As verbas destinadas às competências descentralizadas para os municípios do continente foram insuficientes em 2022 face ao acréscimo da despesa destas autarquias, segundo um relatório divulgado esta segunda-feira pelo Tribunal de Contas (TdC), que recomendou mecanismos de financiamento mais claros.
No relatório “Auditoria à dimensão financeira do processo de descentralização de competências (2022)”, o TdC destacou que nesse ano “o financiamento das competências descentralizadas não foi suficiente face ao acréscimo de despesa em que os municípios incorreram com o seu exercício, algo que terá sido corrigido” em 2023, com a publicação de portarias e despachos com reforços das verbas para este fim.
Apesar deste subfinanciamento, “as 93 contas dos municípios analisados [num universo de 278 concelhos do continente] não apresentaram sinais de desequilíbrio orçamental e financeiro, facto que se deve, em grande parte, à evolução das receitas próprias, designadamente de índole fiscal relacionadas com as transações imobiliárias”, destacou o TdC.
O Tribunal destacou ainda problemas na monitorização da descentralização nesse ano, em que não houve “um apuramento e registo universal e criterioso dos montantes financeiros associados ao processo”.
“A Comissão de Acompanhamento da Descentralização pouco ou nada se pronunciou acerca da adequabilidade dos recursos financeiros associados a cada área de competências, tendo também sido comprovado que não dispôs de informação detalhada para desenvolver essa missão“, realçou.
O TdC sublinhou que a Lei das Finanças Locais (LFL) “não previu mecanismos de financiamento claros e estáveis”, remetendo a disciplina financeira da descentralização para os diplomas setoriais e Leis do Orçamento do Estado (LOE).
No entanto, em relação à área da Educação, que nesse ano já era exercida por grande parte dos municípios do continente, a entidade salientou que os critérios de apuramento das verbas financeiras necessárias ao exercício das competências descentralizadas “não estão definidos, no respetivo diploma setorial, de forma clara, direta e transparente”.
Por outro lado, o Fundo de Financiamento da Descentralização (FFD), previsto desde 2018, só foi constituído pela publicação da LOE em junho de 2022 e regulamentado em outubro.
“No primeiro ano da sua vigência ainda não cumpriu o objetivo de ser um mecanismo transparente na medida em que o respetivo quadro legal não é suficientemente claro, necessitando de aperfeiçoamentos, tal como reconhecido no âmbito do contraditório”, acrescentou.
O Tribunal de Contas destacou que não foram adotados procedimentos “que permitissem aos municípios analisar e perceber os montantes das transferências financeiras relacionadas com as competências descentralizadas”, embora alguns municípios tenham também apresentado “limitações próprias em organizar e reportar informação”.
Foram também identificadas falhas relacionadas com o acesso, por parte dos municípios, às ferramentas informáticas utilizadas pela administração central, “facto que prejudicou o exercício de algumas competências”.
Ainda na área da Educação foram detetados problemas de gestão, controlo e partilha de informação entre entidades da administração central envolvidas na descentralização e evidencias de que a descentralização nesta área “não promoveu a simplificação administrativa nem conseguiu libertar as escolas de tarefas de índole administrativa e financeira”.
Na sequência desta análise, o TdC recomendou à Assembleia da República e ao Governo aperfeiçoamentos no financiamento do processo de descentralização, “incorporando na LFL e nos diplomas setoriais normas claras e objetivas que facilitem a operacionalização e compreensão do seu financiamento”, e a introdução na lei de mecanismos de distribuição do financiamento, tendo em conta “a heterogeneidade dos municípios” e os “objetivos da coesão territorial”.
Ao membro do Governo com a área da Administração Local recomendou melhorias na transparência das transferências a efetuar através do FFD, que assegure que este fundo “incorpora para cada município os valores adequados para o exercício das competências descentralizadas”, e diligências para que seja garantido o acesso dos municípios aos sistemas de informação utilizados pela administração direta e indireta do Estado.
O TdC aconselhou ainda aos membros do Governo responsáveis por áreas descentralizadas medidas que simplifiquem a carga burocrática.
Também a Direção-Geral as Autarquias Locais é visada nas recomendações do TdC, que exortou a entidade à divulgação de informação financeira relacionada com o processo de descentralização e à avaliação sistemática dos mecanismos de reporte à disposição dos municípios.
A estes também aconselhou que “trabalhem no sentido de adequar os sistemas operativos às exigências de reporte da informação financeira”, invistam num subsistema de contabilidade relacionada com a descentralização e que incluam nos Relatórios de Gestão anuais análises ao impacto da descentralização nas contas municipais.
O Tribunal realçou ainda que este novo ciclo de descentralização não foi “fundamentado em estudos técnicos, independentes e científicos”, que poderiam ter ajudado “na tomada de decisões” sobre o processo, devido à “sua abrangência e complexidade”.