A coordenadora humanitária da ONU para o Haiti denunciou esta quarta-feira o aumento da insegurança alimentar no país, assim como o crescimento no número de violações sexuais, sublinhando que a situação passou “de muito má para ainda pior”.
Num briefing virtual à imprensa a partir do Haiti, Ulrika Richardson indicou que em 2023 verificou-se uma degradação muito acentuada da insegurança, com assassínios, linchamentos, violações e outras formas de violência sexual, sendo que 2024 deu continuidade a essa “tendência trágica”.
“Janeiro de 2024 foi o mês mais violento dos últimos dois anos e acho que isso diz muito”, afirmou a coordenadora das Nações Unidas.
Segundo a ONU, quase 5.000 pessoas foram mortas no ano passado no Haiti, incluindo 2.700 vítimas civis de gangues cada vez mais violentos que dominam uma parte significativa do território.
“As pessoas estão a ser sujeitas a violações muito brutais dos seus direitos humanos e estão sujeitas a formas muito brutais de violência sexual, incluindo violação coletiva. E vimos, de facto, um aumento de 50% nas violações sexuais entre 2022 e 2023”, denunciou Ulrika Richardson.
De acordo com a representante das Nações Unidas, a violência sexual é usada como arma de vingança entre gangues e, “muitas vezes, o perpetrador fica em liberdade”.
“Eu vi coisas aqui que nunca tinha visto em 30 anos de carreira. São assustadoras as dores e sofrimento que mulheres, crianças e homens em toda a população enfrentam e estão sujeitos”, relatou.
A coordenadora humanitária da ONU sublinhou ainda que há mais pessoas em situação de insegurança alimentar, registando-se um aumento da desnutrição entre crianças e mulheres grávidas.
O agravamento da insegurança no Haiti mantém os preços das matérias-primas acima da média, nomeadamente devido à escassez de produtos alimentares básicos nos mercados devido a perturbações nas cadeias de abastecimento.
Face à grave situação no país, a ONU lançou na terça-feira um apelo para doações de 674 milhões de dólares (621 milhões de euros) para ajudar este ano 3,6 milhões de pessoas no Haiti.
“Em 2023, a violência perpetrada por gangues armados contra a população haitiana continuou a espalhar-se no país, atingindo áreas rurais isoladas à medida que a presença do Estado diminuiu”, afirma a ONU neste plano humanitário para 2024, descrevendo o aumento dos ataques de grupos violentos contra hospitais, escolas e locais de culto.
Com “a deterioração da situação de segurança, o quase colapso dos serviços básicos, o impacto de anos de seca e de choques ligados a catástrofes naturais”, 5,5 milhões de haitianos, numa população total de mais de dez milhões, estarão “num estado de vulnerabilidade profunda em 2024”, em comparação com 5,2 milhões em 2023.
O plano visa 3,6 milhões destas pessoas necessitadas e requer 673,8 milhões de dólares para o executar, num contexto de subfinanciamento crónico das operações humanitárias.
De acordo com o plano, 45% da população sofre atualmente de insegurança alimentar, incluindo 1,4 milhões de pessoas no nível 4 da classificação de insegurança alimentar (que vai até 5) e três milhões no nível 3. Cerca de 250 mil crianças sofrem de desnutrição aguda.
O Haiti é “um dos países do mundo onde a crise alimentar é mais grave”, referem as Nações Unidas.
A “violência reduziu gravemente o acesso aos serviços básicos, nomeadamente à saúde e à educação”, sublinha o plano humanitário lançado pela ONU, citando o rapto de médicos e o encerramento de mais de 700 escolas.
Numa tentativa de ajudar a polícia sobrecarregada pela violência dos gangues, o Conselho de Segurança da ONU deu finalmente o seu acordo em outubro para enviar uma missão multinacional para o Haiti liderada pelo Quénia, cujos detalhes ainda são aguardados.