“Confesso que podia ter estado no CCB com Sua Santidade e não desejei esse encontro. Peço a Deus que me perdoe por isso e tenho tido todas as dificuldades com a minha própria consciência. Mas tomei a decisão em consciência e assumo-a”, escreveu, agora, numa carta enviada ao Papa Francisco e citada pelo Correio da Manhã.

A carta divide-se ainda entre elogios ao pontificado de Francisco e críticas ao modo como o Papa tem abordado temas como as migrações. Ventura elogia também o modo como o Papa disse, em Lisboa, que a Igreja deve ser para todos: “A satisfação, para um católico convertido como eu, que apenas se batizou com 14 anos, de ver um Papa dizer que a Igreja é para todos e de todos, sem exceção, é quase impossível de ser explicada em palavras.”

“A Igreja dos pobres e com um olhar sobre os mais pobres. Devemos-lhe a si, Santo Padre, essa renovada perspetiva. (…) Falhámos tanto nos últimos séculos, nas últimas décadas, com opulência, escândalos financeiros, gastos supérfluos… precisávamos dessas palavras e dessa renovação. Obrigado!”, acrescenta Ventura.

No campo das críticas, Ventura lamenta que o Papa receba no Vaticano líderes “que são ditadores e assassinos”, enquanto recusa “a entrada a outros porque são conservadores ou porque alguma opinião pública lhes chama de extrema-direita”.

“Proclamamos por justiça mas depois assistimos ao branqueamento expresso de líderes inegavelmente corruptos, como aconteceu com as palavras de Sua Santidade a propósito de Lula da Silva e Dilma Rousseff, ‘ex’ e atual presidente brasileiro. Na minha humilde opinião, isto não dignifica a Igreja”, diz ainda o líder do Chega.

Sobre o tema das migrações, Ventura considera que o Papa Francisco quer que a Igreja fique “bem na fotografia” e ignora parte do problema. “O tema das migrações é paradigmático: a Igreja, qual partido político de esquerda, quer ficar bem na fotografia e opta por entrar diretamente no debate, ignorando (ou não) que é precisamente devido à imigração ilegal ou descontrolada que florescem partidos ou movimentos, esses sim, manifestamente xenófobos e racistas, ao arrepio da nossa melhor tradição humanista”, escreve Ventura. “Poderemos advogar a chegada sem controlo de pessoas à União Europeia com tantos problemas internos para resolver?”

“Poderemos ignorar o caldo de conflito que estamos a criar na UE para ficar bem na fotografia? É esse o papel da Igreja Católica no século XXI? E do Papa?”, questiona ainda o líder do Chega. “Temos de ter cuidado em não ignorar, nem passar ao lado, da luta de civilizações e de filosofias em que estamos envolvidos.”