A comandante-adjunta da 1ª Divisão da PSP de Lisboa e o comandante da PSP de Cascais enviaram esta quarta-feira um email para todos os comandantes e adjuntos de esquadra sob sua supervisão, em pleno protesto dos PSP contra as condições salariais e de trabalho, a dar conta de várias alterações no processo de entrega, recolha e avaliação dos carros. Quem não cumprir com as novas regras, avisam os responsáveis, em comunicações internas a que o Observador teve acesso, arrisca a “instauração de processo de inquérito, para apuramento de responsabilidades”.
As mensagens foram enviadas esta quarta-feira, terceiro dia de protestos dos “Movimento INOP [inoperacional]” que tem mobilizado centenas de elementos da PSP no reporte de carros sem condições para circular. Assunto do email da comandante-adjunta de Lisboa: “Inoperacionalidade de viaturas da 1ª Divisão”, uma das áreas de atuação da PSP em que têm sido comunicadas de forma sistemática, ao longo dos últimos dias, avarias ou limitações em muitos dos carros ao serviço daquelas unidades, limitando gravemente a capacidade de resposta às solicitações recebidas.
No caso de Cascais, o documento a que o Observador teve acesso diz respeito a uma “determinação” do comandante daquela divisão. Mas o conteúdo de ambas as comunicações internas é sensivelmente o mesmo.
Carros transferidos entre equipas com supervisão — ou controlo — de graduados
A comandante-adjunta da 1ª Divisão — que, neste momento, exerce as funções de comandante por ausência temporária do Intendente Manuel Gonçalves — informou os comandantes e adjuntos da 2ª (Praça do Comércio), 3ª (Bairro Alto/Mercês), 4ª (Praça da Alegria) e 22ª (Rato) esquadras de que, “por determinação superior, a entrega e recebimento de viaturas deverá ser efetuada pelo graduado de serviço”. Isso significa que passa a ser este elemento da esquadra a reter as chaves de cada carro até à entrega à equipa seguinte.
No caso de Cascais, “os elementos designados como condutores, antes de receberem as viaturas, verificam as mesmas, na presença do condutor que entrega a viatura”. Mas, assinala a determinação do Intendente Reinaldo Piteira dos Santos, a “entrega e recebimento de viaturas deve ser supervisionada pelo graduado de serviço e registada”.
Uma mudança face ao procedimento habitualmente seguido até aqui. Ao Observador, fonte operacional desta força de segurança explica que cabia às tripulações — ou seja, aos próprios agentes — fazer a transferência destes meios entre equipas, sem necessidade de intervenção de superiores hierárquicos. “O procedimento normal é que a tripulação que está a acabar o turno de serviço passe as chaves e o material que está no carro à que vai entrar.” Isso era o “normal” até aqui, tal como era prática comum serem os próprios agentes a fazer “uma verificação de primeira linha”: níveis de óleo, de água, luzes, estado dos pneus.
Mas essa prática deveria deixar de ser seguida após as comunicações desta quarta-feira, que estão a ser interpretadas como um misto de suspeição lançada sobre os elementos operacionais da PSP e uma tentativa de “incutir medo” a todos aqueles que apoiem o protesto iniciado no último fim de semana. “Já começam com as ameaças”, escreve um dos muitos elementos do grupo Telegram ligado ao protesto e que reagiram à partilha destas comunicações.
“Se a viatura estava a circular no fim de determinado turno”, refere o documento da comandante-adjunta de Lisboa, “também estará apta a circular no seguinte”, antecipa-se no email. Mas esse clima de suspeição e maior controlo que os agentes consideram estar a ser posto em marcha não fica por aqui.
Na mesma comunicação, a comandante de Lisboa determina que, “nos períodos de paragem” entre serviços, os carros da PSP devem ficar trancados “e a chave fica à guarda do graduado até ao início do turno seguinte”. Outra alteração significativa face à prática habitual até agora, garantem fontes operacionais. “Não é normal um graduado ficar com a chave. Nunca foi. As chaves sempre ficaram com as tripulações”, diz um elemento ao Observador.
Avarias “com dolo” podem gerar processo “disciplinar e criminal”
As alterações terão sido impostas “por determinação superior”, como refere o email da comandante-adjunta de Lisboa, um sinal de que a medida deverá ser aplicada, pelo menos, em toda a área de jurisdição do Comando Metropolitano de Lisboa e não apenas nas duas divisões a cujas comunicações internas o Observador teve acesso.
O objetivo será o de apertar a malha aos reportes de avarias ou falta de condições para circular dos carros da PSP. O comandante de Cascais refere mesmo que, depois de trancados, os carros devem ficar estacionados “em local que permita a vigilância permanente do sentinela ou de outro elemento policial designado para o efeito”.
Além disso, ambas as comunicações fazem referências à possibilidade de os agentes que reportarem avarias não confirmadas serem sujeitos a processos disciplinares.
No caso de Lisboa, Maria Rocha sublinha que “as viaturas estão a ser verificadas por mecânicos que facilmente detetam a veracidade ou não das anomalias apontadas pelos polícias”. E deixa a mensagem: “Alertem os elementos designados como condutores sobre estas verificações, que são baseadas numa avaliação técnica, e alertem-nos para a possibilidade de instauração de processo de inquérito, para apuramento de responsabilidades.”
O comandante de Cascais vai mais longe, ao referir que, “sempre que uma avaliação técnica conclua que existe a probabilidade de a avaria decorrer de intervenção humana doloso, existirá a possibilidade de ação disciplinar e criminal”.
É certo que, no grupo Telegram em que o protesto dos polícias tem sido mais dinamizado, foram partilhadas mensagens de formas de sabotar carros que estariam em condições de circular. Também houve membros do grupo a pedir orientações sobre como deixar inutilizados determinados modelos, comuns na frota da PSP.
Mas, até ao momento, não foram instaurados quaisquer processos disciplinares por parte da entidade que fiscaliza a ação dos elementos da PSP. Ao Observador, a Inspeção-geral da Administração Interna (IGAI) esclareceu esta quarta-feira que “não existem indícios da prática de factos que envolvam responsabilidade” no contexto deste protesto de “revolta” dentro da PSP.