O documento foi criado por António Costa em 2015 e Pedro Nuno Santos pegou no mesmo “Compromisso Ético” para os candidatos a deputados e acrescentou-lhe um ponto sobre o que fazer em casos judiciais. A solução encontrada é praticamente colada à do PSD e ambos vão além da linha vermelha que António Costa aplicou aos casos com que teve de lidar no seu Governo, antes da sua própria demissão.

Para o PS de Pedro Nuno Santos, quem se disponibiliza para assumir o cargo de deputado terá de estar também disponível para deixar o mandato se for pronunciado ou condenado em primeira instância por crime doloso contra o Estado com pena de prisão superior a três anos.

Este é um ponto novo em relação ao que já tinha sido feito por Costa quando fez as suas primeiras listas de candidatos a deputados, em 2015. Na altura, o PS ainda geria as consequências da Operação Marquês, que envolvia o ex-líder e ex-primeiro ministro socialista, José Sócrates, na altura indiciado por diversos crimes incluindo o de corrupção. Acabado de chegar à liderança do partido, António Costa quis estabelecer linhas éticas para dar um sinal de filtragem, ainda assim o compromisso imposto por Costa não falava nos casos de justiça.

Mais à frente, quando houve arguidos no seu Governo, Costa foi reagindo sempre afirmando o respeito pela independência do poder judicial, pela presunção de inocência e pelo direito à defesa do arguido — “para mim não é critério uma pessoa ter que ser arguido para ter de sair do Governo, porque ser arguido não é uma pré-condenação”. Até ao dia em que o Ministério Público acusou o seu secretário de Estado Adjunto Miguel Alves, que acabou por demitir-se deixando clara a linha vermelha para o primeiro-ministro. Se ser arguido não era uma questão, o acusado já era (um ano depois, a Operação Influencer atingiu diretamente Costa e, nesse caso, a opção foi sair mal soube da existência de um processo-crime contra si, mesmo antes de poder vir a ser arguido).

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Pedro Nuno e Montenegro dão outro peso ao arguido

Mas comecemos pelos crimes que tanto PS como PSD determinam que podem resultar na perda do mandato de deputado: crimes contra o Estado. O PSD até detalha que isso “inclui crimes contra a realização do Estado de Direito ou crimes cometidos no exercício de funções públicas”. Aqui há uma diferença entre os dois partidos, já que os socialistas não exigem renúncia se os crimes em causa tiverem uma pena de prisão até três anos (no de abuso de poder, por exemplo, a pena não ultrapassa os três anos). No PSD, não existe esse limite mínimo e a regra vale para todos os crimes deste leque, independentemente da sanção prevista no Código Penal.

O que resulta claro destes códigos éticos é que tanto para Pedro Nuno Santos, como para Luís Montenegro, a condição de arguido tem, na teoria, um peso diferente do que tinha para Costa, pelo menos se tiver associadas “medidas de coação privativas da liberdade”. Os líderes do PS e do PSD traçam a linha vermelha também na fase de inquérito, mas mais acima: a partir do momento em que são aplicadas determinadas medidas de coação. Basta, por exemplo, que o juiz de instrução aplique medidas como a prisão preventiva ou a prisão domiciliária ao arguido para que este possa ter de deixar o cargo de deputado.

Caso nada disto aconteça, os dois partidos têm outros filtros mais adiante. E não é preciso chegar à condenação em primeira instância, já que a regra que ambos definiram detalha que os deputados deixem o lugar caso sejam pronunciados. Ou seja, um acusado que peça abertura de instrução (uma fase facultativa entre o inquérito e o julgamento), só teria de deixar o mandato de deputado caso o juiz de instrução o pronunciasse para julgamento. Mas se não passar pela fase de instrução e for diretamente para julgamento, também pode cair, caso exista condenação no tribunal de primeira instância.

Em qualquer dos casos, a lógica dos partidos vai no sentido da procura da validação judicial das suspeitas que sejam levantadas pelo Ministério Público nos inquéritos judiciais. Criar uma etapa de verificação para a seguir tomar uma decisão política em relação ao responsável pelo cargo.

A maior diferença entre os dois compromissos pedidos aos candidatos a deputados é que o do PS é mais definitivo na sanção. O compromisso ético socialista para estas legislativas diz que o candidato terá de estar disponível para renunciar à candidatura ou ao mandato de deputado, se se verificar alguma das situações aqui descritas. Não se trata de uma suspensão, até à resolução do caso, mas sim da renúncia ao mesmo. Já no caso do PSD, o que está previsto é que sejam suspensas as funções “até ao arquivamento do processo ou decisão judicial de absolvição, não pronúncia ou revogação ou extinção das medidas de coação privativas de liberdade”. Caso desapareçam os pressupostos da sanção, o cargo pode ser reassumido.

O estatuto do deputado prevê, de resto, a suspensão de funções por motivos de procedimento judicial. Já quanto à renúncia, deve ser apresentada “pessoalmente uma declaração escrita ao Presidente da Assembleia da República ou, em alternativa, com a assinatura reconhecida”.

Pedro Nuno recupera as outras regras de Costa

Ambos os textos incluem outros pontos além da Justiça. No caso do PSD, o texto foi apresentado ainda antes da elaboração das listas de candidatos a deputados, tendo sido decidido na reunião da Comissão Política Nacional do partido do final de novembro. Nessa altura foram logo estabelecidos os critérios para quem queria ser deputados pelo partido. Já o PS, optou por apresentar o seu documento no fim desse processo, enumerando 10 compromissos futuros para quem vais nas listas.

Assim, na deliberação social-democrata constam critérios como o empenho “na defesa do interesse nacional” ou o compromisso do partido com a “renovação pessoal e geracional” das listas ou ainda a “concordância com a orientação estratégica da Comissão Política Nacional” do partido. Além disso tem uma parte apenas dedicada à “exigência ética” onde inclui a regra para casos de justiça e uma última dedicada à “coerência programática e estratégica do grupo parlamentar”.

É neste ponto que estão definidas as matérias em que os deputados estão obrigados à disciplina de voto (apreciação de programas do Governo, orçamentos, leis eleitorais, moções de censura ou confiança, por exemplo) e ainda a polémica norma que os críticos internos de Luís Montenegro chamaram de “lei da rolha” e que passa pelo pedido de substituição sempre que o deputado tenha divergências em Questões consideradas relevantes para a política nacional”.

Direção do PSD nega impor “lei da rolha” a deputados e explica: suspeitos e arguidos podem ir nas listas

No caso do PS, também existem normas para o exercício da função, e a suspensão de mandato só é permitida “para o exercício de funções governativas ou de cargos que decorram de escolha ou eleição em representação do PS”, salvaguardando, no entanto, “razões de natureza pessoal ou familiar inadiáveis” (difere aqui do que vinha de Costa). Fica também estabelecido, mais uma vez, o compromisso de prestar publicamente contas da atividade parlamentar no fim de cada sessão legislativas ou a possibilidade que um deputado tem de invocar objeção de consciência para justificar um determinado voto. E também é aqui que está definido que o princípio na bancada é o da liberdade de voto, exceto para “matérias que relevam para a governabilidade”. Exemplos: programas do Governo, orçamentos do Estado, moções de confiança e censura. Muito semelhante ao que é regra para o PSD.

Os socialistas vão, no entanto, mais longe em matéria de exigências éticas, numa repetição do que já constava no compromisso criado por António Costa. Mantém-se a obrigação de darem informações sobre o património, rendimento e interesses (este último ponto não estava assim na versão de Costa), e também revelar atividades profissionais nos últimos três anos. Vai mais além do que o Compromisso anterior neste ponto, alargando esta prestação de informações  às participações sociais do próprio e do seu cônjuge.

Também têm de declarar não terem dívidas nem ao fisco nem à Segurança Social. Já no ponto do lobbying, a versão de Pedro Nuno Santos não refere a expressão em particular, referindo-se antes  à renúncia de “qualquer exercício de atividade de representação de interesses junto de entidades públicas”. Os deputados do PS têm ainda a obrigação de manter “total clareza e transparência na sua relação com entidades públicas, estando designadamente impedidos, na sua actividades profissional, de desenvolver ou participar diretamente em negócios com o Estado ou outras entidades públicas”. O documento foi aprovado esta quarta-feira pela Comissão Política Nacional que aprovou as listas do partido com os candidatos a deputados.