O julgamento do processo do caso EDP está na segunda semana e começaram a ser ouvidas esta quinta-feira as testemunhas chamadas pela acusação. O primeiro a sentar-se na sala do tribunal de Lisboa, na presença de Manuel Pinho, foi Pedro Raposo, diretor de recursos humanos do Banco Espírito Santo. Chamado pelo Ministério Público para esclarecer a questão do contrato apresentado pelo antigo ministro da Economia, que previa o pagamento de uma reforma aos 55 anos, Pedro Raposo garantiu nunca ter visto tal documento.
Olhando para o documento, o então diretor de recursos humanos disse que, apesar de não ter conhecimento do acordo assinado entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado, “não era obrigatório ter conhecimento deste documento”. Apesar disso, existe uma alínea naquele acordo que considera não ter validade, em que é referido que, mesmo interrompendo funções no BES, o pagamento da reforma aos 55 anos continuava a ser devida. “Esta cláusula, sendo que as pensões eram pagas pelo fundo de pensões do BES, não tem validade”, explicou. E acrescentou: “As regras eram: se estivesse ao serviço, tinha direito. O que diz aqui é: mesmo que não tenha funções, tem direito”.
– Recorda-se se o Dr. Ricardo Salgado falou consigo sobre a reforma?
– Comigo falou uma vez, não sei precisar a data — ou [Manuel Pinho] tinha saído do Governo ou estava para voltar –, sobre exatamente se podia dar o valor da reforma do Manuel Pinho. Eu disse que ele não tinha esse direito. E ele disse: ‘sim, mas se tivesse direito’.
– Quando o senhor foi exercer no banco, quais eram as funções de Manuel Pinho?
– Já era administrador.
– Recorda-se quando é que deixou de ser administrador?
– Tenho uma carta de demissão dele.
– Nunca teve conhecimento de que passou de ser administrador a administrador não-executivo?
– Não.
– Efetuou funções de administrador até à carta de demissão?
– Sim, exatamente.
Nesta sequência, a defesa de Manuel Pinho aponta para uma carta escrita no dia 13 de outubro de 2009 [Manuel Pinho deixou o Governo em julho de 2009], que consta nos autos deste processo, e que terá dado origem a um almoço entre os dois. “Sim, houve esse almoço”, reconheceu Pedro Raposo, acrescentando que o ponto da conversa foi a reforma de Manuel Pinho. “Manuel Pinho estava convencido de que aos 55 anos tinha direito aos 100%.”
Durante a tarde desta quinta-feira, o documento do acordo foi exibido mais uma vez, no momento em que foi ouvida a segunda testemunha. António José Souto, administrador do BES entre 1989 e 2014, foi ouvido e, tal como a testemunha anterior, negou ter conhecimento do tão referido acordo para a reforma de Manuel Pinho.
Olhando para os valores que constam no acordo, António Souto reconheceu estes “são superiores ao que os administradores ganhavam no BES”. No caso da participação dos resultados, os valores para os restantes administradores, em 2004, não eram “nem metade disto, para aí um quarto disto”.
“O fundo de pensões é independente e tem estatutos. Não se pode, por decisão unilateral, alterar as regras patentes nos estatutos”, explicou, em relação à elaboração de um acordo para reforma. Além disso, este acordo teria de ser do conhecimento da “comissão de vencimentos e não de recursos humanos”.
“O que lhe disse na época [a Manuel Pinho em 2013 sobre a reforma a 100%] foi: isso é uma decisão que só pode ser tomada no âmbito do fundo de pensões depois de alterados os estatutos“.
“O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”
Na primeira sessão deste julgamento, Manuel Pinho começou a prestar declarações, classificou a acusação do Ministério Público como uma “trapalhada” e recusou ter feito um “pacto criminal” com Ricardo Salgado, antes de assumir funções no Governo de José Sócrates, depois das eleições de 2005. “Não tem nexo, porque nós, pegando nesse pacto criminal, e fazendo as contas, o que é que resulta? Se fosse verdade, teria aceite um prejuízo colocasse, em vez de um beneficio. Ninguém faz um pacto para se prejudicar. A verdade é que não há esse pacto criminal, mas existe um acordo que estipula que existe um valor contratual. Esse acordo foi celebrado em março de 2004, quando era impossível prever as mudanças do país — nomeação de Santana Lopes, demissão de Santana Lopes. O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”, explicou o antigo ministro da Economia.
Para justificar o facto de Manuel Pinho não ter declarado inicialmente os valores recebidos através do tal contrato, Manuel Pinho atirou as culpas para o BES, referindo que esta era uma prática comum dentro do banco. “O BES simplesmente tinha um mau hábito, que era de pagar complementos de salário no estrangeiro. Ou recebia um valor extremamente baixo, ou recebia um valor próximo da concorrência. Era uma má prática generalizada, que se aplicou comigo e com dezenas de quadros superiores.”
Manuel Pinho criou offshore para esconder património, mas nega ter ocultado pagamentos do BES
“Vamos andar para 2004, quando não estava no Governo. Tinha acumulado grande parte do património e tinha esse património numa conta do BES na Suíça. Por altura de me terem afastado, andava agastado com o Banco Espírito Santo e tirei parte do dinheiro dessa conta e meti no Deutsch Bank, em Lisboa. Mas aqui havia o problema de não haver sigilo bancário, nem em Portugal, nem na Alemanha. A solução era criar uma offshore“, disse Manuel Pinho na sessão desta terça-feira, para explicar o início da formação da Fundação Tartaruga.
“Em 2004, o que passo a ter? A conta da Suíça, mais o que devia ser uma conta, mas era uma sociedade offshore chamada Mandalay. Passa um tempo e sou convidado para ir para o Governo. Tenho de regularizar a situação, mas quero tirar o meu nome do montante que tenho na conta bancária. Então, isto tudo se passou no prazo de uma semana e o que me aconselharam foi a criar uma estrutura, a única que juridicamente é capaz de me afastar do meu património. Essa estrutura chama-se uma fundação privada. Nas vésperas de entrar para o Governo, criei uma fundação de direito privado, chamado Fundação Tartaruga”, acrescentou.
No fundo, Manuel Pinho tinha então a offshore Masete [que são as iniciais de Maria, Sebastião e Teresa, os nomes dos filhos], a offshore Mandaly e, como as duas tinham o seu património associado ao seu nome, foi criada a Fundação Tartaruga para que, como referiu o ex-ministro, “serviu de chapéu” às outras duas e, ocultando assim o património que não queria declarar como ministro da Economia.