O debate sobre o Orçamento do Estado na especialidade terminou como começou: em modo de campanha eleitoral. A apenas quatro meses de eleições legislativas, os deputados concentraram-se frequentemente em debates que não tinham diretamente a ver com o conteúdo do OE ou em temas que entrarão, previsivelmente, na campanha, atirando acusações em tom inflamado sobre várias promessas eleitorais, das pensões aos professores.

O PS fez, de resto, questão de ir buscar o tema que tem dominado a agenda desta pré-campanha — a proposta do PSD para aumentar o Complemento Solidário para Idosos — para se lançar ao ataque contra os sociais democratas.

Primeiro foi a deputada Lúcia Silva a abrir as hostilidades, acusando os sociais democratas de “dizerem uma coisa e depois outra” sobre a proposta; depois, o socialista Miguel Cabrita veio falar num “eleitoralismo sem nome” que até considerou “um insulto à inteligência dos portugueses”; e o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, acabou a recuar aos tempos da troika e do Governo de Pedro Passos Coelho para dizer que pensionistas e funcionários públicos ainda se lembram bem do corte do subsídio de Natal — e a insistir que a proposta do PSD para aumentar as pensões “não durou nem 48 horas”.

Seguiu-se um pingue pongue de argumentos entre PS e PSD — alguns repescados diretamente do período da crise: o social democrata Hugo Carneiro pediu para defender a honra da sua bancada e lembrar que PSD e CDS tiveram de governar com o memorando da troika, “assinado pelo PS”. “Não assumem essa responsabilidade passado tantos anos. Deviam ter vergonha na cara”. E foi mais longe, acusando os socialistas de “criarem toda uma narrativa na imprensa” e uma “nuvem de fumo e de mentira” para descredibilizarem a proposta do PSD.

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O que está em causa é a proposta que Luís Montenegro apresentou no congresso do PSD, no fim de semana, no sentido de aumentar o Complemento Solidário para Idosos para chegar aos 820 euros em quatro anos. Mas, como Montenegro acrescentou de seguida que isto garantiria um “rendimento mínimo” aos pensionistas e o seu líder parlamentar, Joaquim Miranda Sarmento, veio explicar que a medida continuava a aplicar-se só aos beneficiários do CSI, os socialistas acusaram o PSD de recuar e de não saber explicar as contas que está a fazer à proposta.

Passos (e o antigo Montenegro) de volta

Mas o que esteve em causa foram sobretudo os argumentos de campanha dos partidos. Cabrita disparou contra o PSD, argumentando que o partido vê na crise política “uma oportunidade” e recuperando a famigerada frase do então líder parlamentar Luís Montenegro (que em 2014 disse que “a vida das pessoas não está melhor mas a do país está muito melhor”): “Não é possível ter um país melhor se as pessoas não estiverem melhor”, atira.

O debate ainda voltou a recuar ao passado quando o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Nuno Félix, veio dizer que é da geração que sofreu com o “brutal aumento de impostos” ou com o “drama das pensões” do tempo de “Vítor Gaspar”, avisando: “Os portugueses têm memória”. Ou quando o colega do lado, António Leite, secretário de Estado com a pasta da Educação, acusou PSD e CDS de terem “convidado e obrigado” os professores a emigrar, também durante a época da troika.

A oposição indignou-se: a Iniciativa Liberal acusou o PS de contribuir para a degradação das instituições; o Bloco de Esquerda disse que este é “o Orçamento dos crises” e dos bloqueios que o Governo de maioria absoluta promoveu, “diabolizando” médicos e antagonizando professores; e o PSD virou-se para os liberais, garantindo que à direita já se vislumbra uma “sintonia” (neste caso, nas intenções de reduzir a carga fiscal) para que em março haja “um novo Governo”.

Coube à ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, fechar o debate, garantindo que “as instituições estão sob ataque” e defendendo um Executivo que cai “em circunstâncias absolutamente excecionais”: “Este Governo não bloqueou o país. Desbloqueou o país quando em 2015 garantiu que houvesse uma alternativa à esquerda neste plenário”.

E traçou, por sua vez, também o guião do argumentário com que o PS parte para estas eleições: o Governo cai mas provou “sentido de responsabilidade e compromisso” até aqui. E termina o debate sobre este Orçamento “com orgulho” e com a “certeza” de que deixa um bom instrumento a quem vier a seguir — e um país “preparado para as futuras gerações”.