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O santo português, o patriarca de Lisboa e o homem que inspirou o nome do Papa. A igreja de Roma atribuída a Américo Aguiar

Este artigo tem mais de 1 ano

Como todos os cardeais, Américo Aguiar recebeu uma igreja titular em Roma: Santo António de Pádua. Porque é que os cardeais têm igrejas em Roma? E qual a história da igreja atribuída ao novo cardeal?

A igreja de Santo António de Pádua, em Roma, fica situada a 200 metros da Arquibasílica de São João de Latrão — a mais importante igreja do universo católico
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A igreja de Santo António de Pádua, em Roma, fica situada a 200 metros da Arquibasílica de São João de Latrão — a mais importante igreja do universo católico

www.flickr.com/photos/gaspa/218406046 / gaspa / CC BY 2.0

A igreja de Santo António de Pádua, em Roma, fica situada a 200 metros da Arquibasílica de São João de Latrão — a mais importante igreja do universo católico

www.flickr.com/photos/gaspa/218406046 / gaspa / CC BY 2.0

Ao impor o barrete vermelho sobre a cabeça de Américo Aguiar para o tornar formalmente num cardeal da Igreja Católica, com todos os privilégios que daí advêm (especialmente o de ser um conselheiro pessoal do Papa e o de ter direito a votar no conclave destinado a eleger o próximo pontífice), o Papa Francisco atribuiu ao novo cardeal português, como igreja titular, a Basílica de Santo António de Pádua, situada na Via Merulana, em Roma. Que igreja é esta — e que quer isto dizer?

Para compreender a lógica das igrejas titulares atribuídas aos cardeais, é necessário recuar vários séculos e conhecer a história do próprio Colégio Cardinalício.

Como explica a Agência Ecclesia, o título de cardeal está intimamente ligado à cidade de Roma, onde se situa desde o primeiro século a cátedra do sucessor de Pedro: os cardeais são os clérigos mais próximos do Papa e ao longo dos séculos o título foi, gradualmente, ganhando os contornos que hoje são conhecidos. Foi durante o pontificado de Silvestre I (314-335) que o título de cardeal foi reconhecido pela primeira vez e, segundo a agência católica, era “atribuído genericamente a pessoas ao serviço de uma igreja ou diaconia, reservando-se mais tarde aos responsáveis das igrejas titulares de Roma e das igrejas mais importantes da Itália e do mundo”.

Na origem deste grupo de clérigos que receberam o título de “cardeal” estão, por exemplo, os 25 presbíteros das primeiras comunidades cristãs de Roma, que foram nomeados pelo Papa Cleto no século I, os 14 diáconos responsáveis pelo cuidado dos pobres nas várias regiões de Roma, os seis diáconos palatinos (responsáveis pelos vários departamentos do palácio de Latrão) e ainda os sete bispos das sete dioceses mais próximas de Roma, conhecidas como dioceses suburbicárias. Todos eles eram, diz a Ecclesia, “conselheiros e colaboradores do Papa“.

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Nesta altura, nem todos os cardeais eram necessariamente bispos: vários eram padres.

Os registos históricos permitem perceber que a partir da Idade Média os cardeais foram ganhando uma importância maior na Igreja Católica. É a partir do ano 1150 que se forma o Colégio Cardinalício, liderado por um decano e um camerlengo — e é também na Idade Média que, num contexto de grandes disputas entre as grandes famílias de Roma pela liderança pontifícia, o Papa Leão IX eleva ao cardinalato vários homens que considerava que seriam capazes de o ajudar na reforma da Igreja e o Papa Nicolau II determina que os cardeais passam a ser os únicos com a missão de eleger o Papa.

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Eleger o Papa no segredo do conclave, dentro da Capela Sistina, é uma das principais funções dos cardeais

Gamma-Rapho via Getty Images

Ao longo do segundo milénio, o lugar dos cardeais na cúpula da Igreja Católica foi-se consolidando — e, em 1962, o Papa João XXIII determinou que todos os cardeais seriam “honrados com a dignidade episcopal”. Ou seja, o Papa continua a poder escolher um padre para ser cardeal, mas ele é ordenado bispo antes de receber as insígnias cardinalícias.

Hoje, de acordo com o Código de Direito Canónico, os cardeais “constituem um Colégio peculiar, ao qual compete providenciar à eleição do Romano Pontífice nos termos do direito peculiar”. “Os cardeais também assistem ao Romano Pontífice quer agindo colegialmente, quando forem convocados para tratar em comum dos assuntos de maior importância, quer individualmente, nos vários ofícios que desempenham, prestando auxílio ao Romano Pontífice na solicitude quotidiana da Igreja universal”, diz a lei da Igreja.

Atualmente, os cardeais já não se encontram apenas em Roma — e o Papa Francisco tem intensificado ainda mais essa universalização do colégio dos cardeais. Além dos chefes dos dicastérios da Cúria Romana, há, entre o grupo dos cardeais, múltiplos bispos diocesanos que se mantêm nas suas dioceses por todo o mundo (será o caso de Américo Aguiar, como bispo de Setúbal), embora viajem com frequência até Roma para ajudar o Papa no governo da Igreja a nível global.

Além de receberem funções nos vários dicastérios da Cúria Romana, os cardeais reúnem-se com frequência em “consistórios”, que podem ser ordinários ou extraordinários: são encontros nos quais o Papa procura consultar os cardeais para assuntos relevantes para a Igreja, como explica ainda a Ecclesia.

Por ser de entre os cardeais que é escolhido o próximo Papa, os cardeais são habitualmente tratados como “príncipes da Igreja” — por serem, em tese, todos herdeiros potenciais do monarca da Igreja, que é o Papa. Por essa razão, durante a sede vacante, entre a morte ou renúncia do Papa e a eleição do sucessor, é ao colégio dos cardeais que compete, coletivamente, a condução dos destinos da Igreja.

No entanto, para manter a ligação com as origens do título cardinalício — o clero de Roma, que auxiliava o Papa e vivia em proximidade com o pontífice —, todos os cardeais continuam atualmente a receber uma igreja titular na cidade de Roma. Trata-se, essencialmente, de uma nomeação honorífica, já que o próprio Código de Direito Canónico estabelece que os cardeais devem promover “com o seu conselho e patrocínio o bem das mesmas dioceses e igrejas”, embora não tenham “sobre elas poder algum de governo” nem se possam intrometer “nos assuntos respeitantes à administração dos bens, à disciplina ou ao serviço dessas igrejas”.

Assim, todos os cardeais portugueses têm atualmente igrejas titulares em Roma. Por exemplo, o cardeal Manuel Clemente é o titular — ou “protetor” — da igreja de Santo António no Campo Marzio, conhecida como igreja de Santo António dos Portugueses. Já o cardeal Tolentino Mendonça é o protetor da igreja de Santos Domingos e Sisto, enquanto o cardeal António Marto é o protetor da basílica de Santa Maria Sopra Minerva, mesmo ao lado do Panteão de Roma.

Santo António de Pádua, a igreja que marca a proximidade entre Américo Aguiar e Francisco

Agora, o novo cardeal Américo Aguiar terá de tomar posse da igreja de Santo António de Pádua, na Via Merulana, em Roma — a escassos 200 metros da Arquibasílica de São João de Latrão, a mais importante igreja do mundo católico. Ao contrário do que se possa pensar, é na Arquibasílica de São João de Latrão (e não na Basílica de São Pedro) que se encontra a cátedra do bispo de Roma e, por isso, a cátedra do Papa.

Além de a sua igreja titular de Roma ser um símbolo físico da enorme proximidade que se estabeleceu nos últimos anos entre Américo Aguiar e o Papa Francisco, a história recente daquela igreja titular ajuda também a compreender a sua importância para Portugal e para o Papa Francisco.

Uma imagem do interior da igreja de Santo António de Pádua, em Roma

Livioandronico2013 / CC BY-SA 4.0

Em primeiro lugar, claro, o próprio título: Santo António de Pádua, que os portugueses conhecem melhor como Santo António de Lisboa. O próprio Américo Aguiar, que com frequência nos últimos anos presidiu às celebrações de Santo António na cidade de Lisboa, deixou para as câmaras municipais das duas cidades a resolução da disputa diplomática para se saber de onde é o santo. O que é certo é que Santo António nasceu em Lisboa e morreu em Pádua (e, em bom rigor, os santos são comemorados na data da morte e associados ao lugar da morte, e não do nascimento) — e é hoje o símbolo maior das celebrações dos santos populares em Lisboa.

A história daquela igreja remonta ao final do século XIX, quando a Ordem dos Frades Menores (os franciscanos) decidiram fundar em Roma, “à sombra do Vigário de Cristo”, e por isso mesmo ao lado da Arquibasílica de São João de Latrão, um colégio internacional onde fossem formados os responsáveis das várias províncias franciscanas de todo o mundo. Em dezembro de 1887, a igreja foi consagrada — e, em 1960, foi elevada pelo Papa João XXIII à dignidade de igreja titular cardinalícia. O seu primeiro cardeal protetor foi o japonês Pietro Tatsuo Doi, arcebispo de Tóquio entre 1937 e 1970.

Em 1973, aquele título foi atribuído ao antigo patriarca de Lisboa António Ribeiro. Nomeado em 1971 para suceder ao cardeal Manuel Gonçalves Cerejeira, António Ribeiro foi elevado ao cardinalato em 1973 pelo Papa Paulo VI, altura em que recebeu a igreja titular de Santo António de Pádua — título que manteria até à sua morte, em 1998.

Depois da morte de António Ribeiro, aquela igreja titular ficaria vaga durante mais três anos, até à elevação cardinalícia do frade franciscano brasileiro Cláudio Hummes, um religioso conhecido pelo seu trabalho na Pastoral Operária e que três anos antes tinha sido nomeado arcebispo de São Paulo. Cláudio Hummes manteria a titularidade daquela Igreja até à sua morte, em julho de 2022, mesmo durante os quatro anos (2006-2010) em que foi prefeito da Congregação para o Clero, na Cúria Romana.

Durante duas décadas, Cláudio Hummes foi um dos mais importantes cardeais da América Latina — a par de Jorge Mario Bergoglio, que era arcebispo de Buenos Aires desde 1998 e que foi elevado a cardeal no mesmo consistório que Hummes, no dia 21 de fevereiro de 2001. Estiveram juntos, por exemplo, na célebre V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e do Caribe, em Aparecida, em 2007, que daria origem ao Documento de Aparecida — um documento crucial para compreender o pontificado de Francisco. Durante essas décadas, Hummes e Bergoglio tornaram-se bastante amigos, e Hummes viria a ser uma das grandes influências do papado de Francisco.

Em 2013, no conclave convocado para eleger o sucessor de Bento XVI, os dois cardeais latino-americanos ficaram sentados lado a lado. Na derradeira ronda de votos, à medida que os escrutinadores anunciavam mais um voto para o “Eminentissimo Bergoglio“, começava a desenhar-se a inevitabilidade da eleição do argentino. Quando o nome de Bergoglio foi dito pela 77.ª vez, confirmando a eleição, os cardeais presentes na Capela Sistina irromperam num enorme aplauso. Voltaram, porém, a sentar-se: só quando os 115 votos fossem todos lidos em voz alta é que a eleição de Bergoglio seria oficializada e só então lhe seriam feitas as perguntas fatais. Aceitaria? E que nome escolheria?

Como explica Austen Ivereigh, o biógrafo de Francisco, esses minutos foram fundamentais. Ao seu lado, o cardeal franciscano Cláudio Hummes abraçou-o e segredou-lhe: “Não se esqueça dos pobres.” Foi quanto bastou. Nas palavras de Ivereigh: “A palavra poveri revolvia-se no seu pensamento, como um mantra para a meditação, até o nome surgir de repente no seu coração; Francisco de Assis, o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e cuida da criação.” A recomendação daquele amigo franciscano levaria Jorge Bergoglio a escolher o nome “Francisco”.

Depois da morte de Cláudio Hummes, a igreja titular de Santo António de Pádua, vizinha da Arquibasílica de São João de Latrão, voltou a ficar vaga — e, este sábado, voltou a ser atribuída não só a um português, como a um colaborador bem próximo do Papa Francisco.

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