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A dança e o Irão na rebeldia de Nastaran: "Como é que se pode estabelecer a paz num país que proíbe algo tão natural?"

Este artigo tem mais de 6 meses

Pela primeira vez a solo em Portugal, a coreógrafa e bailarina iraniana Nastaran Razawi Khorasani apresenta uma criação sobre a censura vigente desde 1979. Para ver no Teatro Municipal do Porto.

Reduzida aos pequenos movimentos entre sombras, a coreógrafa, nascida em 1987, apresenta-se em palco sem grandes ornamentos e acompanhada por um conjunto de testemunhos sonoros
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Reduzida aos pequenos movimentos entre sombras, a coreógrafa, nascida em 1987, apresenta-se em palco sem grandes ornamentos e acompanhada por um conjunto de testemunhos sonoros

Reduzida aos pequenos movimentos entre sombras, a coreógrafa, nascida em 1987, apresenta-se em palco sem grandes ornamentos e acompanhada por um conjunto de testemunhos sonoros

Desde a Revolução Islâmica (1979) que a dança está oficialmente proibida no Irão. As companhias de dança cessaram as suas atividades e todos aqueles que aspiram a criar neste domínio são obrigados a pensar em formas engenhosas de fugirem à repressão. Para estes criadores, dentro e fora do país, dançar é um ato de liberdade e resistência. Neste caso, um arrepiar de caminho contra a censura das artes, mas também do papel das mulheres na criação artística naquele país. Foi justamente este difícil contexto que levou a coreógrafa e bailarina iraniana Nastaran Razawi Khorasani a criar This is not a dance, espetáculo que se assume como uma reflexão sobre o movimento e as suas implicações – não apenas no Irão, mas em todos os locais onde ser artista comporta um risco de existência. Sobe ao palco do Teatro Municipal do Porto, sexta e sábado, dias 15 e 16 de março, naquela que será a estreia a solo da criadora em Portugal.

Logo à partida estabelece-se um paralelismo inusitado com o documentário This Is Not a Film, do realizador e seu compatriota Jafar Panahi. A performance de Nastaran pode não ser considerada uma apresentação de dança, ao mesmo tempo que não se trata de outra coisa senão um espetáculo entregue ao movimento e às suas consequências. Reduzida aos pequenos movimentos entre sombras, a coreógrafa, nascida em 1987, apresenta-se em palco sem grandes ornamentos e acompanhada por um conjunto de testemunhos sonoros, em que se aborda o porquê da dança ser considerada como uma arte que antagoniza o regime político vigente. No seu âmago, a criadora lança uma questão para todos os que a quiserem acompanhar: “Se é um risco tão grande dançar no Irão, porquê fazê-lo?”. Mas há mais questões que se lançam ao espetador.

Em entrevista ao Observador, Nastaran Razawi Khorasani, que vive há vários anos em Roterdão, nos Países Baixos, explica que a presente criação nasce do desejo de se exprimir através da dança, sem esquecer as suas raízes. “É inevitável para mim pensar sobre dança e não pensar no que esta significa para os iranianos. É daí que derivam várias interrogações: como é que se dança no Irão? Como é que se pode estabelecer a paz num país que proíbe algo tão natural quanto o movimento e a ligação entre os corpos”, sintetiza. Em This is not a dance, Nastaran monta um dispositivo – uma espécie de câmara obscura – onde enceta um jogo de sombras, entre aquilo que se mostra e aquilo que deve permanecer invisível.

“Não sei se sou uma pessoa esperançosa, mas quando estou em palco sinto a conexão com o público que me dá essa esperança”

Num ambiente escuro, a criadora começa por desembrulhar um longo tapete negro que nunca se estica completamente. Em frente a um conjunto de holofotes, o seu corpo vai surgindo e desaparecendo neste cenário que lembra um terreno queimado e inóspito. À medida que a música e as luzes se aproximam do frenesim, Nastaran tenta manter o seu corpo dançante sob controlo e o espetador segue com o olhar. Está mesmo a dançar ou é apenas o efeito das luzes que parece evidenciar movimento? – poderia colocar-se a questão. Entre estes momentos de maior catarse, Nastaran Razawi Khorasani rodeia-se de vozes, compiladas a partir de um conjunto de entrevistas que a própria fez a coreógrafos e bailarinos iranianos.

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“Estamos destinados a ser rebeldes”, ouve-se num dos testemunhos. O seu espetáculo ganha contornos polifónicos e aquilo que a princípio parecia ser apenas um solo, assume uma força matriz coletiva. “Ao longo do processo, fui encontrando pessoas no Irão ou na diáspora questionando-os sobre as suas práticas artísticas, mas também sobre como é que encontram o seu público. Foi assim que, naturalmente, surgiram questões sobre o porquê de ainda dançarmos mesmo sabendo que é arriscado. Tornou-se essencial juntar estas reflexões ao espetáculo”, salienta a coreógrafa.

Um corpo evocativo

Apoiada pelo Theater Rotterdam, a coreógrafa – que em 2014 venceu o prémio Gouden Krekel e cujo trabalho tem sido nomeado para várias distinções – gosta de pensar no seu espetáculo como uma “ode a todos os artistas que são de alguma forma censurados”, mas também como forma de esbater barreiras entre o mundo ocidental e o Irão. “Vivo nos Países Baixos, identifico-me também como holandesa, mas não ponho de lado a minha origem iraniana. Sinto que o meu trabalho reflete esse cruzamento entre duas geografias e, de alguma forma, o que proponho é um esbater dessas barreiras”.

“Acredito que a dança questiona e pode incitar mudanças porque se relaciona com uma forma de unir as pessoas em torno de algo, muitas vezes em jeito de celebração”

Perante aquilo a que se poderia chamar de “visão ocidental”, Nastaran reconhece que estamos atualmente dominados por imagem do Irão marcadamente “violenta e agressiva”, mas é preciso ver para lá disso. “Esta criação e outros objetos artísticos provenientes do Irão servem para abrirmos outras perspetivas sobre o país e aquilo que ele tem de melhor”, explica. A coreógrafa não olha, por isso, para a sua criação como uma simples crítica ao regime iraniano, ainda que não esconda o seu lado mais político. Numa nota deixada pela coreógrafa antes da sua entrevista ao Observador, Nastaran Razawi Khorasani explicava o receio que tem pela forma radical como a crítica e os media abordam o seu espetáculo, visto somente como gesto radical contra o regime. “É claro que somos contra a censura, mas queremos sensibilizar a imprensa para a situação atual”, pode ler-se.

Isto não é uma dança, é uma esperança

No meio deste processo de criação e investigação que levou a cabo, salienta a criadora, é necessária entender-se que existiu também uma dose de autocensura e que foram vários os criadores que neste processo não quiseram falar com Nastaran por medo de represálias. Voltamos ao palco: os fragmentos que escutamos têm uma natureza prática, mas também filosófica. A certa altura, num desses exemplos de testemunhos, uma voz diz que o que faz com que a dança seja proibida não é o movimento ou os corpos que se agitam, mas a sua capacidade de consciencializar. “Acredito que a dança questiona e pode incitar mudanças porque se relaciona com uma forma de unir as pessoas em torno de algo, muitas vezes em jeito de celebração”, acrescenta a coreógrafa.

Mais do que isso, explica a criadora trata-se de olhar para a dança como forma de manter esperança e de poder alcançar uma outra forma de liberdade. “O risco que estes artistas correm é uma experiência com a qual podemos aprender, mas é sobretudo uma reflexão sobre as formas criativas que os seres humanos encontram para ultrapassarem as diversas formas de repressão”, sustenta. Aos nossos olhos, o corpo de Nastaran torna-se reluzente, multiplica-se pelo efeito das sombras e traz à tona um lado alegre e sensorial, comunitário e partilhado. “Faço a pergunta a mim sobre porque é que danço e a resposta leva-me sempre a uma ideia de juntar pessoas em torno de algo. Esta performance é sobre a minha história, mas é também sobre os muitos criadores que encontrei nesta jornada”.

“Vivo nos Países Baixos, identifico-me também como holandesa, mas não ponho de lado a minha origem iraniana. Sinto que o meu trabalho reflete esse cruzamento entre duas geografias"

Bas de Brouwer

No fim de contas, assume, o seu espetáculo é uma forma criativa de manter a esperança. “Não sei se sou uma pessoa esperançosa, mas quando estou em palco sinto a conexão com o público que me dá essa esperança”, realça. A experiência é então partilhada entre todos os que assistem e, finalmente, o movimento de Nastaran, por mais singelo que pareça, adquire o tamanho de um grito que se solta para lá dos coletes de força que ainda possam persistir e com ela voltamos todos a ser rebeldes.

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