A taxa adicional de solidariedade foi criada em 2011 no âmbito do Orçamento do Estado para 2012, em pleno programa de ajustamento de Portugal que resultou numa intervenção da chamada troika (Comissão Europeia, BCE e FMI) até 2014. Em 2012, Vítor Gaspar, então ministro das Finanças, criou a taxa adicional no IRS para os rendimentos que passassem a integrar o último escalão das taxas de imposto.
“Os contribuintes do último escalão passam a estar sujeitos a uma taxa adicional de solidariedade de 2,5%”, dizia-se na proposta de Orçamento, aprovada com a indicação de que esse adicional seria pago para rendimentos acima de 153,3 mil euros, que era o limite inferior do último escalão do IRS. No ano seguinte, o Governo do PSD/CDS desceu o rendimento a partir do qual seria cobrada a taxa de 2,5% para 80 mil euros, que correspondia também ao mínimo do último escalão das taxas de IRS ao qual era (e é) aplicada uma taxa de 48%. Em 2013 foi criada ainda nova taxa adicional, de 5%, para rendimentos acima de 250 mil euros, naquele ano em que houve o “enorme aumento de impostos” de Vítor Gaspar.
E são estes os valores que se mantêm desde então. O adicional de solidariedade é de 2,5% para rendimentos entre 80 mil e 250 mil euros e de 5% para valores acima de 250 mil euros, pela intenção de ter uma taxa para os muito ricos.
Só que para o próximo ano, e pela primeira vez desde que foi criada, a taxa adicional de solidariedade vai incidir em rendimentos que integram não apenas o último escalão de IRS, mas ainda os do penúltimo. É que o Governo propõe a atualização dos rendimentos nas taxas de IRS de 3% para 2024, mas não mexeu no valor mínimo do adicional.
Os rendimentos acima de 80 mil euros continuarão a pagar, em sede de IRS, uma taxa adicional de solidariedade. Ora, estes rendimentos passam a estar no penúltimo escalão (oitavo) e não no último.
Segundo a proposta de alteração dos escalões que o Governo fez no Orçamento do Estado para 2024, o oitavo escalão vai até um limite de rendimentos de 81.199 euros, acima do mínimo para pagar taxa de solidariedade. Atualmente o limite no oitavo escalão fica nos 78.834 euros. O oitavo escalão tem uma taxa marginal de 46% e o nono de 48%. O Governo só vai reduzir as taxas até ao quinto escalão.
Carla Castelo Trindade, professora da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, recorda que esta taxa foi criada com caráter temporário, mas prolongou-se no tempo e acabou por se tornar definitiva. Além disso, aponta o dedo ao facto de em 2024 estas taxas acabarem por ser pagas também por pessoas que não estão no último escalão, o que dogmaticamente, diz ao Observador, fere o espírito para o qual foi criada. A especialista admite que tal possa ser ainda revisto em sede de especialidade no Parlamento, para subir o nível mínimo da taxa adicional.
Ainda assim, na realidade quem ganhe por exemplo 80 mil euros, acabará por pagar em 2024 menos imposto, já que esse é um valor que está sujeito a uma taxa marginal de 46%, quando este ano estava nos 48%. Com uma adição, em ambos os anos, de 2,5%.
Ao atualizar os rendimentos em cada escalão a uma taxa de 3%, o Governo acaba por determinar uma descida da taxa média em todos os escalões, já que o IRS é um imposto progressivo.
Em 2021 houve 21,8 mil agregados a pagar taxa adicional de solidariedade, segundo as estatísticas da Autoridade Tributária, que indica um valor garantido ao Estado de 56,8 milhões de euros. Ou seja, cada agregado pagou, em média, 2.600 euros pela taxa de solidariedade.
Dos 21,8 mil agregados que pagam este adicional, a maioria está no escalão mais baixo, ou seja, paga 2,5% — um total de 20,35 mil agregados pagam 23,1 milhões de euros. No escalão dos 5%, ou seja, com rendimentos acima de 250 mil euros, há o registo de 1.493 agregados, que pagaram 33,7 milhões de euros.