O “direito à propriedade não pode ser obstáculo ao direito à habitação“, defendeu Catarina Martins, num debate sobre o mercado imobiliário organizado pela consultora Century 21. A ex-líder do Bloco de Esquerda (BE) defendeu, num debate com Miguel Morgado, antigo deputado pelo PSD, que deve haver “regras fiscais mais apertadas” para evitar que as casas em Portugal sejam usadas como instrumentos de especulação financeira, designadamente por estrangeiros incluindo “oligarcas russos ligados a Putin”.

As declarações foram feitas depois de o presidente da consultora imobiliária, Ricardo Sousa, ter apresentado um estudo sobre a evolução das preferências habitacionais dos portugueses e sobre o que deve ser feito para atenuar o problema no acesso à habitação, sobretudo pelos jovens. Uma das soluções propostas pelo responsável é a aposta na mobilidade urbana para se alargar as zonas onde as pessoas podem viver, com acesso fácil aos centros urbanos (as outras soluções são a simplificação dos licenciamentos e a industrialização da construção).

Mas Catarina Martins discorda dizendo que ouve muito “o argumento de que não podemos viver todos em Lisboa. Mas nós já não vivemos todos em Lisboa, convenhamos”. “Toda a gente está a viver mais longe do sítio onde trabalha” e “estamos a criar um país onde não há viva além do trabalho e do trânsito – e esse país é um país onde não há tempo de família e de comunidade”.

Falando perante uma plateia composta sobretudo por agentes imobiliários, Catarina Martins diz que sabia estar “em minoria” mas defendeu que “temos de pensar quais são as regras que nós queremos enquanto sociedade para que a propriedade e o mercado imobiliário não sejam um obstáculo à habitação que acaba a fragmentar completamente a nossa sociedade”.

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A ex-líder do BE criticou que “surja um hotel novo a cada cinco dias” e que as autarquias, na sua visão, “licenciam tudo e mais alguma coisa sem sequer pensar se vai haver condições de habitabilidade digna para as pessoas que vão construir aqueles empreendimentos, já que muitas vezes são pessoas que acabam a dormir em camaratas com mais 18 colegas”.

Ainda sobre as autarquias, Catarina Martins criticou “o pacto de regime” que, na sua leitura, faz com que as autarquias “de todas as cores” têm os seus orçamentos “dependentes das receitas de IMT”, ou seja, “são as próprias autarquias que têm um incentivo para expulsar os seus cidadãos”.

“Ter casas vazias ou casas compradas como instrumento financeiro… isso é um problema”, diz Catarina Martins. Em contraste, Miguel Morgado alertou para o risco de se deixar de considerar as casas como um instrumento de investimento e poupança – tanto que são o principal investimento e reserva de poupança vasta maioria dos portugueses.

O ex-deputado do PSD também alertou que “vivemos num mercado europeu em que há liberdade de circulação de pessoas e bens” e, por isso, “não é legal, é impossível” impor limites ao investimento imobiliário por parte de estrangeiros, que Catarina Martins considera ser um fator de pressão nos preços. Catarina Martins ripostou: “é sempre tudo impossível até ao momento em que deixa de ser. Porque o direito europeu também é construído pelos países, não é a lei da gravidade, e todos os países enfrentam o mesmo problema”.

É preciso regras para arrefecer o preço das casas“, argumentou Catarina Martins, dando como exemplo o caso da região autónoma da Madeira, onde “há construção de luxo por todo o lado” e “quem faz as casas na Madeira não consegue comprar casa na Madeira”. “É um erro achar que o mercado de luxo vai puxar por todo o mercado”, atirou a ex-líder do Bloco de Esquerda.

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Salientando a quebra abrupta da construção em Portugal, Miguel Morgado salientou, porém, que “o Estado tem obrigação de construir e não apenas para habitação social”. “Em Portugal existe um preconceito de que se o Estado faz investimento em construção publica é porque é para as classes baixas” mas há vários exemplos, como Singapura, de como não deve ser assim.

O que Miguel Morgado considera que seria uma péssima ideia é avançar para medidas como “controlo de rendas, que são um desastre em todo o lado onde é aplicado: Berlim é um desastre, Barcelona é um desastre, não apenas pela degradação das casas mas porque reduz a oferta”. A solução para a crise no acesso ao mercado imobiliário passa “pelo aumento da oferta” e nunca devemos afugentar os estrangeiros que “tanto trabalho nos deu a atrair”, afirmou o ex-deputado social-democrata.

“Nos anos 90 olhávamos para Barcelona, Paris com inveja porque atraíam artistas, muitas pessoas” e, diz Miguel Morgado, agora “tornámos o país, por boas razões, mais atrativo para os estrangeiros – ricos e pobres”. “Em vez de expulsar os estrangeiros, queremos que eles vivam cá connosco. Em vez de ficarmos receosos e alimentarmos sentimentos desagradáveis, temos de adaptar a nossa oferta imobiliária para os receber”, defendeu o ex-deputado do PSD.