O que nos vai na cabeça quando pensamos em saúde mental? Muita coisa… Para quebrar preconceitos, tabús e promover uma maior literacia em torno deste tema, aproveitámos o Dia Mundial da Saúde Mental para falar sobre bem-estar e saúde mental em contexto laboral, comportamentos preventivos, diferenças entre doenças leves e graves do foro mental, a importância de procurar ajuda, a esperança que reside nos tratamentos, e como podem as redes sociais e os anos letivos ter influência na Saúde Mental dos adolescentes e jovens adultos.
Estar atentos aos sinais, investir na prevenção, combater o estigma, foram alguns dos temas da emissão especial dedicada a este tema tão relevante, que teve lugar nas instalações da Janssen Portugal, , numa parceira com a Rádio Observador. A tarde começou como de costume e depois de dadas as notícias, foi altura de receber em estúdio a psicóloga Tânia Gaspar e o psiquiatra Gustavo Jesus.
Saúde Mental no trabalho foi o pontapé de partida para aquela que viria a ser a mesa-redonda do dia, moderada pelos jornalistas Nelson Ferreira e Paulo Farinha. Com o “stress” como tema central, Gustavo Jesus começou por dizer que “é importante perceber que o trabalho é uma grande parte da nossa vida”. Para o psiquiatra, o trabalho não deve ser necessariamente associado a um fator de stress negativo. “Se o stress for moderado, até é bom para a nossa produtividade. O problema é quando ele é excessivo, ou demasiado prolongado no tempo. Como grande parte da nossa vida é passada a trabalhar, o potencial de que o tempo que nós passamos a trabalhar se transforme em stress crónico, é elevado. A questão é que o trabalho se associa a uma ideia de stress crónico, não só pelo próprio trabalho, mas por tudo o que acontece à volta. Temos o horário de trabalho, mas depois temos de cumprir horário para ir buscar os miúdos à escola, ir às compras, estar no trânsito, cumprir objetivos…eu diria que, ao invés de culpabilizarmos só o trabalho por aquilo que as pessoas sentem, temos de perceber que o trabalho deve estar em equilíbrio. Tem de existir uma harmonia entre aquilo que é a vivência do trabalho e o restante”, afirma.
Depois de um período de pandemia, a ideia que se tinha do trabalho mudou. Surgiram novas formas de trabalhar, novos sistemas e isso veio alterar a própria noção de conforto dos trabalhadores. Ainda assim, é preciso ter algum cuidado quando todo o trabalho é feito em casa. “O trabalho híbrido e não presencial tem muitas vantagens, mas as pessoas são preparadas e evolutivamente programadas para estar umas com as outras. O trabalho à distância, quando acontece, tem de ter regras concretas. Temos de ter tempo e espaço dedicado ao trabalho, ter uma zona da casa preparada para trabalhar e um horário para sair. Porque esta coisa de estar continuamente ligado, faz com que o stress ligado ao trabalho se torne mais crónico. É o stress crónico que danifica o cérebro”, esclarece Gustavo. E se é verdade que esta foi uma das noções que nos trouxe os tempos de pandemia, Tânia defende também que, hoje, há mais literacia no que diz respeito à saúde mental: “Aconteceu um fenómeno interessante que foi as pessoas começarem a valorizar mais o seu bem-estar. Algumas entidades patronais tiveram essa consciência e estão a negociar com os profissionais questões como o trabalho híbrido”. Nas palavras da psicóloga, hoje é o trabalho presencial total a maior causa de insatisfação e falta de bem-estar, por parte dos trabalhadores. “Depois de passar por uma altura em que conheceram outras formas de trabalhar, em que conseguiram conciliar a vida pessoal com a profissional, serem outra vez obrigadas ao tipo de trabalho que tinham antes, leva a que as pessoas comecem a pôr em causa algumas questões. Muitas vezes leva a que as pessoas comecem a desinvestir no trabalho, o empenho e a dedicação reduzem, levando mesmo a que se procurem outras alternativas, em alguns casos”, esclarece a psicóloga.
Neste sentido, ficou claro que é mais importante do que nunca que organizações e colaboradores alinhem pensamentos e vontades, para que o bem-estar de todos no trabalho se altere.
“Teoricamente, os profissionais deviam estar alinhados com a cultura e os valores da organização, mas muitas vezes isso não acontece”, começa por dizer Tânia, acrescentando: “nos resultados do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, se tivermos de selecionar um grupo onde é fundamental existir essa sensibilidade, são as lideranças. As lideranças são uma população fundamental para ter intervenção. Por um lado, porque elas próprias sofrem e são pressionadas com muita coisa para gerir. A seleção, a formação contínua e alguma monitorização e avaliação das chefias é fundamental para conseguir que esta cultura esteja em toda a organização”. Concordando com as palavras da colega, Gustavo aproveita o momento para complementar o raciocínio, afirmando que é preciso “que a literacia na saúde, na relação das pessoas com o seu trabalho, melhore. Têm de acontecer mudanças organizacionais, culturais, não só das empresas, mas também sociais”.
A este propósito foi relevante conhecer os programas da Janssen Portugal de Apoio ao Empregado e de sensibilização para a prevenção e promoção da Saúde Mental em contexto laboral. “As boas práticas corporativas são verdadeiros contributos para uma sociedade mais saudável. Enquanto empresa líder na área das neurociências sentimos também esta responsabilidade de continuar a dar o nosso contributo para uma maior literacia e uma sociedade mais inclusiva e promotora da Saúde Mental” – disse ao Observador, João Condeixa, Diretor de External Affairs da Janssen Portugal.
Depois do trabalho, sobrou ainda tempo para se falar nos jovens. Regresso à escola, redes sociais, dúvidas e insegurança foram alguns dos tópicos debatidos, chegando-se à conclusão de que, de facto, existe um “agravamento na saúde mental dos jovens”. O caminho a percorrer ainda é longo, a consciencialização é mais necessária do que nunca e um dos grandes obstáculos é o combate do estigma. “O estigma é um tópico que estamos sempre a discutir em saúde mental, mas que continua a ser relevante. As pessoas ainda têm muito receio, até de serem diagnosticadas. O estigma impede o próprio acesso aos cuidados de saúde. E depois há também o estigma com o tratamento e a medicação”, são palavras de Gustavo Jesus, que aproveita a oportunidade para deixar uma mensagem: “Hoje estamos aqui a celebrar o Dia Mundial da Saúde Mental, cujo tema é que a saúde mental deve ser um direito universal. Para ser um direito universal, implica uma questão fundamental que é o acesso aos cuidados de saúde. Se não temos capacidade para servir a população com cuidados minimamente adequados de saúde mental, então não podemos falar num direito universal. Mas ele deve existir e este é um problema que deve ser resolvido”.
Com o tempo a chegar ao fim, a conclusão foi óbvia: não só a saúde mental deve ser, realmente, um direito, como é preciso ser centro de todos os debates, em qualquer dia do calendário.
E foi precisamente com isso em mente que se deu seguimento à emissão, com a rubrica “Aprender a Comer”, com a Nutricionista Mariana Chaves – onde se percebeu de que forma os alimentos impactam a nossa saúde mental – e a rubrica “Porque Sim Não é Resposta”, com o psicólogo Eduardo Sá – onde o tema da saúde mental no trabalho voltou a ter destaque e foi reforçada, ainda, a ideia de que, nos dias de hoje, ainda se trata este tema “com muitos embrulhos. Quando chamamos as coisas pelos nomes, as pessoas reconhecem isso. É importante que possamos falar de forma clara sobre aquilo que são comportamentos de saúde mental”, sublinhou o psicólogo.
Das 18h às 19h a emissão seguiu o curso que normalmente seguiria, nos estúdios do Observador, mas a tarde terminou com mais um episódio do Podcast “Convidado Extra”, onde o jornalista João Paulo Sacadura entrevistou o psiquiatra Vítor Cotovio, em direto. Esta foi uma conversa que fechou o dia com “chave de ouro” e onde se tentou perceber em que ponto está a saúde mental dos portugueses e o que ainda fica por fazer. “Há passos que existem, que são feitos e que são postos no terreno. Vivemos um momento no qual a sociedade está muito condicionada por metas, por objetivos, por apresentar aquilo que são coisas feitas”, é nas palavras de Vítor Cotovio que a tarde termina, com o alerta para a necessidade de se planificar, agregar, encontrar respostas: “Não é possível projetar a saúde mental, sem articularmos todas as outras forças. Um país que não atenda bem a sua saúde mental é um país que definha. É um país onde a qualidade de vida é menor”, remata.
Numa tarde repleta de debates, trocas de ideias, conversas e tópicos lançados para cima da mesa, é com a noção de que ainda existe muito para fazer que o dia termina. O caminho é longo, mas a vontade é maior. Que o debate não se faça só a propósito de uma efeméride e que possa ser alargado a outras esferas e outros dias. Fica, para o futuro, o desejo de que todas estas ideias possam ser postas em prática e que, de facto, o acesso aos cuidados de saúde mental se torne possível para todos.