O ativista antirracismo Mamadou Ba foi esta sexta-feira condenado a uma multa de 2.400 euros por difamar o militante nacionalista Mário Machado, num caso ligado à morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995. A condenação tinha sido pedida pelo Ministério Público. O tribunal condenou Mamadou Ba, tendo a juíza Joana Ferrer sublinhado que Mário Machado prescindiu de pedir qualquer indemnização.

Ministério Público pede pena de multa para Mamadou Ba por difamação de Mário Machado

Em causa está uma frase escrita por Mamadou Ba em 2020 na rede social X (antigo Twitter), na qual o ativista antirracismo considerou Mário Machado uma das figuras principais do homicídio de Alcindo Monteiro em 1995 no Bairro Alto.

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Alcindo Monteiro foi morto por um grupo de skinheads, que tinham saído à rua, naquela noite, para comemorar  aquele dia, a que chamam “Dia da Raça”. O jovem foi espancado e acabou por morrer na Rua Garrett. Na altura, um grupo de 11 pessoas foi julgado pela morte de Alcindo Monteiro, mas Mário Machado não estava neste grupo, tendo sido condenado a dois anos e meio de prisão pelos crimes de ofensas à integridade física por bater noutra pessoa, também no Bairro Alto.

Na leitura da sentença, a juíza vincou que “Mário Machado não assassinou Alcindo Monteiro” e que o arguido Mamadou Ba imputou tal facto, “repetido até à exaustão”, ofendendo a honra do assistente no processo (Mário Machado), que tem mulher e filhos.

O tribunal considerou que houve vontade notória de Mamadou Ba de “denegrir” Mário Machado, salientando que o passado criminal deste último não impede o seu direito à honra, tanto mais que o processo penal português assenta na ressocialização e não permite a estigmatização de quem já cumpriu pena.

À saída do tribunal após o julgamento, a advogada Isabel Duarte leu aos jornalistas uma declaração de Mamadou Ba intitulada “O Estado capitula e a justiça branqueia um nazi”, na qual se refere que “dizer que Mário Machado é uma das figuras principais do assassinato de Alcindo Monteiro é simplesmente a forma mais benigna de descrever como ele se destacou na noite da `caça ao preto´ pela violência com que agrediu as suas vítimas com um taco de basebol, na cabeça, até as deixar inanimadas”.

Na declaração, Mamadou Ba critica ainda o Ministério Público por ter “optado por estar ao lado de um triplo empreendimento de caráter político que consiste em branquear um criminoso neonazi, normalizar a extrema-direita e a violência racial e silenciar o antirracismo”. Também o juiz de instrução Carlos Alexandre, que enviou o processo para julgamento, não foi poupado nas críticas feitas por Mamadou Ba.

Mamadou Ba, que assistiu à leitura da sentença por videoconferência a partir do Canadá, considerou ainda, na declaração, que “Mário Machado conseguiu transformar a instituição judicial num instrumento de combate político da extrema-direita contra o movimento antirracista”. A sua advogada, Isabel Duarte, manifestou intenção de recorrer da decisão.

Por seu lado, Mário Machado afirmou aos jornalistas que a decisão condenatória “foi uma vitória da justiça portuguesa” e “também uma vitória contra a esquerda portuguesa” depois de figuras políticas conhecidas como Francisco Louçã, Rui Tavares e Francisca Van Dunem terem ido depor a favor de Mamadou Ba, “não tendo o tribunal deixado ser pressionado”.

Mário Machado disse dedicar ainda “esta vitória” na justiça ao seu falecido pai que “durante anos ouviu dizer que o filho era um assassino”.

Quanto a Mamadou Ba e ao facto de este não exprimir arrependimento, contrapôs não estar surpreendido com a atitude porque se trata de um supremacista negro, que tem uma postura “rancorosa e odiosa” e que já apelidou a polícia de “bosta da bófia”.

Mário Machado frisou que apenas quis a sua honra reposta, não tendo efetuado qualquer pedido de indemnização cível, nem exigido dinheiro ao arguido.

Ao retirar-se do Campus de Justiça, o militante de extrema-direita foi provocado por dezenas de apoiantes de Mamadou Ba com injúrias e gritos de protesto, tendo sido necessário a polícia escoltar o visado para fora do recinto.

José Manuel Castro, advogado de Mário Machado, declarou que a sentença de 240 dias de prisão remível a multa de 2.400 euros aplicada a Mamadou Ba é “uma decisão histórica” e “uma espécie de grito do Ipiranga” da justiça que “não se deixou influenciar” pelos políticos que vieram testemunhar neste julgamento apenas para dar a sua opinião, sem nada saberem sobre os factos em análise.

Mortágua espera anulação da decisão e SOS Racismo solidário com Ba

A decisão da juíza Joana Ferrer foi criticada pela coordenadora do Bloco de Esquerda. Mariana Mortágua disse esperar que, em segunda instância, seja anulada a condenação judicial, defindo a setença como “incompreensível”.

“Mário Machado, um neonazi condenado, fez parte do grupo que espalhou o terror na noite em que mataram Alcindo Monteiro. É incompreensível que Mamadou Ba seja condenado por constatar este facto“, lamentou a coordenadora do BE, Mariana Mortágua, numa publicação na rede social X (antigo Twitter). Mariana Mortágua disse esperar que “em segunda instância se anule esta decisão”.

Também o movimento SOS Racismo se manifestou contra a decisão, defendendo mesmo que tem sido “patente na sociedade uma vontade de adotar posturas contra o antirracismo que pretendem silenciar as vozes que lutam pela democracia”. “Infelizmente essa postura tem adquirido contornos estruturais, que se torna particularmente grave quando é reproduzida pelas instituições ligadas à justiça”, critica.

“Perante a decisão do tribunal em acompanhar a vontade de um confesso neonazi, o movimento SOS Racismo reitera a sua solidariedade com Mamadou Ba e denuncia a perseguição política de que tem sido alvo e, através dele, o próprio antirracismo”, diz o movimento em comunicado.

A mesma organização diz ainda ser pela “defesa de uma justiça impermeável a este tipo de cumplicidade e que se comprometa antes em combater o racismo estrutural que afeta as instituições que regem a vida das pessoas e com quem elas têm de lidar diariamente para fazer valer os seus direitos“.

Para o SOS Racismo, “é importante não esquecer que Mário Machado foi dos poucos envolvidos na violência do dia 10 de junho de 1995 que nunca demonstrou qualquer arrependimento e que continua militantemente envolvido em movimentos de ideologia de extrema-direita”.

Perante o desfecho da leitura da sentença hoje proferida, o movimento entende que tal decisão vem “contrariar todas as instâncias onde foram julgadas todas as pessoas envolvidas na `caça ao preto´ do dia 10 de junho de 1995”.

Assim, dizem exprimir o seu “apoio incondicional a qualquer decisão que o Mamadou Ba venha a tomar” e declaram-se “mobilizados para, em conjunto com todos e todas as que lutam pela democracia, construir uma sociedade justa e igualitária”.