A notoriedade política do líder do Chega foi projetada a partir de um estudo inventado ou manipulado para dar a sensação de que a insegurança em Loures era causada pela comunidade cigana, quando foi candidato do PSD à autarquia em 2017.
Esta ideia consta do livro “Na cabeça de Ventura”, da autoria do jornalista do semanário Expresso Vítor Matos, que faz parte de uma trilogia editada pela Zigurate, e que inclui também títulos sobre os líderes do PS, Pedro Nuno Santos, e sobre o presidente do PSD, Luís Montenegro, que estarão à venda nas livrarias no início de fevereiro.
“Ventura usou uma etnia e uma comunidade cultural – e os preconceitos subjacentes na maioria – como golpe de marketing para catapultar a sua notoriedade”, escreve o jornalista do Expresso, indicando que o líder do Chega “inventou um estudo, ou manipulou dados de um estudo, para convencer terceiros de que a sensação de insegurança da população estava relacionada com os ciganos”.
Vítor Matos escreve que o plano de usar a comunidade cigana e a imigração como forma de catapultar a notoriedade política do então candidato do PSD foi decidido à mesa de um restaurante no centro comercial das Amoreiras em que Ventura almoçou com o seu amigo João Gomes de Almeida, publicitário e consultor de comunicação.
Já conhecido pelos seus “comentários truculentos” sobre futebol, na CMTV, Ventura estava longe de ser uma figura com notoriedade política. Durante a refeição surge o tema dos ciganos porque “André Ventura tinha feito várias incursões nos bairros sociais de Loures na companhia discreta de elementos da PSP, a que chamavam ‘visitas técnicas’ para conhecer a realidade do terreno”.
“André Ventura disse a João Gomes de Almeida que tinha uma sondagem segundo a qual o maior problema de Loures era a insegurança e que ‘ele achava que a insegurança era motivada pelos ciganos no concelho’“, escreve o autor do livro, acrescentando: “Mas João Gomes de Almeida nunca chegou a ver essa sondagem“.
Era uma “jogada de alto risco” e podia ser crucificado ao “usar um preconceito generalizado para ganhar notoriedade política”, mas ainda assim João Gomes de Almeida disse a Ventura que “fazia sentido usar” mas “tinha de ser através de uma comunicação nacional”. Foi então contactado o jovem jornalista Sebastião Bugalho, hoje comentador da SIC Notícias, que estava a dar os primeiros passos na carreiras nos jornais Sol e I.
“O João lançou-me uma ideia surpreendente (…) Eles tinham um estudo de opinião sobre o eleitorado de Loures, não sei se sobre todo o eleitorado ou só sobre o do PSD, que dizia que no top três do eleitorado, duas das preocupações eram relacionadas com as comunidade de etnia cigana: o uso de transportes públicos e as rendas da habitação social, que alegadamente não pagariam”, relata Sebastião Bugalho, levando Vítor Matos a escrever que “debitar ideias daquele calibre até gerou uma certa desconfiança no jornalista”. Mas a entrevista deu manchete.
“João Gomes de Almeida não viu estudo nenhum. Sebastião Bugalho não viu nenhuma sondagem que suportasse aquelas afirmações. Ricardo Andrade [líder da concelhia do PSD de Loures] diz que não havia nenhuns inquéritos à população a falar de ciganos. No máximo havia um estudo que falava em falta de segurança como uma das principais preocupações da população. Tudo o resto terá sido manipulado por parte de Ventura, antes de se ter tornado profissional a usar táticas políticas das ‘fake news’ , meias verdades e mentiras como faziam os novos populistas por esse mundo fora”.
O CDS, na altura liderado por Assunção Cristas, demarcou-se imediatamente do discurso de Ventura, mas não o PSD de Pedro Passos Coelho. “Os dirigente do PSD não perceberam que estavam a criar a sua própria némesis, uma espécie de quinta coluna que em breve lançaria a direita numa confusão total”.
No livro, Vítor Matos escreve que, reconstituindo a história de André Ventura, “ressalta um sentido oportunista da vida, em que a ambição lhe vai moldando as ideias, conforme encontra caminho livre para ascender socialmente, mediaticamente e, depois, politicamente”.
“A agravante moral de usar argumentos racistas ou xenófobos sem acreditar neles, ou sem que aparentemente tivesse acreditado neles durante o seu percurso pessoal e político, é que manuseia elementos perigosos de forma puramente instrumental”, concluindo que “Ventura surfa a onda que em cada momento lhe é mais favorável”.