A cantora Sara Tavares morreu este domingo, 19 de novembro, aos 45 anos. A informação foi primeiro avançada pela SIC Notícias, depois também confirmada pelo Observador. A cantora tinha sido diagnosticada com um tumor cerebral em 2009 (que a fez parar durante oito anos) e nos últimos meses acabou por acumular sucessivas complicações.

Sara Tavares conquistou primeira notoriedade como concorrente do programa de talentos “Chuva de Estrelas”, em 1994, quando imitou Whitney Houston e acabou por vencer a primeira edição daquela produção da SIC. Um ano depois ganhou o Festival da Canção, com Chamar a Música e representou Portugal na Eurovisão, ficando em oitavo lugar. Seguiu-se então um percurso singular na música portuguesa, à conquista de um espaço próprio e de uma voz pessoalíssima, cruzando as estruturas da pop e da música urbana com a tradição africana em que cresceu e sempre se moveu, em crioulo e em português, espelhando todas as suas influências e ambições criativas em discos como Sara Tavares e Shout! (1996), Mi Ma Bô (1999), Balancê (2005), Xinti (2009) ou Fitxadu (2017), que lhe valeu a nomeação para o Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa. Já este ano revelou novas canções, a caminho de um futuro novo álbum: Grog d’Pilha, Momentum, Presensa e Kurtidu, esta última publicada em setembro.

À voz criativa particular e inspiradora juntou uma consciência social crescente e constante, traduzindo todos estes ingredientes em canções feitas de uma doçura afirmativa, gentil mas sem espaço para baixar a guarda em temas como a tolerância, o racismo, a liberdade sexual (e todas as outras) e um sentido comunitário permanente na hora de fazer da música muito mais do que um conteúdo ou um objeto de consumo.

O resultado foi a unanimidade em volta de Sara Tavares. Unanimidade essa que teve reflexoi imediato nas reações à morte da cantora e compositora, que se sucederam assim que a notícia foi confirmada. Entre as primeiras esteve a homenagem prestada em direto no programa The Voice Portugal, com os quatro mentores do concurso de talentos musicais a cantarem junto na abertura. António Zambujo, Sara Correia, Fernando Daniel e Sónia Tavares subiram ao palco para interpretar o tema Chamar a Música.

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No Instagram, Catarina Furtado, apresentadora que também esteve presente na emissão do The Voice, partilhou: “Não tenho palavras. Só memórias. As melhores. A Sara. A Sara. Tão única. Tão completa. Tão cedo…”, escreveu a apresentadora portuguesa numa publicação. “As lágrimas que me correm são de um amor eterno. Ouçam-na. A sua música. As suas palavras. A sua doçura. Guardem o seu mistério. Para sempre, Sara.” Catarina Furtado que era precisamente a apresentadora do Chuva de Estrelas e que co-escreveu o tema “Solta-se o Beijo” com João Gil, canção que seria interpretada em diferentes ocasiões pela Ala dos Namorados e por Sara Tavares.

O Presidente da República também reagiu à morte da artista: “Descobrimos Sara Tavares há trinta anos, ainda adolescente, através de um dos concursos de talentos que, nas décadas seguintes, revelariam vários nomes que hoje conhecemos e admiramos. Portuguesa de origem cabo-verdiana, manteve sempre forte ligação aos seus pares, em diversas colaborações e homenagens, e grande proximidade à música e aos músicos africanos. Além dos discos que gravou desde 1996, representou Portugal no Festival da Eurovisão  e foi nomeada para um Grammy Latino. Tendo interrompido a carreira por motivos de saúde, lançou um novo álbum em 2017 e, já este ano, editou um último single”. Marcelo Rebelo de Sousa concluiu uma nota oficial manifestando “tristeza” e “reconhecimento pela sua vocação, dedicação e determinação”.

Já o Presidente de Cabo Verde afirmou que a cantora Sara Tavares continuará presente “como luz que alumia caminho”, numa mensagem publicada pouco depois de noticiada a morte da artista portuguesa de ascendência cabo-verdiana, citada pela Lusa. “Continuarás connosco, Sara, dizendo coisas bonitas! A tua luz alumiar-nos-á o caminho que ainda nos cabe, nesta terra que transitoriamente nos acolhe”, escreveu José Maria Neves na página pessoal da rede social Facebook, despedindo-se com um “até sempre, cara amiga”.

Sara Tavares (1978-2023): o “balancê” inquieto e lutador de uma mulher de voz plena

António Costa escreveu no X: “Lamento com profunda tristeza a morte prematura de Sara Tavares. A sua estreia, ainda muito jovem, num concurso de talentos, cativa os portugueses, tendo-se revelado uma cantora e compositora com uma linguagem musical própria, na qual se cruzam diferentes geografias sonoras. Sara Tavares será sempre lembrada pela sua voz única e pelo seu sorriso. As mais sentidas condolências à sua família e amigos.”

O ministro da Cultura português emitiu também uma nota de pesar pela morte de Sara Tavares.

“A sua música, assente num cruzamento de influências cabo-verdianas e soul, é bem a prova de que a diversidade e a abertura são o oxigénio da vida cultural. No momento da sua morte muito prematura, a sua figura destaca-se ainda em maior relevo pelo que representou de criatividade e de vida”, pode ler-se na nota publicada na rede social X do ministério liderado por Pedro Adão e Silva.

À rádio Observador, Pedro Abrunhosa recordou o “sorriso e a bondade”. “A Sara deixa um legado de humildade, de verticalidade, de dedicação à causa feminina e à causa feminina africana, de dignificação da música africana em Portugal e da música portuguesa de ascendência africana”, disse o músico português. “O legado dela é este, de uma jovem talentosa que emerge dos concursos de televisão e que tem um êxito e que depois continua a consolidar a sua carreira. Uma promissora voz de futuro na contemporânea música africana e portuguesa”.

Pedro Abrunhosa: “Sara Tavares deixa um legado de humildade”

Tozé Brito, com “uma tristeza profunda e enorme”, disse à rádio Observador que “a morte acaba por ser o fim de um sofrimento muito grande por que ela estava a passar”. “Era uma questão de tempo, porque estava muito mal, mas estava na hora de ela partir, porque ela era uma pessoa lindíssima, estava a sofrer imenso.” O compositor e editor discográfico conheceu Sara Tavares no “Chuva de Estrelas”, tendo nessa altura assinado contrato com a BMG (chefiada então pelo próprio). “Acompanhei-a em toda essa fase e ficámos com uma relação de grande amizade e proximidade. Vi crescer a Sara. Vi-a tornar-se mulher e percebi o talento que ela tinha. Além da voz extraordinária era uma pessoa lindíssima, com uma personalidade muito forte. Depois, encontrou uma voz própria e travou lutas sociais com muito empenho”, disse também. “Tinha uma força enorme que só foi cortada pela doença” e a partir daí “a vida tornou-se completamente diferente”, porque “a saúde não lhe permitiu que fosse de outra forma, mas o talento e a vontade de viver esteve sempre lá até ao fim”, acrescentou. “Vai ficar para sempre como uma recordação”, disse Tozé Brito, que se confessou orgulhoso e feliz por ter sido “o primeiro, em termos editoriais, a dar-lhe a mão”. “É uma saudade imensa que deixa”, conclui.

Tozé Brito: “Vi a Sara crescer e tornar-se mulher”

Ainda à rádio Observador, o músico Samuel Úria recordou a “pessoa doce” que era Sara, o que fazia com que fosse “muito fácil ficarmos amigos e ficarmos a gostar dela”. Em 2013, Samuel Úria lançou uma versão de Chamar a Música que, revelou, teve um efeito de pacificação em Sara: “Ela confessou-me que se tinha pacificado. Por ter sido um sucesso tão absoluto, e ela sendo tão nova [na época do Festival da Canção, em 1995], não se revia muito na interpretação que tinha dado à música”. “A Sara tornou essa canção uma canção especial”, acrescentou.

“Era muito fácil ser amigo de Sara Tavares”, diz Samuel Úria

Paulo Flores, angolano que cantou com Sara Tavares, falou com a rádio Observador sobre uma “perda muito grande, não só como artista, mas como ser humano, era um ser de luz que nos dava uma energia e uma convergência neste espaço lusófono que nos emociona bastante sentir esta perda assim tão jovem, tão nova”. A música de Sara Tavares reflete “uma delicadeza, uma doçura, um pensamento que nos transmitiu a todos uma nova capacidade de amar e ser amado e de ter orgulho na nossa identidade”, confessou o cantor. “É um ponto de luz que se vai muito cedo”, realça Paulo Flores que recorda o trabalho com Sara Tavares e a relação pessoal “quase como irmãos” e de “apoio mútuo”.

“Sara Tavares era um ser de luz. Dava-nos energia”, recorda Paulo Flores

As homenagens a Sara Tavares foram ainda expressas por mais cantores angolanos nas suas contas das redes sociais, entre os quais, Yola Semedo, Yuri da Cunha, Anselmo Ralph, C4 Pedro, Ary, Pérola, Eva Rap Diva, mas também outras pessoas ligadas à cultura, como o humorista Gilmário Vemba, por exemplo.

Em 2011, a cantora realizou em Angola uma série de espetáculos, constando da sua lista de temas musicais duetos com músicos angolanos como Paulo Flores, Toty Sa’Med.

“Que Dor. Mana. Rainha. Descansa”, escreveu Carlão no Instagram, ele que em diferentes ocasiões trabalhou, colaborou e partilhou momentos e palcos com Sara Tavares. Tal como Slow J: “Obrigado Mana. Por tudo o que nos ensinaste. Pela tua entrega sempre que nos cruzámos. Aprendi muito a conversar contigo”. Com o mesmo sentimento, Kalaf Epalanga, que nos Buraka Som Sistema (e não só) se cruzou com Sara Tavares e publicou simplesmente uma imagem com o nome da cantora.

Também Capicua lembrou a “terna e eterna Sara” através do Instagram: “A Sara olhava sempre nos olhos. Era doce e assertiva, na msma proporção, sem que a sua firmeza comprometesse a inabalável candura. Tinha o sexto sentido e a franqueza de uma anciã e dançava com a alegria das crianças. Tinha um compromisso com a música e a sua voz podia soltar bandos de mil pássaros. Tinha a majestade de uma árvore centenária e fomos todos muito sortudos de a ter no mesmo tempo-espaço! Pela minha parte, soube sempre que estar na sua presença era uma bênção. Poder partilhar com ela o palco e misturar as nossas canções (a meias ou em grupo, cá ou no México, num grande festival ou na intimidade de uma sala antiga) foi sempre a mesma experiência profunda.”

Selma Uamusse, cantora que partilhou voz e “muitas orações” com Sara Tavares, recordou-a como “música, compositora, cantora, pessoa” que “deu-nos a todos um mundo indescritível de emoções, legado e ensinamentos”. Acrescentou ainda: “Que privilegiados somos por termos vivido no seu tempo e por, para tantos fãs, amigos e colegas ser Casa, ser ponto de Luz”.

Moullinex, músico e produtor, prestou também homenagem a Sara Tavares, no Instagram: “Para Sempre a minha Minina di Céu. Um dia disse à Sara que era um sonho meu trabalharmos juntos.Respondeu-me, sorrindo, ‘é preciso que eu queira’. E felizmente quis. Escrevemos juntos uma canção sobre uma meninda que parte um dia na conquista do Cosmos. É um privilégio guardar para sempre tantas memórias tuas, querida Sara”.

José Eduardo Agualusa publicou uma foto de Sara Tavares na casa do escritor luso-angolano em Lisboa, acrescentando: “Há notícias que nos tiram toda a música. Adeus, Sara. Estamos juntos”. Já os Shout, grupo de gospel que trabalhou com Sara Tavares (juntos gravaram o primeiro álbum da cantautora) lembraram “a estrela que vai continuar a iluminar o nosso caminho. Obrigado por tudo”.

Nuno Guerreiro, vocalista da Ala dos Namorados, banda com a qual Sara Tavares cantou Solta-se o Beijo, também prestou homenagem à cantora nas redes sociais, publicando duas fotografias. Por sua vez, Marisa Liz lembrou o “brilho e a luz” Sara Tavares. “Estivemos juntas algumas vezes na vida e na música. Guardo bem dentro do meu peito as vezes que cantámos juntos.” Elogiando o “inigualável talento” que Sara Tavares “transbordava”, Marisa Liz guarda o “sorriso, a generosidade e mestria”. “Choro-te, aplaudo-te e agradeço-te. Mais uma vez e para sempre”, escreveu nas suas redes sociais.

A historiadora e antiga deputada Joacine Katar Moreira reagiu na sua conta pessoal do X: “Uma luz para todas nós, meninas negras. Todas nós vimos na tua figura brilhante e potente como nunca tinha acontecido”, escreveu. “Serás para sempre esse brilho que nos trouxeste. Essa voz de ouro que contrastava com uma vida difícil”, indicou. “Tantas ‘coisas bunitas’ que ela nos deixou… obrigada, Rainha!”, escreveu também a antiga eurodeputada Ana Gomes no X.

Ao longo do último ano, Sara Tavares tinha vindo a divulgar alguns temas novos, ao fim de alguns anos de silêncio. O mais recente tema, intitulado “Kurtidu”, saiu em setembro passado pela Sony Music.

Sara Tavares: “Estive 8 anos sem fazer nada e não foi só por causa da doença. Estava bué zangada”

A par da carreira em nome próprio, Sara Tavares colaborou com vários nomes da música portuguesa e lusófona, nomeadamente, Dany Silva e Buraka Som Sistema.