Vladimir Putin encontrou-se com dois homens na noite desta quinta-feira, numa reunião transmitida pela televisão. Um deles era o vice-ministro da Defesa, Yunus-Bek Yevkurov; o outro era Andrei Troshev, um antigo comandante da Wagner, o grupo paramilitar privado que em julho perdeu o líder, Yevgeny Prigozhin.

O encontro serviu para discutir o recurso a voluntários militares na guerra na Ucrânia.

Você lutou numa unidade destas durante mais de um ano. Sabe o que é, como funciona, que questões têm de ser previamente resolvidas para que o trabalho de combate seja bem sucedido”, afirmou Putin durante a reunião, dirigindo-se a Troshev.

Tudo isto indicia que Putin poderá estar a tentar dar um novo rumo à Wagner e Troshev pode ser o homem escolhido para liderar esse esforço — sinal reforçado pelo facto de o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, ter posteriormente anunciado que Troshev “trabalha agora no Ministério da Defesa”.

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Isso mesmo afirmou a analista Natia Seskuria, do Royal United Services Institute, à BBC, descrevendo o encontro como o símbolo de que “se está numa era pós-Prigozhin, em que o Ministério da Defesa está a assumir o controlo total da dita operação militar especial na Ucrânia”.

Quem é Andrei Troshev, o homem conhecido como “Grisalho”?

Coronel na reforma, antigo veterano das guerras do Afeganistão e da Chechénia, o homem a quem chamam Sedoy (“Grisalho”, em russo) sempre foi uma das figuras de destaque dentro da Wagner. Dúvidas houvesse, o próprio Troshev foi medalhado por Putin, juntamente com Dmitry Utkin e outros mercenários da Wagner como Alexander Kuznetsov, numa cerimónia do Kremlin em 2016.

“Parabenizo com sinceridade todos os convidados e os nossos heróis que, é claro, não cabem todos nesta sala”, disse à altura do Presidente, na altura de fazer o brinde, de acordo com o jornal Fotanka (um dos órgãos russos que mais tem acompanhado o percurso da Wagner ao longo dos anos). “Desejo a todos vós saúde e paz. Cada um de vós escreveu a sua própria brilhante página na História da Rússia.”

Nada que surpreenda, se tivermos em conta as ligações próximas da Wagner ao Kremlin ao longo dos últimos anos. Embora oficialmente a Wagner funcionasse como uma empresa independente — uma das várias empresas militares privadas que operam no país num vácuo legal —, há várias provas de que funcionaria como braço armado do Kremlin em vários conflitos onde não era conveniente ao Exército russo envolver-se diretamente. Os próprios Utkin e Troshev mantinham contactos regulares com o GRU, os serviços secretos militares, como provou o site Bellingcat.

Em julho, ainda antes da morte de Prigozhin — mas já depois da rebelião levada a cabo pelo chef de Putin —, Putin assumiu publicamente que parecia querer seguir a segunda hipótese. Numa entrevista ao jornal russo Kommersant, o Presidente afirmou que ofereceu aos comandantes da Wagner a hipótese de continuarem a trabalhar sob a liderança de um dos seus, o comandante Sedoy.

O “Grisalho” é por isso uma espécie de número dois que, aparentemente, Putin sugeriu promover para o lugar de Prigozhin, ainda antes da morte deste. Veterano de guerra, ex-funcionário do Ministério da Administração Interna e comandante da Wagner na Rússia, conseguiria juntar os dois mundos da Wagner e do Kremlin.

Em agosto, depois de Putin já ter mencionado o seu nome para liderar a Wagner, a analista Vanda Felbab-Brown, especialista no grupo Wagner, dizia ao Observador que Troshev “é uma figura controversa”. “Ele não é um outsider como Prigozhin, é alguém com quem Putin e o GRU estariam muito mais confortáveis”, diz. “Mas está manchado pelas alegações de alcoolismo e problemas mentais.”

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Em junho de 2021, por exemplo, o Fotanka noticiou que Troshev deu entrada num hospital em São Petersburgo, totalmente embriagado e a precisar de assistência. Os médicos estranharam os pertences que trazia consigo: cinco milhões de rublos e cinco mil dólares em dinheiro, mapas da Síria e recibos de compras de armas. Chamaram a polícia. Só mais tarde perceberam quem era o homem que trataram naquela noite.