A reunião da noite de António Costa foi com o partido, depois de ter passado pelo grupo parlamentar, e o registo em relação ao Orçamento não divergiu muito da congratulação ao chefe que dominou a reunião do final de tarde no Parlamento. No Largo do Rato reconheceu-se que é talvez o Orçamento socialista que menos resistência teve (e aqui até se falou na “bolha”, que afinal já conta), mas houve uma voz a chamar as tropas a comportarem-se como uma orquestra, sem deixarem “o tenor” Costa a cantar sozinho.

Augusto Santos Silva interveio na reunião da Comissão Política do PS para pedir mais “discurso ideológico”, mais combate político e às “perceções” que possam criar-se nos momentos como as greves de professores em que só fecham algumas escolas, mas a ideia que passa é de paralisação total. A propósito da defesa de uma “comunicação” e uma “denúncia” mais ativas por parte do partido, o dirigente socialista que preside à Assembleia da República até fez uma graça usando uma expressão do mais recente comentador do partido, Pedro Nuno Santos.

Segundo várias fontes presentes na reunião, Santos Silva notou a falta dos stradivarius a apoiarem “o tenor” (como chamou a António Costa) no combate às ideias que se criam  na opinião pública e isto numa época em que até “foi fundada a escola dos comentadores livres pensadores”o tipo de comentador que Pedro Nuno prometeu ser quando jurou que não vinha para ser oposição a Costa. A referência não terá sido “acintosa”, como foi notado por várias fontes que contaram a intervenção ao Observador, mas o reparo foi entendido por alguns como um claro recado às falhas de comunicação do Governo. E, por outros, é atribuído à falta de apoio do partido no espaço público, “a combater as perceções”.

“Tem de haver mais quem assuma o combate”, descreveu outra fonte sobre o que ouviu de Santos Silva. Ou noutras palavras ainda: “Há necessidade de defender a realidade verificada contra a realidade percecionada“. Foi, na análise de um outro dirigente que também ouviu Santos Silva, um pedido a que o partido “robusteça as respostas aos desafios da governação e do país”. “Foi um encorajamento à ação política e à defesa de ideias“. Santos Silva terá mesmo dito que este combate tem de ser mais assumido pelo partido, uma vez que quem está nos cargos mais institucionais tem de estar mais reservado.

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Para os sindicalistas do PS OE “soube a pouco”

Foi a intervenção mais fora do tema do dia, o Orçamento do Estado que não levantou ondas internas. As únicas vozes mais críticas sobre a proposta do Governo foram as dos sindicalistas Sérgio Monte (UGT) e José Abrãao (FESAP) e vários decibéis abaixo de outras reuniões mais antigas onde também manifestaram preocupações.

Desta vez houve uma “nota positiva” à proposta do Governo e também à “evolução do acordo de rendimentos”, mais notada por Sérgio Monte, de acordo com o apurado pelo Observador. Já José Abrãao fez questão de dizer à sala pouco cheia de dirigentes (muitos faltaram à reunião da noite, ainda que o Governo tenha estado em peso) que o que veio no Orçamento “soube a pouco”. “Pode-se ir mais além”, terá defendido na reunião perante um líder do partido quase sem voz — literalmente, já que António Costa está com uma faringite.

As críticas só variaram mais quando vieram das vozes da ala minoritária que é contra a atual liderança e que é chefiada por Daniel Adrião. Intervieram vários socialistas deste grupo, ainda assim no final, quando Costa arrancava com a intervenção de fecho da reunião, Adrião queixou-se de não lhe ter sido dada a palavra, fazendo o secretário-geral adjunto João Torres levantar a voz, para rejeitar que isso tivesse acontecido. Os pequenos choques entre Adrião e a direção são comuns nas reuniões dos órgãos do partido.

No geral, desta vez, o tom dominante foi “tranquilo”. “De uma serenidade que já não se via há alguns meses” no partido, reconhece um dirigente que esteve na reunião. É como se existisse “uma nova vida”, depois das sucessivas crises do último ano e das ameaças que chegaram a vir de Belém de onde o Presidente acenou várias vezes com a existência do poder de dissolução da Assembleia da República.

Na sala, os socialistas ouviram várias congratulações ao chefe — que tinha ali entre os dirigentes vários membros do seu Governo, como o próprio ministro das Finanças, Fernando Medina, as ministras Mariana Vieira da Silva, Marina Gonçalves ou Ana Mendes Godinho, ou o ministro José Luís Carneiro. Uma das mais elogiosas foi Isilda Gomes, presidente da Câmara de Portimão, que sublinhou ser este “o primeiro Governo a cumprir a lei de finanças locais”. Segundo dois socialistas que estiveram na reunião, também pediu mais capacidade de comunicação e, nesse ponto, ouviu outro socialista, André Pinotes Batista, referir que em metade dos dias há queixas de défice de comunicação e na outra metade existem críticas “à grande máquina de propaganda”. Tal como Santos Silva, também este socialista concordou com a necessidade de se “falar mais de política” no partido.

César atira a “dislexia política” de Montenegro

No final da reunião, aos jornalistas, o presidente Carlos César falou para dizer que a ideia geral saída da reunião de socialistas foi de “satisfação”, notando que “foi também essa a que foi expressa pela generalidade dos comentadores políticos independentes e até afetos à área política do PPD”. Durante os piores dias da crise, o PS montou uma narrativa de ataque à “bolha mediática” (liderada pelo ministro da Cultura Pedro Adão e Silva) e como ela estaria desligada da realidade dos portugueses pouco preocupados com a crise política. mas agora a análise da tal “bolha” já serve à argumentação socialista.

César fez, no entanto, questão de apontar à necessidade de “um partido cada vez mais atento ao protesto e às insuficiências que aqui e ali se colocam e às falhas” que existem. Voltou à carga no pedido de um “Governo que seja cada vez mais capaz de aprender com isso, corrigir quando for o caso e retificar quando isso for necessário. Essa cultura do PS deve ser estimulada e contrariar a ideia de que estamos sempre no caminho certo e que tudo o que fazemos foi bem e que os resultados se devem exclusivamente a nós, quando poderíamos ter melhores resultados”.

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Está convencido de que o PS tudo fará “para não pôr em causa” os frutos que colheu e que sabe que terá de ser “mais virtuoso” em áreas mais críticas, como a saúde e a habitação. E até disse que “seria lamentável” o partido pôr-se já a rejeitar propostas da oposição no âmbito do Orçamento do Estado. “Não vale a pena estar na Assembleia da República só para votar de olhos fechados”, avisou na conferência de imprensa final e quando questionado pelo jornalistas sobre a abertura que a maioria deve ter em relação ao que vier da oposição.

Aos mesmo tempo nota “dislexia política” em Montenegro “que catalogou o Orçamento de pipi”. “Não, o Orçamento não é pipi. É sim um orçamento que pé ante pé constrói com segurança e avança responsavelmente na recuperação de rendimentos dando confiança para futuro”. Também recorreu às sondagens para assinalara que tem sido “o PPD a perder a confiança dos eleitores” e não o PS, rejeitando que o acusem de “tudo e o seu contrário”, ou seja, de “investir e dar benesses com recursos públicos e simultaneamente não o fazer dando prioridade às contas certas”.

Sobre a questão de existir um excedente e de se poder ir mais longe nos apoios às famílias, César desejou “humildade” ao Governo e ao PS para saber transmitir “que sé acautelando a situação das finanças públicas obedecerem a contas certas e serem equilibradas será possível contribuir para que haja mais contas certas nas economias das famílias”. Para o presidente do partido este é um Orçamento que “está na zona de equilíbrio”, permitindo ambas as coisas ao mesmo tempo.

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