Joseph Blatter deixou a FIFA em 2015. Envolvido num gigantesco escândalo de corrupção que também envolvia Michel Platini, então presidente da UEFA, decidiu demitir-se ao fim de 17 anos na liderança do organismo que regula o futebol mundial. Foi absolvido de todas as acusações, assim como Platini — mas nunca conseguiu recuperar o estatuto, o respeito e o legado que desapareceram ao longo dos anos de julgamento.

Quase uma década depois, agora com 88 anos, Sepp Blatter prepara-se para lançar uma autobiografia. “Overtime” é um conjunto de memórias, mas é também um ataque claro e consistente a Gianni Infantino, o atual presidente da FIFA: acusa-o de ter uma “vendetta” contra si, de querer “destruir” o seu legado e critica decisões como o alargamento do Campeonato do Mundo a três seleções, o “absurdo” Mundial 2030 em três continentes e a atribuição do Mundial 2034 à Arábia Saudita.

Joseph Blatter diz que terminaram sete anos de mentiras

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Pelo meio, Sepp Blatter esquece algumas das suas próprias polémicas. Não existem menções à tentativa de utilização do futebol para chegar à paz no Médio Oriente e assim também ficar perto de um Nobel da Paz, não existem menções à ideia que defendeu de que o racismo podia ser resolvido “com um aperto de mão”, não existem menções à sugestão de que as jogadoras podiam usar “calções mais curtos” para promover o futebol feminino e não existem menções à acusação de assédio sexual que a norte-americana Hope Solo lhe dirigiu.

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Em entrevista ao jornal The Telegraph, por ocasião do lançamento do livro, o suíço rejeitou ser tratado por “presidente” e recordou a cirurgia ao coração a que foi sujeito, há alguns anos, que o colocou em coma induzido e que o terá levado a uma “experiência de quase morte”. “Tive alucinações. Vi que os anjos estavam a aparecer e queriam levar-me. E eu disse que não, que não estava pronto. Estava em coma. No meu sonho, que naquela altura era a minha realidade, apareceram dois anjos e disseram-me que eu tinha de morrer, que estavam à minha espera no céu”, contou Blatter ao jornal inglês, revelando que perdeu a capacidade de falar depois de acordar, recuperando a voz através do dialeto de Valais, onde nasceu, e só depois com o francês, o inglês e o espanhol.

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Apesar de estar completamente suspenso de qualquer envolvimento com o futebol até 2027, Sepp Blatter continua a rejeitar qualquer envolvimento com o escândalo de corrupção que rebentou há mais de 10 anos e que o tornou persona non grata nesse universo. Garante que não se agarrou ao poder, apesar de ter passado mais de quatro décadas na FIFA e 17 anos como presidente, e explica que não tem “arrependimentos”. Se voltasse a ter responsabilidades, fazia alterações ao protocolo do VAR — e tem a certeza de que Inglaterra não voltará a organizar um Campeonato do Mundo enquanto for vivo.

“Tenho a certeza de que, até ao fim da minha vida, não irei assistir a esse momento. O problema é que o futebol inglês é demasiado bem sucedido. Ainda existem preconceitos, de que os ingleses têm o nariz empinado. Quem é que pode achar que Inglaterra vai organizar um Mundial agora que o futebol está nas mãos dos árabes?”, atira, sublinhando que conhecer a rainha Isabel II no Palácio de Buckingham foi “um dos momentos mais importantes” da sua vida.

Sepp Blatter garante que não tem “saudades” de ser presidente da FIFA, mas assume que continua a “viver para o futebol”. “Não consigo esquecer o futebol. Estive 42 anos na FIFA, mas tenho noção de que agora estou do lado de fora. Fisicamente, estou fora de jogo. Mas continuo em jogo, é a minha paixão, a minha missão. Eu era um missionário. E um missionário nunca desiste. Só queria aquilo que a minha filha diz no livro. Que alguém tivesse dito: ‘Obrigado por tudo o que fizeste’. É só isso. Nada de especial”, termina.