A terceira sessão do julgamento do processo que ficou conhecido como caso EDP continuou esta terça-feira, com a conclusão da “ordem de trabalhos” apresentada por Manuel Pinho, um dos três arguidos deste processo. Faltam três dos nove pontos anunciados pelo antigo ministro da Economia na sessão passada, mas a questão central desta terça-feira foi a criação da Fundação Tartaruga, a offshore com sede no Panamá, para onde foram feitos os pagamentos de Ricardo Salgado. “Não tem nada a ver com o que é afirmado pelo Ministério Público”, disse Manuel Pinho, recusando ter criado esta offshore antes de integrar o Governo de José Sócrates, apenas para esconder os pagamentos do antigo presidente do Banco Espírito Santo. Mas a justificação não é clara e também não é nova, como avançou em 2022 o Observador: por um lado, Manuel Pinho assume que não quis declarar património quando entrou para o Governo e, por outro lado, recusa ter ocultado recebimentos.

“Vamos andar para 2004, quando não estava no Governo. Tinha acumulado grande parte do património e tinha esse património numa conta do BES na Suíça. Por altura de me terem afastado, andava agastado com o Banco Espírito Santo e tirei parte do dinheiro dessa conta e meti no Deutsch Bank, em Lisboa. Mas aqui havia o problema de não haver sigilo bancário, nem em Portugal, nem na Alemanha. A solução era criar uma offshore”, disse Manuel Pinho, para explicar o início da formação da Fundação Tartaruga.

“Em 2004, o que passo a ter? A conta da Suíça, mais o que devia ser uma conta, mas era uma sociedade offshore chamada Mandalay. Passa um tempo e sou convidado para ir para o Governo. Tenho de regularizar a situação, mas quero tirar o meu nome do montante que tenho na conta bancária. Então, isto tudo se passou no prazo de uma semana e o que me aconselharam foi a criar uma estrutura, a única que juridicamente é capaz de me afastar do meu património. Essa estrutura chama-se uma fundação privada. Nas vésperas de entrar para o Governo, criei uma fundação de direito privado, chamado Fundação Tartaruga”, acrescentou.

No fundo, Manuel Pinho tinha então a offshore Masete [que são as iniciais de Maria, Sebastião e Teresa, os nomes dos filhos], a offshore Mandaly e, como as duas tinham o seu património associado ao seu nome, foi criada a Fundação Tartaruga para que, como referiu o ex-ministro, “serviu de chapéu” às outras duas e, ocultando assim o património que não queria declarar como ministro da Economia.

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– Para a acusação, eu tinha duas sociedades offshore: a Mandalay e a Masete. E ,nas vésperas de ir para o Governo, estava a fazer a terceira. Ora, se eu quisesse esconder dinheiro, tinha usado as outras duas, não tinha criado uma terceira. 

– Mas porquê? 

– Como era uma conta bancária, precisava de criar uma coisa diferente para que o património não fosse meu. 

– Mas porque? 

– Porque estava a ir para o governo. 

– Não queria declarar esse património quando foi para o governo? Esse património ficou ocultado. 

– Legalmente, o património não era meu. 

Manuel Pinho. “Assumo: usei de uma ‘habilidade’ para não revelar o meu património quando entrei para o Governo”

Manuel Pinho está acusado pelo Ministério Público de dois crimes de corrupção passiva, um deles para ato ilícito, um crime de branqueamento de capitais e outro crime de fraude fiscal e o tribunal decidiu manter todos os crimes, tal como constam na acusação. Sobre Alexandra Pinho recaem os crimes de branqueamento de capitais e de fraude fiscal — os dois em co-autoria material, em concurso efetivo, com o ex-marido. Já Ricardo Salgado é julgado por dois crimes de corrupção ativa e um crime de branqueamento de capitais.

“Ele [Ricardo Salgado] não estava habituado a que lhe fizessem frente”

A lista dos nove pontos começou a ser apresentada na segunda sessão deste julgamento. O primeiro tópico, que em parte já tinha sido abordado na primeira sessão, foi precisamente a relação entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado. E o antigo ministro da Economia explicou que a relação ficou marcada, segundo Manuel Pinho, por duas discussões, que terão ditado o seu afastamento do Banco Espírito Santo: “Tivemos [Manuel Pinho e Ricardo Salgado] duas discussões em público e eu tenho o meu feitio. E não sei se não terá sido isso que terá influenciado a minha substituição. Ele [Ricardo Salgado] não estava habituado a que lhe fizessem frente”.

“Entre 1994 e 2004 era uma relação profissional. Em 2004 e 2005, fiquei muito aborrecido e magoado [quando Manuel Pinho foi afastado da administração do banco]. Entre 2005 e 2009, praticamente não há relacionamento. Depois de 2009 é o tal período em que falharam com o tal compromisso. Fiquei chocado”, acrescentou.

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Manuel Pinho abordou ainda “o pacto criminal” feito entre Manuel Pinho e Ricardo Salgado — e que já foi também falado na primeira sessão deste julgamento. “Ora bem, o Dr. Salgado e outros administradores prometeram por escrito uma reforma no dia em que fizesse 55 anos. Ao fazer um contrato, quero é receber. Se é a prima, se é o fundo de pensões que paga, não me interessa”, explicou ao coletivo de juízes presidido pela juíza Ana Paula Rosa.

Este acordo, segundo Manuel Pinho, não terá sido cumprido, uma vez que quando fez 55 anos, afinal, essa reforma só seria paga aos 65 anos. Até lá, como recompensa, iria para o BES África. No entanto, a razão pela qual o acordo não foi cumprido ainda não foi explicada.

Segundo o Ministério Público, Manuel Pinho terá sido corrompido por Ricardo Salgado, na altura em que era o responsável pela pasta da Economia no Governo de José Sócrates, e terá recebido uma avença mensal de 14.963,94 euros através da sociedade offshore Espírito Santo Enterprises — o conhecido saco azul do Grupo Espírito Santo (GES). No total, o antigo ministro da Economia terá recebido um total de 3,9 milhões de euros do GES e Ricardo Salgado terá dado ordem para efetuar esses pagamentos. O objetivo do ex-líder do BES seria favorecer, alegadamente, o grupo da família, nomeadamente na aprovação das herdades da Comporta e do Pinheirinho como “Projeto de Interesse Nacional”.

“O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”

Na primeira sessão deste julgamento, Manuel Pinho começou a prestar declarações, classificou a acusação do Ministério Público como uma “trapalhada” e recusou ter feito um “pacto criminal” com Ricardo Salgado, antes de assumir funções no Governo de José Sócrates, depois das eleições de 2005. “Não tem nexo, porque nós, pegando nesse pacto criminal, e fazendo as contas, o que é que resulta? Se fosse verdade, teria aceite um prejuízo colocasse, em vez de um beneficio. Ninguém faz um pacto para se prejudicar. A verdade é que não há esse pacto criminal, mas existe um acordo que estipula que existe um valor contratual. Esse acordo foi celebrado em março de 2004, quando era impossível prever as mudanças do país — nomeação de Santana Lopes, demissão de Santana  Lopes. O verdadeiro acordo que existe não é de 2005”, explicou o antigo ministro da Economia.

Caso EDP. Manuel Pinho recusa “pacto criminal” com Ricardo Salgado e diz que acordo foi assinado um ano antes de ser nomeado como ministro

Para justificar o facto de Manuel Pinho não ter declarado inicialmente os valores recebidos através do tal contrato, Manuel Pinho atirou as culpas para o BES, referindo que esta era uma prática comum dentro do banco. “O BES simplesmente tinha um mau hábito, que era de pagar complementos de salário no estrangeiro. Ou recebia um valor extremamente baixo, ou recebia um valor próximo da concorrência. Era uma má prática generalizada, que se aplicou comigo e com dezenas de quadros superiores.”