Esta terça-feira aconteceu a primeira abertura do parlamento para Carlos III e o primeiro “discurso do Rei” em mais de 70 anos. Foi também a primeira vez deste momento simbólico para Rishi Sunak enquanto primeiro-ministro. O soberano leu um discurso com as prioridades do seu governo para os próximos meses com destaque para 21 propostas de lei. A cerimónia está carregada de simbolismo e não faltaram tradições, joias e recordações da coroação do passado mês de maio.
Este discurso também pode ser chamado de “Discurso Gracioso” (Gracious Address), segundo a Sky News, e “Discurso a partir do Trono”, segundo a BBC. O texto é escrito pelo governo e define as prioridades do programa legislativo deste para a sessão parlamentar que se segue. Ou seja, cabe ao Rei, segundo instruções do governo, apresentar as leis que os ministros gostariam de ver aprovadas nos próximos 12 a 18 meses. Contudo vale a pena explicar que o facto de uma lei ser aqui mencionada não é uma condição necessária para a legislação.
As propostas de lei no discurso estão distribuídas por áreas como a justiça, policiamento, habitação, tecnologia e media, energia e ambiente, entre as quais o Rei anunciou o plano do governo para conceder licenças de projetos com petróleo e gás no Mar do Norte, e também em questões sociais específicas como a restrição da venda de tabaco a crianças. Não ficaram de fora questões proeminentes da atualidade, como por exemplo a imigração ilegal, um tema muito debatido no Reino Unido. O Rei mencionou também o combate ao anti-semitismo e que será proposta a construção de um memorial do Holocausto, a ser construído perto do parlamento, e está em cima da mesa a proibição de órgãos públicos boicotarem Israel, de acordo com o projeto de lei de atividades económicas de órgãos públicos, segundo resume a BBC. O discurso desta terça-feira foi muito antecipado pela imprensa britânica, uma vez que o conteúdo poderia ir contra alguns dos valores do soberano, no que toca às questões ambientais. Este terá sido o discurso de abertura de parlamento mais longo desde 2005, segundo a Sky News.
O Rei deixou, contudo, uma mensagem pessoal no seu discurso, logo no início, quando homenageou o “legado de serviço e devoção a este país” demonstrados pela sua “adorada mãe, a defunta Rainha”.
À saída do parlamento os reis passaram por uma série de manifestantes que vaiaram o soberano e levantaram cartazes com a mensagem “not my king” (“não é o meu Rei”).
É possível que esta cerimónia de abertura do parlamento seja a última antes das próximas eleições que, segundo a BBC, se devem realizar antes de 28 de janeiro de 2025.
Carlos foi o protagonista da abertura do parlamento em maio de 2022, mas em representação da Rainha Isabel II, tendo lido o discurso da soberana, enquanto a coroa do estado imperial repousava sobre uma almofada em representação da monarca. Na altura, há 18 meses, era Boris Johnson o primeiro-ministro e Isabel II viria a morrer em setembro desse ano, dois dias depois de convidar Liz Truss a formar um novo governo. Em 70 anos de reinado Isabel II só falhou a abertura do parlamento três vezes: em 1959 e em 1963 estava grávida e em 2022 estava com a saúde demasiado debilitada.
O Rei e a rainha saíram do Palácio de Buckingham às 11h00 em ponto com escolta a cavalo e estavam de regresso às 12h20. A cerimónia é, portanto, curta, mas muito importante e carregada de simbolismo. Este é o único dia em que é permitida a entrada do soberano no Parlamento. A abertura do mesmo marca o início do ano parlamentar e é a única ocasião regular em que as três partes que constituem o Parlamento se reúnem: o soberano, a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns. A data corresponde ao primeiro dia de uma nova sessão parlamentar ou pouco depois de uma eleição geral, e está recheada de tradições que foram cumpridas à risca pelo novo soberano.
A casa real assinalou este dia marcante no reinado de Carlos III com a partilha de uma série de imagens desta cerimónia ao longo de vários anos e com diferentes soberanos, numa publicação na sua conta de Instagram.
O que manda a tradição
O Rei deixou o Palácio de Buckingham em direção a Westminster onde entrou pela Entrada do Soberano. Já dentro do parlamento a tradição foi seguida e os reis entraram na Câmara dos Lordes, onde dois importantes símbolos de poder e autoridade os aguardavam: a Grande Espada do Estado (Great Sword of State) e o Barrete da Manutenção (Cap of Maintenance). Já sentado no trono, Carlos III deu ordem para que o Black Rod convocasse os deputados da câmara dos Comuns. Trata-se de mais uma figura do funcionamento do parlamento com um papel em toda esta encenação que cuida do acesso às câmaras e que é agora uma senhora. Lady Usher of the Black Rod, de seu nome Sarah Clarke, ocupa o cargo desde 2018 e é a primeira mulher a fazê-lo nos 650 anos em que ele existe.
Segundo a tradição, antes de entrar na Câmara dos Comuns (a sala onde habitualmente vemos o primeiro-ministro debater), esta figura fecha a porta na cara dos Lordes para simbolizar a independência da câmara em relação à monarquia, explica a BBC. Os deputados da Câmara dos Comuns entraram na sala onde iria decorrer a cerimónia, de forma não organizada e até a gracejarem entre si, seguindo é tradição, mostrando que vão porque querem e não porque o monarca quer. Na câmara dos Lordes ficam na ponta da sala oposta ao trono a ouvir o discurso do Rei. Outra tradição simbólica é o facto de um deputado do governo ser “mantido refém” no Palácio de Buckingham enquanto o soberano está no parlamento, de forma a garantir que este regressa em segurança.
Finalizada a leitura de Carlos III, este retirou-se, os comuns dirigiram-se de regresso à sua sala e o parlamento começou a trabalhar. Os deputados reunem-se de seguida na Câmara dos Comuns para debater o conteúdo do discurso, o primeiro-ministro, Rishi Sunak, vai defender o texto e a sua visão e o líder da oposição, Keir Starmer, deverá responder. Até este debate tem um nome próprio, “o Discurso Humilde” — deve ter uma duração de cinco dias e termina com uma votação, por norma ganha pelo governo.
A coroa, o vestido e a carruagem que já vimos na coroação
Carlos III e a rainha Camila usaram os tradicionais mantos e, enquanto o Rei usou a Coroa do Estado Imperial, a rainha usou o diadema de diamante e o mesmo vestido da cerimónia de coroação.
A Coroa do Estado Imperial (Imperial State Crown) é o maior símbolo do poder e autoridade de um soberano britânico. Vimos o Rei usá-la recentemente, no final da cerimónia da sua coroação para sair da Abadia de Westminster, no passado dia 6 de maio.
A peça foi criada em 1937 para a coroação do rei Jorge VI, o pai da rainha Isabel II, mas é inspirada numa coroa feita para a rainha Victoria em 1838. Consiste numa moldura em ouro onde estão incrustados 2868 diamantes em corte brilhante, 17 safiras, 11 esmeraldas e 269 pérolas e ainda algumas pedras muito especiais com nome próprio, como por exemplo, o diamante Cullinan II que brilha na parte da frente da coroa. Tradicionalmente, a rainha Isabel II usava Coroa do Estado Imperial no parlamento, mas a última cerimónia de abertura do Parlamento em que a vimos usá-la foi em 2016.
As histórias do guarda-joias da rainha: os diamantes são eternos e as pedras vieram de todo o mundo
A rainha consorte juntou sustentabilidade e simbolismo no simples gesto de usar o mesmo vestido da cerimónia de coroação, uma peça criada por Bruce Oldfield, adornada com bordados com referências à vida de Camila.
Na cabeça, Camila usou o Diadema de Diamante, uma peça criada pela casa Rundell Bridge & Rundell em 1820 para a coroação do rei Jorge IV. Crê-se que o rei alugou os diamantes da joia, prática habitual na altura, mas, segundo contado no site do Royal Collection Trust, a conta desta joia foi incluída nas despesas da coroação e chegou ao escritório de Lord Chamberlain, o que leva a crer que o rei terá comprado pessoalmente a joia.
Este rei morreu sem sucessão (a única filha já tinha morrido), por isso o trono passou para o seu irmão, que se tornou o rei William IV, e foi a mulher deste, a rainha Adelaide, que ficou com o diadema e deu início à tradição desta ser usada por mulheres. A joia conta com 1333 diamantes em corte brilhante, incluindo um diamante amarelo, assentes em emblemas nacionais de Inglaterra, Escócia e Irlanda: rosas, cardos e trevos.
Esta peça está muito associada à rainha Isabel II, que a usou a caminho da sua coroação, em 10953, e a usava, tradicionalmente, no caminho de ida e volta para a abertura anual do Parlamento, desde a primeira vez que o fez, em 1952. Desta vez coube a Camila usar o diadema desde que saiu do Palácio de Buckingham até ao regresso.
No cortejo que os levou de Buckingham a Westminster e depois de regresso, os reis viajaram na Carruagem do Jubileu de Diamante, a mesma que os levou para sua cerimónia de coroação. Esta carruagem foi pensada para assinalar os 80 anos da Rainha Isabel II (celebrados em 2006), mas demorou tanto a ser construída que acabou por ficar para 60 anos do seu reinado, em 2012. É uma carruagem bastante moderna, tem ar condicionado, aquecimento, janelas elétricas, suspensão hidráulica e pesa três toneladas. No interior conta com madeiras, metais e outros materiais de edifícios e locais especialmente ligados à Grã-Bretanha e à sua história, explica o site da casa real, como por exemplo os Palácios de Buckingham, Kensington e Holyroodhouse, o Castelo de Windsor, templos como a catedral de St. Paul e a Abadia de Westminster e ainda de navios históricos.