Completa-se esta quinta-feira exatamente um ano e meio sobre a invasão russa da Ucrânia. Ao longo de 18 longos meses de guerra, que já terão provocado 500 mil mortos e feridos (segundo uma contabilização recente feita pelo New York Times), os serviços secretos ucranianos têm desempenhado um papel importante no combate aos invasores russos. Agora, uma operação delineada ao longo de seis meses pelos serviços secretos militares (GUR) resultou na deserção de um piloto russo e na captura de um helicóptero de carga Mi-8, avança a Reuters.

“A aeronave moveu-se de acordo com o plano”, admitiu o porta-voz dos GUR, Andriy Yusov, esta quarta-feira. Embora os serviços secretos não queiram alongar-se nos detalhes, fontes do GUR disseram, sob anonimato, ao jornal ucraniano Ukrainska Pravda, que a operação demorou seis meses a montar.

O helicóptero terá pousado no leste da Ucrânia, na região de Poltava (a oeste de Kharkiv), há alguns dias, embora a data exata não seja conhecida. O Mi-8 saiu da área ocupada pela Rússia no norte da Ucrânia e depressa se dirigiu para território controlado por Kiev, adianta o El Mundo.

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Ao longo do percurso, nenhum dos sistemas de defesa anti-aéreos ucranianos (com capacidade para detetar e abater um helicóptero com a dimensão do Mi-8) foi ativado, pelo que o aparelho acabou por aterrar tranquilamente numa clareira na região de Poltava. À espera da tripulação estavam membros dos GUR, às quais o piloto se entregou. No entanto, no helicóptero seguiam outras duas pessoas, que, posteriormente, foram “liquidadas”, nas palavras do porta-voz dos serviços secretos militares. Quem matou os outros dois russos, que desconheciam o plano engendrado entre o piloto e os GUR, é uma das perguntas ainda sem resposta.

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Num primeiro momento, a Força Aérea russa, antes de se aperceber da deserção propositada de um dos seus pilotos, admitia que o desvio do rumo do Mi-8 para o interior da Ucrânia se pudesse dever a uma falha técnica com o sinal de GPS, o que não se confirmou. De modo a evitar represálias, a família do piloto está já na Ucrânia, em segurança, graças a passaportes falsos fornecidos pelos GUR.

Para além da deserção de um piloto (o que representa menos um inimigo a sobrevoar os céus da Ucrânia e a contribuir para o esforço de guerra), a operação permitiu ainda capturar o helicóptero, que “já passou a fazer parte da Força Aérea da Ucrânia”, confirmam os GUR. Segundo o jornalista ucraniano Yuriy Butusov, que escreve sobre assuntos militares, o helicóptero está totalmente operacional.

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Para além disto, a operação que levou à deserção do piloto permitiu ainda evitar a entrega de peças aos soldados russos, missão que deveria ter sido realizado pelo helicóptero. O aparelho transportava peças para caças bombardeiros russos SU27 e SU30, destacados para combaterem as forças ucranianas.

Esta parece ter sido uma operação bem-sucedida dos GUR, inserida nos esforços que os serviços secretos ucranianos levam a cabo, há meses, para convencer pilotos russos a desertar. O site de informação neerlandês Bellingcat publicou já uma investigação na qual revelou o plano dos GUR, destinado a convencer pilotos russos a entregarem-se, juntamente com o próprio aparelho, com garantias de não serem abatidos e com a promessa de as respetivas famílias serem levadas para a Ucrânia, além da entrega de uma boa quantia de dinheiro. O objetivo da Ucrânia é aumentar o arsenal de combate aéreo — no início da guerra, a Ucrânia tinha cerca de 15% do número de aviões e helicópteros de combate da Rússia.

Há muito que os serviços secretos russos (o FSB) têm conhecimento do plano, mas optaram por não intervir, de modo a identificar os desertores dentro da Força Aérea russa. No verão passado, um piloto russo esteve perto de entrar no plano ucraniano (com a promessa de receber um milhão de dólares), mas a operação acabou por não se concretizar.