Marco Galinha, ex-presidente da comissão executiva da Global Media, diz que vai agir contra o Fundo Opportunity a quem vendeu o controlo da empresa que é dona do Jornal de Notícias, TSF e Diário de Notícias. Numa audição na comissão parlamentar da Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, o empresário confirma que houve um “incumprimento” por parte do fundo que é o maior acionista da Global Media ao não transferir os fundos previstos.
Marco Galinha admitiu uma relação entre este incumprimento e a não concretização da venda da participação da Global Media (GMG) na Agência Lusa ao Estado. O Fundo deixou claro que ia colocar dinheiro para aquisições e reestruturações, disse, mas não para o pagamento de salários porque, reconheceu, estavam a contar com o dinheiro de venda da Lusa”. De acordo com o atual presidente da comissão executiva da GMG, José Paulo Fafe (que será ouvido esta tarde no Parlamento), este acionista investiu 10 milhões de euros na Global Media.
O negócio de venda da posição da Lusa ao Estado estava avançado — Marco Galinha refere a existência de compromissos pré-contratuais — mas acabou por não se concretizar por razões políticas (a queda do Governo e um alegado recuo do PSD sobre a operação).
O empresário diz que estão as ser acionados mecanismos para “proteger o que foi assinado” e para tentar encontrar uma solução para a grave situação financeira do grupo Global Media. O “incumprimento é muito desagradável, mas estou disponível para fazer parte de uma solução”, sublinhando várias vezes ao longo da audição o grande valor das marcas dos órgãos detidos pelo Global Media. No entanto, avisou, “é preciso o O.K do acionista maioritário”, para quem Marco Galinha remeteu muitas das perguntas feitas pelos deputados, sem nunca identificar com quem negociou a venda da sua posição maioritária.
Questionado por por todos os deputados sobre quem está por trás do acionista maioritário deste fundo com sede nas Bahamas, Marco Galinha revelou apenas ter negociado com representantes legais, um escritório de advogados de Macau — José Leitão da MdME — invocando acordos confidenciais assinados.
Dono do grupo diz que investiu 16 milhões antes de vender
Na uma intervenção inicial, o empresário assegura ter investido 16 milhões de euros antes de ceder a posição maioritária na empresa que controla o grupo de comunicação social, a Páginas Civilizadas. O dono do grupo Bel, que ainda é acionista da empresa de media, mostrou a sua “perplexidade e preocupação por falta de paz social e desvalorização publica do jornalismo” .
A Global Media, dona do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF, tem salários em atraso e foram ainda suspensas as colaborações com prestadores de serviço (a recibo verde) no caso do JN, bem como as colaborações com colunistas. Os diretores dos títulos, todos demissionários, têm vindo a denunciar a situação insustentável nas empresas jornalísticas do grupo e ameaças à isenção editorial e já existe uma intervenção em curso por parte da Autoridade para as Condições do Trabalho.
ACT vai notificar Global Media de contraordenações “muito graves” pelo não pagamento dos salários
Esta segunda-feira, a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), anunciou a abertura de um procedimento de averiguações ao abrigo da lei da transparência que pode resultar no congelamento dos direitos de voto do novo acionista, o World Opportunity Fund, cujos beneficiários últimos não são conhecidos. Além dos problemas de transparência e dos salários em atraso, a gestão executiva da GMG anunciou também a intenção de reduzir o número de trabalhadores em 150 a 200, incluindo muitos jornalistas.
O ex-presidente executivo, e acionista minoritário da Global Media, foi chamado ao Parlamento pelo Bloco de Esquerda. Em resposta aos deputados, mostrou surpresa pela escolha de José Paulo Fafe para a presidência da comissão executiva pelo Fundo World Opportunity a quem vendeu o controlo em meados de 2023. A “surpresa” é porque “entregaram tanto poder a José Paulo Fafe. Estamos a falar de um grande investimento”.
Segundo a deputada do Bloco, Joana Mortágua, o atual presidente executivo do grupo, devia dinheiro à Global Media pela compra do título Tal & Qual que relançou em 2022. O jornal da Global Media tinha fechado em 2009 e estava em processo de insolvência quando foi relançado por José Paulo Fafe. A deputada do Bloco diz que este não cumpriu o acordo de pagamento com a Global Media e que terá acumulado uma dívida de 150 mil euros, o que aliás deu origem a um processo judicial. Marco Galinha justifica o acordo ainda feito no seu tempo de presidente executivo como uma forma para tentar recuperar uma parte da dívida ao grupo.
Consultor Luís Bernardo manifesta “perplexidade” por ter sido chamado ao Parlamento
Outras das questões colocadas por Joana Mortágua remeteu para a relação da Global Media e dos seus novos acionistas com o consultor de comunicação Luís Bernardo (e ex-assessor de José Sócrates quando este era primeiro-ministro) e com Paulo Lima de Carvalho, administrador da atual comissão executiva do grupo. Marco Galinha diz que Paulo Lima de Carvalho lhe foi apresentado por advogados, tendo falado com ele uma ou duas vezes. “Se ele conhece o Luís Bernardo e com quem ele dorme, terão de perguntar ao próprio e não ao Marco Galinha”. Garante ainda serem falas as notícias de que esteve com José Sócrates no Brasil.
Paulo Lima Carvalho e Luís Bernardo foram chamados pelo Bloco ao Parlamento, tendo Luís Bernardo escrito ao presidente da comissão da cultura, Luís Graça, a manifestar “estranheza” e “perplexidade” pelo pedido, uma vez que “não sou acionista, nem exerço qualquer função de administrador ou gestor no Global Media Group (GMG). “Para que fique totalmente claro, apenas e só a empresa de que sou administrador executivo, a WLP foi convidada pela atual Comissão Executiva, no âmbito de uma prestação de serviços de consultoria para apresentar um plano estratégico de futuro para o Grupo num quadro de expansão para novos mercados e oportunidade de projetar as marcas.”
Já Paula Santos do PCP questionou o empresário sobre a contratação de 35 pessoas, como consultores e para a administração, desde que o entrou o novo acionista, o mesmo que anunciou a intenção de reduzir o número de colaboradores.
Na lista das muitas perguntas feitas ao empresário estavam também a venda de ativos da Global Media ao grupo Bel, como a distribuidora VASP, e algumas revistas, a salvaguarda do espólio de marcas históricas da comunicação social portuguesa, e ainda as supostas ligações do fundo que é o novo acionista a um empresário brasileiro que foi alvo de investigações judiciais.
Marco Galinha diz que tem “zero” do fundo que comprou a Global Media e invoca acordo de confidencialidade para não revelar mais
Marco Galinha referiu que que quando chegou à Global Media já havia pouco património para vender — nomeadamente o imobiliário — mas garante que foi feito um trabalho de redução dos custos e da dívida, sobretudo à banca e uma “brutal redução de custos” que, assegura, afetou menos os jornalistas. Diz que em 2022 a situação financeira da Global Media estava mais equilibrada depois de um grande esforço de redução de passivo, com compra de dívida bancária, e venda de ativos e reestruturação.
O empresário garantiu ter zero participação no fundo a quem vendeu o controlo do grupo, mas não identificou quem são os novos acionistas — só os advogados. E sinalizou que existem acordos confidenciais com o Fundo Opportunity que não pode revelar porque “se não, sou processado”. Marco Galinha diz ainda ter feito a due dilligence ao fundo que adquiriu o controlo e que está sediado numa zona franca (Bahamas), segundo informação prestada à ERC. Apesar de frisar que esta entidade “está legal na União Europeia”, sublinhou também várias vezes que quem falhou foi o Fundo. “Havia compromissos” que não foram cumpridos. “Não percebo porque isto aconteceu”, referindo-se à situação de não pagamento de salários nas empresas.
O acionista da Global Media referiu contudo que a “situação financeira não pode ser assim tão má” porque, disse, havia quatro proposta de compra por parte de fundos internacionais quando realizou a venda ao Fundo Opportunity. E explica que vendeu por várias razões.
“Entrei (no grupo) como uma missão para com o meu país, mas também gosto de ganhar dinheiro… o que às vezes parece que é pecado”.
O empresário revelou um episódio que mostra como todo o grupo foi “contaminado” pela sua participação na Global Media no sistema financeiro, no qual um banco espanhol lhe comunicou que ia deixar de trabalhar com a Bel por causa dos investimentos nos media. Marco Galinha justifica ainda a necessidade de se focar nos negócios do grupo Bel, a logística e a distribuição, mas também por causa da família e das pressões, queixando-se ainda da cobertura noticiosa negativa feita sobre o grupo e dando indiretas sobre outros grupos do setor que têm salários em atraso e que, ao contrário da Global Media, tem dívida bancária.
“Eu entreguei-me a esta situação”, mas queixa-se de tem sido um “saco de boxe” e garante ainda que permaneceu na administração e na estrutura acionista para salvaguardar o espólio da Global Media.
Em resposta aos deputados, Marco Galinha afirmou várias vezes desconhecer o que se passa na gestão do grupo desde que deixou a presidência da comissão executiva, mostrando-se disponível para participar numa solução, mas sem deixar de remeter responsabilidades também para o poder político e para o Parlamento em relação à Global Media, mas à comunicação social em geral, sinalizando que a situação pode afetar outros grupos.
E no final da intervenção inicial, defendeu também que há “uma oportunidade de agir enquanto sociedade democrática para garantir a estabilidade da GMG, citando Fernando Alves, ex-colaborador da TSF que deixou a rádio na sequência da mudança de acionista e direção, repetindo uma frase que é o slogan da rádio. “Vamos ao até ao fundo da Rua e até ao fim do mundo”.