Narges Mohammadi é a vencedora do Nobel da Paz 2023, revelou esta sexta-feira a academia sueca, que distinguiu a ativista e jornalista iraniana pela “luta contra a repressão das mulheres no Irão”. “A luta heroica veio com um grande custo pessoal. O regime deteve-a 13 vezes, condenou-a cinco vezes e sentenciou-a a 31 anos na prisão. Ela ainda está presa no momento em que falo”, indicou Berit Reiss-Andersen, a presidente do comité Nobel.
Salientando o trabalho de Narges Mohammadi na luta contra a discriminação e contra a opressão das mulheres, a academia sueca frisou que a ativista luta “pelo direito a viver de forma digna”. “Esta luta no Irão teve como consequências perseguições, detenções, tortura e até a morte.”
“Narges Mohammadi luta pela liberdade de expressão e pelo direito à independência, num país que quer esconder as mulheres e quer cobrir os seus corpos”, defendeu Berit Reiss-Andersen, que disse que o regime iraniano não só tem esse objetivo com o sexo feminino, como com toda a população.
O comité sueco reforçou que Narges Mohammadi é uma “mulher, defensora dos direitos humanos e alguém que luta pela liberdade“. “Ao distingui-la, o comité Nobel deseja homenageá-la pela luta corajosa pelos direitos humanos, liberdade e democracia”, vincou Berit Reiss-Andersen.
Além disso, com este prémio, o comité também quer reconhecer as “milhares de pessoas que protestaram contra as políticas teocráticas iranianas de discriminação e opressão contra as mulheres”.
Defendendo direitos iguais para todos, a academia considerou que só assim se atinge “a fraternidade entre nações”, que Alfred Nobel “queria promover”. O prémio de Narges Mohammadi segue a tradição, segundo Berit Reiss-Andersen, de que o trabalho “para o avanço, para a justiça social, para os direitos humanos e para democracia” valem a pena. “São condições importante para uma paz duradoura.”
Após uma questão dos jornalistas sobre como é que o prémio seria entregue a Narges Mohammadi — já que a ativista está detida —, Berit Reiss-Andersen esclareceu que espera que seja entretanto “libertada” pelo regime iraniano. Contudo, se isso não acontecer, o comité disse apenas que tem “uns meses para planear” a maneira como é que vai entregar o galardão.
A presidente do comité Nobel referiu ainda que espera que o regime iraniano “ouça o seu próprio povo” e que trabalhe para construir uma “sociedade sustentável” com “direitos democráticos e respeito, pelos indivíduos e pelos direitos humanos”.
Confrontada sobre os riscos de Narges Mohammadi poder sofrer represálias pela entrega do prémio, Berit Reiss-Andersen sublinhou que isso será “responsabilidade do governo” iraniano — e todo o mundo estará atento a ver o que sucede. Adicionalmente, a presidente do comité realçou que este galardão tem um “carácter universal” que manda uma mensagem a todos os governos que não protegem os direitos das mulheres.
No anúncio da entrega do galardão, Berit Reiss-Andersen lembrou ainda a morte de Mahsa Amini, que foi presa — e acabou por morrer na prisão —, por não respeitar o código de indumentária iraniano. “A sua morte desencadeou as maiores demonstrações políticas contra a brutalidade e contra a opressão das mulheres face ao regime iraniano desde que tomou o poder em 1979.”
“O regime iraniano respondeu com mão firme aos protestos. Mais de 500 manifestantes morreram, muitos foram feridos. Pelo menos 20 mil pessoas foram detidas”, recordou Berit Reiss-Andersen, que utilizou o lema “mulheres, vidas e liberdade” que expressa “a dedicação e trabalho de Narges Mohammadi”.
Narges Mohammadi começou a sua vida profissional como engenheira, ao mesmo tempo que publicava artigos de opinião na imprensa. Depois, tornou-se ativista e começou a defender publicamente os direitos das mulheres até ser detida, a primeira vez em 2011.
No ano passado, os vencedores do galardão foram três: o ativista bielorrusso Ales Bialiatski, o grupo de direitos humanos russo Memoriam e a organização pelos direitos humanos ucraniana Centro para Liberdades Cívica. Ainda que a guerra na Ucrânia continue a ser um tópico que possui grande importância para a preservação da paz, Berit Reiss-Andersen enfatizou que, este ano, o comité considerou que era “primordial” distinguir esta “situação única no Irão”.
“A vitória está próxima”, diz Mohammadi. Marido diz que ativista é “a pessoa mais determinada” que conhece
Ainda que Narges Mohammadi esteja detida, o marido, Taghi Rahmani, está em França como refugiado. À Agence-France Presse, o jornalista lembrou a mulher como a pessoa “mais determinada que conhece”: “Ela tem três causas: o respeito pelos direitos humanos, o seu compromisso feminista e justiça para todos os crimes que foram cometido”.
Em reação ao anúncio, a própria Narges Mohammadi publicou comunicado onde diz sentir-se “mais determinada, mais responsável, mais apaixonada e mais útil” à luta pela democracia e pela igualdade.
Continuarei a lutar contra a discriminação, tirania e opressão com base no género sem fim por este governo religioso e opressor até que as mulheres sejam libertadas”, acrescentou.
A ativista revelou ainda a esperança de que tem de que este reconhecimento possa ajudar a uma mudança no Irão: “Espero que faça com que os iranianos que protestam pela mudança fiquem mais fortes e organizados”, disse. “A vitória está próxima.”
Nas redes sociais, as contas geridas pelo círculo próximo de Narges Mohammadi referem que este é um “momento histórico e profundo pela luta da liberdade do Irão”. É, assim, uma honra para todos os iranianos, principalmente “para as mulheres e raparigas jovens do Irão que cativaram o mundo com a sua coragem na luta pela liberdade e pela igualdade”.
Irão considera Nobel da Paz para Narges Mohammadi uma forma de pressão do Ocidente
O Governo do Irão condenou a atribuição do Nobel da Paz , descrevendo a decisão “como um ato político” e uma forma de pressão do Ocidente. “A decisão do Comité do Nobel da Paz é um ato político alinhado com a política intervencionista e anti-Irão de alguns governos europeus”, sublinhou o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Naser Kanani, em comunicado.
Kanani frisou que esta é mais uma “forma de pressão do Ocidente” contra o Irão, que se soma ao “terrorismo económico e desumano” que o país sofre “há mais de quatro décadas”. O porta-voz da diplomacia iraniana apontou que Mohammadi foi condenada por “repetidamente violar a lei e cometer atos criminosos”, pelo que a atribuição do galardão representa um “desvio dos objetivos originais do Prémio Nobel da Paz”.
“O Irão, como um dos fundadores das Nações Unidas, trabalha sempre para alcançar a paz na esfera regional e global”, destacou Naser Kanani.
Agência de notícias iraniana critica entrega de prémio a Narges Mohammadi: “Foi pelas ações contra a segurança nacional”
Em reação, a agência de notícias semioficial Fars criticou a entrega do prémio à ativista. “Foi entregue por ocidentais” pelas suas “ações contra a segurança nacional do Irão”.
De acordo com a Al Jazeera, a agência de notícias — com ligações ao regime iraniano — comentou ainda que Narges Mohammadi foi muitas vezes notícias “devido aos seus atos contra a segurança nacional”.
ONU. Prémio “destaca a coragem e a determinação das mulheres do Irão”
O Prémio Nobel da Paz anunciado para a ativista iraniana Narges Mohammadi, atualmente na prisão, “destaca a coragem e a determinação das mulheres do Irão e como estas inspiram o mundo”, reforça a porta-voz do Gabinete das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Liz Throssell.
“Vimos esta bravura e determinação face à repressão, intimidação, violência e detenções”, sublinhou a porta-voz do gabinete chefiado pelo Alto-Comissário para os Direitos Humanos, Volker Türk, poucos minutos após o anúncio do prémio em Oslo.
Narges Mohammadi é um símbolo das mulheres, das mulheres iranianas, que “têm sido assediadas pela sua forma de vestir e que sofrem com medidas legais e económicas cada vez mais limitativas”, acrescentou Liz Throssell numa conferência de imprensa.
O Governo português congratulou o Comité Nobel pela escolha.
“Portugal congratula-se pela decisão do Comité Nobel Norueguês, que atribuiu o Prémio Nobel da Paz a Narges Mohammadi”, afirmou esta sexta-feira, 7 de outubro, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em comunicado e na rede X (ex-Twitter), lembrando que a escolha se deveu à “luta contra a opressão das mulheres no Irão” e por “promover os direitos humanos e a liberdade para todos”.
O ministério liderado por Gomes Cravinho saúda ainda o trabalho da ativista iraniana, referindo que “simboliza o esforço empreendido por muitas e muitos, no Irão e em outras partes do mundo, em prol dos direitos humanos e, em particular, na defesa dos direitos das mulheres”.
“A defesa intransigente dos direitos humanos é uma prioridade transversal da política externa portuguesa”, conclui o ministério.
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Também o presidente da Assembleia da República portuguesa, Augusto Santos Silva, reagiu à atribuição do Nobel a Mohammadi.
“Saúdo a atribuição do Prémio Nobel da Paz de 2023 a Narges Mohammadi, ativista e jornalista iraniana que dedicou a sua vida à defesa dos direitos humanos, à luta contra a discriminação e opressão das mulheres”, escreveu Augusto Santos Silva na rede social X (antigo Twitter).