O novo bispo de Setúbal, Américo Aguiar, diz-se “contente, feliz e animado” pela sua nomeação para liderar a diocese cujo primeiro titular foi o seu conterrâneo Manuel da Silva Martins, que ali esteve entre 1975 e 1998.

“Estou contente, estou feliz, estou animado. Nem todos os portugueses têm de ir para fora do país para concretizar a sua vocação, não é? Portanto, estou muito feliz por poder corresponder e sinto verdadeiramente a mão de Deus nesta nomeação do Papa Francisco. É a minha cara”, disse, em entrevista conjunta à agência Lusa e à agência Ecclesia.

Para o até agora bispo auxiliar de Lisboa e que no próximo dia 30 será elevado a cardeal, os pontos de coincidência de percursos entre ele e Manuel Martins são muitos e fazem com que sinta “as mãos de Deus” a trabalhar nesta nomeação.

Américo Aguiar nomeado bispo de Setúbal. Ao fim de quase dois anos sem bispo, diocese ganha um cardeal

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“Há 48 anos, não sei quando é que foi o dia, mas no verão de 1975, era anunciado o primeiro bispo de Setúbal. E era um jovem de 48 anos, eu agora tenho 49. Um jovem de Leça do Balio, de onde também eu sou. Um jovem que era Vigário-Geral do Porto, que eu fui. Um jovem que foi responsável da Irmandade dos Clérigos, que eu também fui. Um jovem que ganhou a fama de ‘bispo vermelho’, que agora também sou em razão das vestes cardinalícias”, recordou Américo Aguiar, sublinhando as coincidências.

Depois, confessou: “Quando a gente vive, lê e passeia pela Sagrada Escritura, e vê relatos das figuras da Sagrada Escritura e do Povo de Deus, isto está lá assim. É óbvio que a gente está a ler, porque já passou. Agora, quando nós somos protagonistas do que está a acontecer, às vezes arrepia-nos sentirmos que é Deus que é o oleiro, que são as mãos Dele que estão aqui operar“.

Quando soube da nomeação, de imediato começou a interessar-se pelo quotidiano de uma diocese que, muitas vezes, é marcada pelas dificuldades sociais. “Passei logo a sentir os sentimentos de aflição, de alegria, daquilo que é a vida de tantos homens e mulheres que vivem na península de Setúbal e que eu conheço deste contexto de ouvir dizer e de D. Manuel Martins, mas, entretanto, passaram 20, 30 anos. E, portanto, são centenas de milhares de homens e mulheres de boa vontade que eu saúdo com muito afeto e a dizer-lhes que não se preocupem, eu vou de peito aberto, vou de coração aberto, vou fazer caminho com eles”.

Américo Aguiar diz-se desde logo disponível para ajudar na resolução dos problemas de índole social, preocupação que diz nunca ter abandonado, apesar das características das missões que lhe foram atribuídas nos últimos anos. “Eu nunca deixei de ter essa preocupação. As missões que me foram entregues eram diferenciadas e tentei sempre dar um sinal daquilo que era essa preocupação. Agora, eu sinto as dores, eu encarno as dores dos homens e das mulheres da diocese de Setúbal, da península de Setúbal, que eu quero que voltem a sonhar, eu quero que continuem a sonhar, eu quero lutar com eles por esses sonhos e quero que sejam poetas. E quero que todos, todos, todos sintam que é possível, em toda a liberdade, acederem a Cristo vivo”, disse o presidente da Fundação JMJ Lisboa 2023 nesta entrevista conjunta à Lusa e à Ecclesia.

Quanto ao facto de o Papa ter nomeado um futuro cardeal para a diocese de Setúbal, Américo Aguiar foi perentório: “O Papa não gosta nada do que tenha o selo de ‘normal’. O ‘normal’, o ‘costume’ e o ‘sempre foi assim’ causam urticária, no mínimo”.

“O ser cardeal não é poder, é serviço e, portanto, independentemente de estar na diocese A, na diocese B, no serviço A ou no serviço B, ele é um colaborador e conselheiro do Papa e isto não impede que ele esteja na geografia ou na função seja ela qual for. Todas as funções são dignas. Às vezes, parece que há funções que são dignas, outras que não são, e parece que as dioceses, umas são boas, outras são más. Eu acho que é mais do que tempo, e o Papa tem ajudado, tem provocado a que as pessoas entendam que isto não pode ser assim”, afirmou.

Do que não tem dúvidas é de que ir para Setúbal “é um grande desafio”, mostrando-se ciente dos problemas que urge resolver numa diocese que esteve quase dois anos sem bispo titular, depois da saída de José Ornelas, atual presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, para Leiria-Fátima.

Neste contexto, Américo Aguiar sublinha o papel desempenhado nos últimos quase dois anos pelo padre José Lobato como administrador diocesano, a quem apelida de herói, e destaca a entrega dos padres da diocese neste tempo em que estiveram sem bispo titular.

Não tem programa escrito, mas está de “coração aberto” para o novo desafio

Em relação ao programa, o futuro bispo de Setúbal assegurou não ter “programa pastoral escrito, nem decisões previamente tomadas” para a sua ação na diocese, antes olhando para as palavras do Papa, lembrando que “a Igreja é de todos e para todos”.

Assumindo não ter “um programa pastoral escrito, nem decisões previamente tomadas” para a diocese da qual tomará posse no dia 26 de outubro, o até agora bispo auxiliar de Lisboa, escreveu ter “na memória do coração, muitas das palavras do Papa Francisco” escutadas na “primeira semana do passado mês de agosto e tantas outras que o Papa não se cansa de repetir”, começando pela defesa de que “a Igreja é de todos e para todos — todos, todos, todos”.

“Que nunca olhemos para ninguém de cima para baixo, a não ser para ajudarmos a levantar quem está caído; que sejamos capazes de correr riscos e corajosos a denunciar a pobreza, a injustiça, a mentira e tudo o que nos diminui enquanto humanidade; que lutemos por agir no concreto e estar próximos dos mais frágeis, dos doentes, dos idosos, dos presos, dos desempregados, dos migrantes e dos refugiados; que sejamos determinados na tolerância zero a qualquer forma de abuso sobre menores e adultos vulneráveis”, foram outras ideias defendidas pelo Papa Francisco e que Américo Aguiar inscreveu na sua saudação aos diocesanos de Setúbal.

No texto, o futuro cardeal agradeceu ainda o “trabalho, empenho e dedicação de cada um em prol do bem comum, da dignidade da pessoa humana, da caridade e da subsidiariedade” e prestou uma “homenagem de sincera gratidão e grande respeito” ao patriarca emérito de Lisboa, Manuel Clemente, de quem foi auxiliar no Patriarcado e com quem trabalhara na diocese do Porto.

Sublinhando que quer seguir o “caminho de entrega, de fidelidade, de capacidade de levar o anúncio do evangelho, acreditando de corpo e alma que a justiça e a paz são fruto da ação de Deus, sempre que os homens e mulheres de boa vontade assim o permitem”, Américo Aguiar escreveu ainda que “as promessas cumprem-se, mais do que se fazem”.

“No dia de hoje, não me sinto capaz de grandes promessas, mas comprometo-me a cumprir a sugestão que o Papa Francisco nos deixou numa das suas intervenções durante a visita ao Bairro da Serafina em Lisboa: ‘Continuai para diante e não desanimeis! E se desanimares, bebei um copo de água e segui para a frente!’”, acrescentou o novo bispo de Setúbal.

O principal rosto da organização da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, que se realizou na capital portuguesa no início de agosto, lembrou ainda as palavras do Papa aos jovens, exortando-os a terem “a coragem de substituir os medos pelos sonhos”, não sendo “administradores de medos, mas empreendedores de sonhos”.