Quando lhe perguntamos como era em criança, Diana Matias sopra para o ar e revira os olhos. Dizem que era muito irrequieta. “Parece que dei muito trabalho aos meus pais: era muito agitada, cabeça na lua, sempre a inventar novos disparates para fazer”, conta a cientista.
Depois ocorre-lhe uma memória que a faz rir. “Na escola, quando as borrachas dos colegas ficavam manchadas com tinta das canetas, eu dizia que aquilo era um tumor.” E então esgravatava-as com a tesoura ou x-acto para os retirar. A graça da situação está no carácter curiosamente profético: há mais de dez anos que a cientista de 35 anos faz investigação em tumores cerebrais. Acredita que “os cientistas têm sempre alguma coisa especial que lhes suscita grande curiosidade e os motiva, uma paixão” e, para ela tem sido um tipo particular de tumor cerebral: os gliomas, especialmente os mais malignos, os glioblastomas. São mais comuns em idosos mas podem afetar qualquer faixa etária e têm geralmente um péssimo prognóstico. “Acho-os aterrorizantes e é isso que me fascina. São agressivos, rápidos, mas silenciosos. Matreiros e sorrateiros. E nas últimas décadas não avançámos muito nos tratamentos disponíveis. Portanto, estudar e compreender a biologia destes tumores para identificar novos alvos terapêuticos e criar terapias eficazes é fundamental.”
Como acontece com muitas paixões, também esta surgiu de um acaso. No fim da licenciatura em Bioquímica, na Universidade de Évora, conseguiu uma bolsa para ir para o Brasil, onde queria ir aprender mais sobre doenças do sistema nervoso central, em especial a esclerose múltipla. Conseguiu-a, mas a investigadora que a devia receber foi para casa, de licença de maternidade, e encaminhou-a para um colega, o cientista Vivaldo Moura-Neto, que trabalhava com tumores cerebrais, entre eles, o glioma.
Depois dessa experiência, Diana voltou para Portugal, mas já não largou o tema: fez o mestrado em Investigação Biomédica, na Universidade de Coimbra, onde usou uma nova estratégia terapêutica contra os tumores cerebrais e, em 2013, regressou à Universidade Federal do Rio de janeiro, ao mesmo laboratório onde aprendeu sobre gliomas, para fazer o doutoramento sobre novos alvos terapêuticos no glioma e nas suas interações com o microambiente imunitário.
Depois houve outro contacto fortuito, desta vez com nanopartículas. Percebendo as potencialidades que podiam ter no tratamento deste tipo de cancro, quis aprender mais sobre elas e rumou a Londres, onde esteve entre 2018 e 2022, ocupando um cargo de pós-doutorada no laboratório de Giuseppe Battaglia, na University College London, onde desenvolveu novos sistemas de administração de fármacos para o tratamento do glioma.
No ano passado Diana Matias venceu uma bolsa Junior Leader, da Fundação “la Caixa”, que lhe deu oportunidade de regressar a Portugal e começar a sua própria linha de investigação que pretende desenvolver nanopartículas superselectivas para promover a atividade do sistema imunitário contra as células cancerígenas. Do glioma, claro.
O primeiro desafio de qualquer terapêutica que precise de chegar ao cérebro é passar a barreira hematoencefálica, uma membrana permeável com alta seletividade que o protege da entrada de “inimigos”: substâncias neurotóxicas que circulem no sangue. Mas essa defesa também torna difícil a passagem de qualquer terapêutica para o seu interior. Para conseguir esta entrada, Diana vai usar nanopartículas. São estruturas minúsculas, medidas em nanómetros, que têm uma ordem de grandeza – ou de pequenez – difícil de compreender: a relação entre um nanómetro e um metro é comparável à relação entre o diâmetro de uma bola de ténis e o diâmetro do planeta Terra.
As partículas que Diana Matias está a usar neste projeto têm cerca de cem nanómetros, mas não é facto que serem tão pequenas que as ajuda a passar a barreira hematoencefálica. Elas funcionam como uma chave para entrar no cérebro. “São decoradas na sua superfície com péptidos [biomoléculas formadas pela ligação de dois ou mais aminoácidos] (…), o que permite o transporte através de mecanismos específicos para dentro do parênquima cerebral”, explica a investigadora.
A ideia é que, depois de entrarem, iniciem um confronto que nos é favorável entre as células T [do sistema imunitário, responsáveis pela defesa do organismo] e as células tumorais. Esta é uma estratégia que está em linha com uma grande tendência atual no desenvolvimento de novos tratamentos contra o cancro: ativar o sistema imunitário do doente para que ele trabalhe contra o cancro, como deveria – e não a favor dele, como acontece.
Estas nanopartículas funcionam com um íman, atraindo para si tanto as células T, como as células tumorais. Isso faz com que fiquem próximas e haja um conflito. As células T são ativadas e libertam citocinas e enzimas que destroem as células tumorais.”
Por serem tão específicas, estas nanopartículas conseguem não só evitar as células saudáveis, como ser programadas para atrair vários tipos de células tumorais, o que resolve outro dos atuais problemas no combate ao cancro: a heterogeneidade de mutações celulares de cada tumor.
Nos próximos dois anos, Diana estará a trabalhar em dois tipos de experiências, para aferir a eficácia destas nanopartículas: in vitro, com amostras de gliomas de doentes operados, a partir das quais cria organóides, ou seja, culturas de células em três dimensões que mimetizam características do órgão e do tumor; e em modelos animais, com ratinhos.
Nada lhe daria mais alegria, no final do projeto, daqui a dois anos, do que ver nestes modelos uma ativação das células do sistema imunitário e uma redução dos tumores. E concluir que esta é uma estratégia vencedora, que tem condições para continuar a ser investigada e apurada até chegar aos doentes. Mas se não for esse o caso, também não pretende desistir. Assume-se como teimosa e acredita no provérbio “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto de Diana Matias, do Instituto de Medicina Molecular, foi um dos selecionados para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2022 do programa de bolsas de Pós-Doutoramento Junior Leader. A investigadora recebeu 305 mil euros por três anos. As bolsas Junior Leader apoiam a contratação de investigadores que pretendam continuar a carreira em Portugal ou Espanha nas áreas das ciências da saúde e da vida, da tecnologia, da física, da engenharia e da matemática.