Manuel Pires da Rocha, deputado da Assembleia Municipal de Coimbra eleito pelo PCP, esteve nos últimos dias em Donetsk como observador das eleições convocadas pela Rússia para essa região ucraniana ocupada pelas tropas de Moscovo. Questionado sobre esta viagem, o PCP explicou à Rádio Observador que “a presença de Pires da Rocha no Donbass é totalmente alheia a qualquer decisão do PCP e as suas declarações só responsabilizam o próprio”. Já o deputado municipal explicou também à Rádio Observador que foi convidado por ter estudado na União Soviética e que esta não foi uma viagem oficial.
“O mais importante nas eleições é liberdade e vimos liberdade”, disse Manuel Pires da Rocha numa entrevista em inglês à agência de notícias de Donetsk (DNR). “Vimos a maneira como as pessoas votaram e as pessoas falaram connosco”, indicou. O deputado enfatizou ainda que notou uma “atmosfera de liberdade” na região.
À Rádio Observador, Pires da Rocha falou sobre a sua viagem a Donetsk e explicou que “as embaixadas às vezes convocam as pessoas que elas possam festejar aquela sua vida juvenil. Outras vezes, como foi agora, também convida para que possam comparecer num evento como este. Foi apenas isso, não foi nada de oficial. Foi apenas pela minha natureza de estudante da União Soviética”.
O deputado municipal de Coimbra, eleito pelo PCP, referiu ainda que quis ir ver “o que se passa lá, aquilo que as pessoas sentem e aquilo que as pessoas estão a viver”.
“Uma coisa que consegui reter agora é que ninguém se habitua à guerra. A guerra é uma coisa terrível, mas aquelas pessoas vivem naquela situação de medo desde 2014. A situação com que estão a ser confrontadas tem de ter um fim político à vista, não pode ser de outra maneira.”
Sobre as eleições realizadas nos territórios ocupados pela Rússia na Ucrânia, que a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) considerou que não terão “qualquer validade ao abrigo do direito internacional”, Manuel Pires da Rocha referiu apenas que “as eleições, do ponto de vista da forma, copiam em absoluto aquilo que é feito no Ocidente — o secretismo da urna, o depósito em urna distante, a acreditação das pessoas”.
“Eu vi coisas que, muitas delas, são antipáticas ao noticiário ocidental. e, portanto, isso obriga-me a formar uma consciência”, acrescentou. Pires da Rocha esteve ainda em Mariupol, onde no ano passado as forças de Moscovo atacaram um teatro onde estava escrito no chão a palavra crianças, indicando que dentro daquele edifício estavam menores. Em Mariupol, o deputado municipal disse ter visto “um sentimento de grande alívio, já não há guerra por ali”. “Eu queria mesmo era ter a experiência humana, poder estar em Mariupol e ver em Mariupol aquilo que nós vemos na televisão, poder falar com as pessoas”, acrescentou.
Pires da Rocha sublinhou ainda que é crítico da posição de Portugal no contexto da guerra na Ucrânia: “O Estado português devia estar a procurar a paz e não a alimentar a guerra”.
À agência de notícias de Donetsk, Manuel Pires da Rocha enfatizou que não notou nestas eleições, cuja realização foi criticada pelo Ocidente, quaisquer “violações” e que o ato eleitoral seguiu “os padrões internacionais”.
“As pessoas falam sobre um momento histórico”, saudou Manuel Pires da Rocha, que aproveitou para mandar uma farpa ao secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken: “Não somos agentes, somos cidadãos. Penso que é importante olhar [para as eleições] para ter contraditório do que ouvimos.”
“As pessoas vieram cá livremente, sem serem vítimas de coerção. As eleições representam um sentimento de liberdade e vimos esse sentimento aqui”, saudou o deputado de Coimbra.
Deixando críticas aos meios de comunicação social ocidentais, Manuel Pires da Rocha acusou-os de “contarem mentiras da Rússia”. “Não estamos aqui para apoiar nada, mas para monitorizar. A Rússia não nos forçou a vir ou a dizer alguma coisa diferente”, garantiu.
Noutro comentário, desta vez ao jornal de Donetsk.kp, Manuel Pires da Rocha referiu que, enquanto observador, visitou “vários locais”. “Se eu pudesse escolher uma palavra seria ‘esperança’. Tal como o sangue, é importante”, referiu.
As eleições são, no entender do deputado municipal comunista, um “momento histórico importante”. “Espero que a vida volte ao normal. A democracia acontece quando as pessoas conseguem escolher o seu futuro”, referiu Manuel Pires da Rocha.
De acordo com a informação presente no site da CDU, Manuel Pires da Rocha é músico, tendo estudado na União Soviética, e é atualmente professor de violino no Conservatório de Música de Coimbra. É ainda dirigente do Sindicato dos Professores da Região Centro e Membro da Comissão Concelhia de Coimbra do PCP.
Na carreira política, foi ainda cabeça de lista em Coimbra nas últimas eleições de 2022.
A realização de eleições nos territórios ocupadas pela Rússia na Ucrânia foi duramente criticada pelo Ocidente. A Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) indicou que não terão “qualquer validade ao abrigo do direito internacional”. Os Estados Unidos descreveram as eleições como um “exercício de propaganda” e reiteraram que nunca reconhecerão as pretensões de Moscovo “a qualquer território soberano da Ucrânia”.
Também a Organização das Nações Unidas (ONU) manifestou preocupação face à realização deste ato eleitoral, sublinhando que o sufrágio “não tem fundamento jurídico”.