Atacado por todos os lados por causa dos problemas no SNS, António Costa decidiu falar ao PS para fazer a defesa da honra da sua reforma para o sistema de Saúde — e, de caminho, de toda a filosofia das contas certas que marca a sua governação. Diante dos comissários nacionais socialistas, e desta vez na pele de líder do partido, Costa enumerou todas as razões pelas quais essa política não é “uma gestão orçamental cega” e assegurou: é assim que se combatem temos de “incerteza” — como aqueles que, avisou, estão para vir.

Ainda assim, e como tem avisado repetidamente, Costa lembrou que no caso do SNS o problema não é de dinheiro — vem mesmo da forma como é gerido. Se o PS já reforçou esses recursos em “72%” desde 2015, é preciso lembrar que “os problemas não se resolvem só com dinheiro”: “O grande problema é a boa gestão dos recursos financeiros”.

A ideia agora é tentar finalmente provar que o PS consegue fazer essa boa gestão, pondo em prática a já atrasada reforma do SNS, com a direção executiva encabeçada por Fernando Araújo a tomar as rédeas do processo. “A direção executiva vem criar um comando próprio”, explicou, defendendo “reformas” como a organização das unidades locais de Saúde e a negociação das remunerações com os médicos, que continua a gerar protestos entre os profissionais de Saúde.

Objetivo final: provar que “o esforço que portugueses têm feito” para reforçar os recursos do SNS “se traduz numa reforma efetiva, percebida e sentida por todos” — para que o caos nas urgências não se transforme num problema ainda mais grave para o Governo.

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O líder socialista tinha, de resto, começado a sua intervenção na FIL, em Lisboa, pela guerra e as consequências que traz — obrigando o Governo a fazer a sua gestão, uma vez mais, em modo de crise, como já aconteceu em tempos de pandemia e na sequência da guerra da Ucrânia. Mas em todos esses momentos, defendeu Costa, foi por o Governo ter “criado condições” orçamentais prévias que conseguiu responder às exigências do momento. O futuro não será diferente: “O cenário internacional, já percebemos, não vai ser bom. Por isso temos de contar com as nossas próprias forças”, alertou.

A tentativa de desenhar o contraste com a oposição, especialmente a direita, foi clara. Por um lado, quando acusou essa oposição de ter tentado “enganar os pensionistas”, público-alvo chave para o PS, no ano passado (quando o PS ainda não dava garantias sobre a manutenção da fórmula de aumento das pensões). Depois, com repetidas referências ao “enorme aumento de impostos” do tempo de Vítor Gaspar e da troika. Por fim, quando voltou a Rui Rio para dizer que no caso do PS a redução do IRS sempre foi uma “prioridade” relativamente ao IRC, e não “um amor de verão passageiro”.

A ideia de que só o PS garante um futuro “seguro” foi chave para o líder socialista, que parafraseou Jorge Sampaio: “Não há só mais vida além do Orçamento, há mais vida além de 2026. Sim, podíamos gastar tudo, mas seria irresponsável”, atirou, em resposta às críticas da oposição a propósito do uso do excedente orçamental. E frisou a importância de manter a sustentabilidade da Segurança Social, aproveitando para atirar mais uma farpa à direita e mantendo o fantasma da troika bem presente na sala: “Eles cortaram as pensões e propunham-se, convém nunca esquecer, cortar mais 600 milhões”.

A matemática das contas certas do PS é diferente, quis frisar Costa: “Não é uma gestão orçamental cega, não é promover o enorme aumento de impostos, cortar pensões ou salários”, disparou. É, na visão do socialista, “ganhar liberdade para podermos fazer o que é necessário fazer, quando é necessário fazê-lo”. E para chegar com essa margem de manobra a tempos difíceis é preciso “não gastar tudo o que há para gastar”. Olhando em volta — “ataques terroristas aqui, guerras ali, crises de inflação, incerteza sobre as taxas de juro” — a precaução será o caminho para um “quadro de incerteza”.

Na FIL, Costa aproveitou ainda para deixar palavras de apoio a António Guterres, depois dos ataques de que o antigo líder do PS e atual secretário-geral da ONU foi alvo pelas declarações que fez sobre Israel. Voltando a frisar a “barbárie” dos ataques do Hamas e o direito de Israel a defender-se, Costa fez questão de colocar particular ênfase na necessidade de que Israel respeito o direito internacional nesse processo e para isso lembrou Guterres, frisando que foi a cara de uma defesa aguerrida do mesmo princípio, no contexto da invasão da Indonésia a Timor.

“Durante anos estivemos praticamente sozinhos a defender o direito à autodeterminação de Timor Leste. (…) Portugal não baixou os braços. À frente dessa batalha esteve o atual secretário-geral da ONU, António Guterres. Não há guerras boas, não há guerras más, e não há vidas humanas dispensáveis ou que mereçam maior proteção do que outras vidas humanas”, avisou, deixando um alerta dirigido a Israel: “Com a mesma legitimidade que na madrugada de 24 de fevereiro condenámos inequivocamente o ataque da Rússia (…), da mesma forma que condenámos ataque terrorista do Hamas, hoje dizemos com a mesma convicção, mesma autoridade e determinação que o direito à Defesa tem de ser exercido com escrupuloso direito pelo respeito internacional. Não é possível confundir um grupo terrorista com o povo palestiniano”.

Discutidos os problemas que afetam o mundo e o seu Governo, Costa deixou um aviso aos camaradas do partido, no arranque de uma Comissão Nacional que servirá para marcar todas as datas do processo interno que levará ao próximo congresso do PS: “Não vivemos para as nossas eleições internas, existimos para servir as portugueses e os portugueses”. As dificuldades maiores (ainda) se encontram fora do partido, pelo menos enquanto o ciclo Costa durar e a batalha pela sucessão não começar.