Os preços das casas na Região Autónoma da Madeira dispararam 43% no terceiro trimestre do ano passado, em comparação com os negócios feitos no período homólogo de 2022. O ritmo de aumento dos preços da habitação na Madeira, que já tinham subido 25% no trimestre anterior, é o quádruplo do ritmo a que os preços das casas continuaram, na média nacional, a subir entre julho e setembro – 10%. Quem anda no terreno tem uma explicação simples: a Madeira “está a saber surfar a procura estrangeira, em contraste com Lisboa, que não tem sabido fazer o mesmo”.

Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta terça-feira, o preço mediano de alojamentos familiares transacionados em Portugal aumentou 10% no terceiro trimestre de 2023, face ao mesmo período de 2022, para 1.641 euros por metro quadrado. Este valor (mediano) representa um aumento de 0,7% em relação ao trimestre imediatamente anterior e o aumento homólogo de 10% é uma aceleração face aos 9% que tinha sido a variação no segundo trimestre (face ao segundo trimestre do ano anterior, isto é, 2022).

Apesar do impacto das taxas de juro e da inflação, que um pouco por toda a Europa está a deprimir os preços no imobiliário, o valor das casas na larga maioria das regiões do país continua a subir a ritmo significativo. Isso aconteceu em 22 das 26 sub-regiões em que o INE divide o território nacional.

Na região da Grande Lisboa, onde os preços são os mais elevados do País, o aumento em termos homólogos foi de 11,2% para 2.795 euros por metro quadrado. A subida dos preços no Algarve foi semelhante: 11,6% para 2.654 euros por metro quadrado. Na Península de Setúbal o aumento foi de 10,9% para 1.950 euros e na Área Metropolitana do Porto os preços subiram ainda mais: 14,6% para 1.902 euros por metro quadrado.

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Mas o aumento mais expressivo, de longe, voltou a dar-se na Região Autónoma da Madeira: um crescimento de 43% (para 2.107 euros por metro quadrado) que coloca a Madeira, subitamente, como a terceira região mais cara do País para comprar casa, a julgar pelas transações que foram feitas no terceiro trimestre. E não é um fenómeno meramente transitório, porque no segundo trimestre a subida já tinha sido de 25%.

Pelo segundo trimestre consecutivo, os preços das casas vendidas na Madeira superaram largamente a mediana do território nacional. FONTE: INE

Além de avançar com os números do crescimento homólogo dos preços das casas vendidas, o INE acrescenta que “o acentuado aumento do preço mediano da habitação da região autónoma [da Madeira] deveu-se sobretudo ao forte crescimento dos preços dos alojamentos novos“. O que os dados do INE mostram é que, cingindo a análise à venda de casas novas, o preço (mediano) não esteve muito longe de duplicar em relação ao terceiro trimestre de 2022, já que o aumento foi de 78%.

E este foi, de acordo com o INE, um aumento de preços que tem suporte também num aumento do número de transações: foram vendidas na Madeira mais 23% casas no terceiro trimestre, em comparação com o período homólogo, o que contrasta com a desaceleração do número de transações que há vários trimestres se verifica no território continental, de um modo geral.

“No mercado continental, começou a sentir-se uma diminuição do número de transações a partir do final de 2022 e sobretudo a partir do início de 2023”, afirma Marco Tairum, chief executive officer (CEO) da consultora imobiliária KW Portugal, que tem na Madeira um dos seus mercados principais. “Na Madeira, porém, esse movimento não se verificou, para já, porque tem havido um crescimento muito grande do número de licenciamentos habitacionais, em construção nova que surgiu no mercado no último ano”, acrescenta o responsável.

A estimativa feita por Marco Tairum é que rondou os 140% o aumento de fogos (nova construção) licenciados para habitação, só nos primeiros sete meses de 2023. “Isto faz com que não haja falta de novo produto no mercado, que é aquilo que se tem sentido em Lisboa, por exemplo, onde existe um défice brutal de oferta que faz subir os preços e empurra as pessoas para a periferia”, atira o CEO da KW Portugal.

Outra consultora também ativa naquele mercado, a JLL Portugal, explica que “a Madeira está numa fase de consolidação e de aumento da qualidade dos empreendimentos residenciais que têm vindo a mercado” e os preços medianos que são apresentados pelo INE até escondem o valor real das propriedades nas zonas mais procuradas na Madeira.

De acordo com Patrícia Barão, head of residential na JLL, o valor por metro quadrado nas zonas prime no Funchal situa-se entre os 8.000 euros e os 10.000 euros por metro quadrado. Foram alguns desses negócios que fizeram “aumentar de forma considerável o preço mediano no terceiro trimestre de 2023”.

“Uma vez que se registou um aumento expressivo do número de vendas de fogos novos, e uma contração ainda mais significativa do número de vendas de unidades existentes [isto é, casas usadas], o valor de venda é resultado desta combinação” que, matematicamente, faz elevar o cálculo da mediana de preços, explica Patrícia Barão.

Também João Cília, CEO da Porta da Frente Christie’s, assinala que “a subida do preço médio de transação na Madeira reflete um maior peso do mercado premium nas transações“. “Como a procura neste segmento premium é mais resiliente (menos dependente do crédito), o peso das transações premium no total de transações cresceu e, com isso, o valor médio das transações subiu consideravelmente”, acrescenta o especialista.

“Construção em segmentos elevados também beneficia os madeirenses”

O próprio INE mostra, no seu relatório, que o aumento dos preços das casas na Madeira – em rigor, o preço mediano a que as casas foram vendidas entre julho e setembro de 2023 – tem uma parte da explicação na subida repentina da procura por parte dos estrangeiros.

Esse não é um fenómeno exclusivo da Madeira, pelo contrário. Mas na região autónoma existe uma diferença cada vez maior entre os valores pagos por “não-residentes” e por pessoas com domicílio fiscal em Portugal.

A região autónoma da Madeira é uma das zonas onde existe uma diferença maior entre os valores pagos por “não-residentes” e por pessoas com domicílio fiscal em Portugal. FONTE: INE

Este é indicador que permite ter uma ideia da pressão que está a ser exercida pelos estrangeiros no mercado. Mas não é um indicador perfeito, como explicou recentemente a economista Vera Gouveia Barros, ao Observador.

“Os dados do INE dão-nos as aquisições por parte de não residentes, que é um conceito distinto de estrangeiros”, explicou a economista, acrescentando: “Isto é importante porque, por exemplo, um estrangeiro que viva em Portugal, trabalhando remotamente para a Alemanha, quando compra casa é registado como residente. Do mesmo modo, um português emigrado no Reino Unido, que agora decida ter uma casa cá para as suas férias, entra como não residente”.

O aumento da nova construção na região autónoma, de que falou o CEO da KW Portugal, amorteceu o súbito aumento do interesse dos estrangeiros na Madeira. A nova oferta permitiu responder ao crescimento da procura, diz Marco Tairum, caso contrário poderia estar a formar-se um problema grave no acesso a habitação por parte dos madeirenses.

“A construção num segmento mais alto beneficia toda a gente“, diz o CEO da KW Portugal, salientando que “continua a haver espaço para o madeirense porque qualquer construção feita num segmento mais alto cria espaço” para o resto do mercado “respirar”. Isto é, “se não houvesse construção no segmento mais alto, os estrangeiros, estando interessados na Madeira, iam ocupar as casas de segmento menos elevado – que é o problema que temos em Lisboa, por haver pouca construção nova”, diz o especialista.

Marco Tairum acrescenta que o aumento do licenciamento de casas novas, no ano passado, foi “um sinal de que a Madeira soube surfar este aumento da procura por parte dos estrangeiros“. E, acrescenta o especialista, a Madeira está a afirmar-se como um destino preferencial porque, “para o cliente estrangeiro, com a melhoria da qualidade das ligações aéreas, é indiferente voar para o Funchal ou para Lisboa“.

Clientes americanos, franceses ou dos países do leste europeu estão entre as principais nacionalidades que entram no mercado da região autónoma, diz o CEO da KW Portugal. Daqui para a frente, “a tendência é para estas taxas de variação de 40% abrandarem e estabilizarem” mas o dinamismo no mercado é tal que Marco Tairum considera muito improvável que haja uma correção significativa dos preços na Madeira.

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