A disponibilidade de vacinas não foi a principal razão que levou a Direção Geral da Saúde a alargar a vacinação contra a gripe à faixa etária dos 50 aos 59 anos e que leva o organismo que gere a saúde pública a ponderar, agora, estender a vacinação a pessoas com menos de 50 anos. O Observador sabe que os fatores que mais pesaram na decisão foram a intensa atividade gripal e os valores da mortalidade nos adultos mais velhos — que, excetuando o ano de 2021 (marcado pela pandemia), estão nos níveis mais altos da última década.

Na última sexta-feira, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciou que a vacinação gratuita contra a gripe iria ser alargada às pessoas entre os 50 e os 59 anos. Desde esta segunda-feira, dia 15, que a alteração está em vigor, com este grupo etário a poder vacinar-se em cerca de 2500 farmácias e mil centros de saúde espalhados pelo país, de forma gratuita.

Manuel Pizarro justificou a decisão com a disponibilidade de vacinas, um argumento que também foi utilizado esta terça-feira pela diretora-geral da saúde para admitir o alargamento a pessoas abaixo dos 50 anos. “Estamos a ponderar, estamos a fazer esta avaliação semanal de ponderar o alargamento, o alargamento não é algo tácito. Portanto, não está definido, mas estamos a ponderar e estamos a equacionar todas as semanas e vemos se será ou não feito esse alargamento, no caso da gripe”, disse Rita Sá Machado.

Questionada pelo Observador, a Direção-geral da Saúde sublinha que será “ponderado o alargamento [da vacinação] a outros grupos etários nas próximas semanas, atendendo à disponibilidade de vacinas, mas mantendo o objetivo de conseguir a melhor cobertura vacinal na população elegível”. Quanto às motivações para o alargamento da vacinação a pessoas com menos de 60 anos (e, porventura, a menores de 50), a DGS não estabelece uma relação direta com a questão da atividade gripal e da mortalidade, mas admite que a extensão etária da vacinação “acontece quando se observa atividade gripal intensa e excesso da mortalidade semanal geral por todas as causas”.

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Afinal, vacinas da gripe vão ser alargadas só para quem tem 50 anos ou mais

Vacinação “diminui risco de doença grave”, sublinha pneumologista

Para os especialistas, alargar a gratuitidade da vacina contra a gripe a faixas etárias mais jovens é uma boa opção. “Faz sentido porque aumenta a resposta imunitária num maior número de pessoas e diminui o risco de doença grave”, diz ao Observador o pneumologista José Alves, ressalvando, no entanto, que o alargamento a menores de 60 anos deveria ter começado mais cedo. “Neste momento, alargar a vacinação é uma forma de diminuir a curva, ainda ascendente, dos casos graves“, reforça o também presidente da Federação Portuguesa do Pulmão. “Estamos a querer chegar ao pico, mas não sei se já o atingimos. Ainda temos de percorrer a descida. Essa descida demora tempo e, durante esse período, devemos criar anticorpos” através da vacinação, defende o especialista.

A Sociedade Portuguesa de Pneumologia também concorda com a extensão da vacinação. “Saudamos a decisão da DGS. Ao abrir-se a comparticipação da vacina para grupos etários mais baixos, está-se a demonstrar que esta é uma vacina eficaz e segura e que deve ser tomada no sentido de prevenir a doença e a mortalidade”, diz ao Observador o pneumologista Tiago Alfaro, vice-presidente da SPP, sublinhando que os benefícios da vacinação se estendem “a toda a gente”.

O especialista perspetiva que este período de alta intensidade das infeções respiratórias ainda possa “durar mais algumas semanas”. Por isso, diz, ainda vale a pena que as pessoas com mais de 5o anos, e que ainda não se vacinaram, se desloquem a um centro de saúde ou a uma farmácia para serem vacinadas. “O benefício máximo da vacina é observado cerca de duas semanas depois da toma, mas os benefícios começam logo nos dias seguintes“, realça Tiago Alfaro. Uma opinião em linha com a da DGS, que realça que a vacinação, “nesta fase, ainda pode ser benéfica”, uma vez “que a época gripal decorre nos meses de inverno e em Portugal a gripe está com atividade epidémica”.

Além da disponibilidade de vacinas (uma questão de ordem logística), numa farmácia de Lisboa, e perante a comunicação social, a diretora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, referiu-se também aos dois aspetos que preocupam a DGS e que contribuíram para a decisão de alargar a população elegível: a intensa atividade gripal (que se mantém) e o aumento da mortalidade relacionada com doenças respiratórias.

“Atualmente, temos um aumento da incidência do vírus da gripe, algo que já estamos acostumados também a ver todos os anos”, disse a diretora-geral da Saúde, quando questionada sobre a mortalidade. Uma análise preliminar ao registo de óbitos indica “um aumento das causas por doença respiratória”, sublinhou Rita Sá Machado. “Sabemos que a mortalidade não é explicada apenas por um fator, portanto, não podemos dizer que o excesso de gripe — o facto de termos um aumento da incidência da gripe — vai explicar o excesso de mortalidade, mas esse estudo já está a ser feito. No final da campanha de vacinação voltaremos a dar um estudo mais aprofundado”, disse a responsável.

No entanto, e apesar de as causas para o excesso de mortalidade que se verifica atualmente estarem ainda a ser analisadas, a DGS teve em conta o aumento da mortalidade neste período (em comparação com anos anteriores) quando tomou a decisão de alargar a vacinação contra a gripe a pessoas na casa dos 50 anos.

Mortalidade entre os 35 e os 64 anos atinge segundo valor mais alto desde 2014

O Observador analisou os dados referentes à mortalidade nos primeiros 16 dias do mês de janeiro de 2024 nas faixas etárias entre os 35 e os 64 anos (isto é, nos adultos mais velhos). Neste período, morreram, em média, 53 pessoas por dia, um aumento de 13% em relação ao mesmo período de 2023 (46 mortes diárias nestas faixas etárias).

Aliás, o valor de 2024 é mesmo o segundo valor mais alto da última década, segundo os dados do Portal de Vigilância da Mortalidade da DGS. Pior só mesmo a primeira metade de janeiro de 2021, quando se registavam, em média, 61 óbitos diários — num período marcado por um pico de infeções e internamentos causados pela Covid-19. Nos restantes anos, os óbitos diários, de pessoas entre os 35 e os 64 anos, variaram entre os 46 e os 50. Este excesso de mortalidade em faixas etárias mais jovens, que se verifica desde o final de dezembro, pesou na decisão da DGS de alargar a vacinação. O organismo pondera agora estender a vacinação aos maiores de 45 anos ou até aos maiores de 40, de forma faseada, aumentando a proteção destas populações.

Mortalidade no nível mais elevado desde a pandemia e 25% acima dos valores do ano passado

“Sempre que há um pico de gripe, há um pico de mortalidade por pneumonia porque os internamentos aumentam”, diz o pneumologista José Alves, que pede cautela na análise dos dados da mortalidade em períodos curtos, uma vez que os picos de gripe não ocorrem sempre na mesma altura do período de inverno, sublinha.

Para Tiago Alfaro, pneumologista na ULS de Coimbra, “a decisão da DGS [de alargar a vacinação] está em linha com o aumento da mortalidade a que estamos a assistir”. “Parte deste excesso de mortalidade é explicado pela gripe”, sublinha, sendo que, na corrente época gripal, “o vírus dominante é o da gripe A, o H1N1 e que causa doença mais grave”.

Questionado sobre que fatores poderão justificar os valores mais elevados da mortalidade entre os adultos mais velhos neste inverno, o especialista aponta duas possíveis explicações: o envelhecimento da população e as deficiências de resposta do SNS. “O que é diferente agora é que a população é mais envelhecida do que há 10 anos e há uma dificuldade de resposta do SNS, que se agravou com a situação da falta de médicos na parte final de 2023. Tudo isto provoca uma maior sobrecarga nos serviços de saúde e há dificuldade em manter as equipas estabilizadas”, admite Tiago Alfaro.