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Queixas contra médicos aumentam quase 20%, mas condenações caem a pique (à boleia da lei da amnistia)

Este artigo tem mais de 6 meses

Número de queixas cresceu 17% em 2023, o que Ordem dos Médicos e sindicatos justificam com a degradação das condições de trabalho. Sanções aplicadas caíram para um terço.

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DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

DIOGO VENTURA/OBSERVADOR

O número de queixas apresentadas contra médicos voltou a aumentar em 2023, confirmando a tendência de subida acentuada que já se tinha registado em 2022. No ano passado, foi recebido pelos Conselhos Disciplinares da Ordem dos Médicos um total de 2027 queixas, mais 17% que no ano anterior, segundo dados recolhidos pelo Observador junto daquele organismo. Em sentido contrário seguem as condenações: foram aplicadas 43 penas disciplinares (a larga maioria de expulsão) ao longo do ano passado, de acordo com a Ordem.

Os três conselhos disciplinares da Ordem dos Médicos (das secções do Sul, Centro e Norte) receberam 2027 queixas no ano passado, mais 17% que as 1672 recebidas em 2022 — um ano que também já tinha ficado marcado por um aumento significativo neste indicador, na ordem dos 25% em relação a 2021. Num espaço de apenas dois anos, as queixas passaram de 1320 para 2027, um crescimento galopante de mais de 53%.

Número de condenações caiu quase 70%. Lei da amnistia ‘derrubou’ sanções menos graves

Já o número de condenações evolui na direção contrária ao do número de queixas. Em 2023, a Ordem dos Médicos aplicou 43 sanções disciplinares — uma quebra significativa, de quase 70%, em relação a 2022.

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Embora o Conselho Disciplinar da região sul da Ordem dos Médicos tenha sido, de longe, o que recebeu mais queixas, não foi o que aplicou mais condenações. Ficou-se pelas 16, contra as 18 determinadas pelo Conselho Disciplinar do Norte. Já no Centro foram condenados oito médicos ao longo do ano passado.

O número de sanções sofreu uma queda acentuada, de 67%, em relação a 2o22, quando tinham sido aplicadas 131 sanções. O número registado em 2023 é, aliás, anormalmente baixo. Em 2021, os conselhos disciplinares tinham castigado 121 clínicos; em 2020, foram aplicadas sanções a 106 médicos.

Ao Observador, fonte da Ordem dos Médicos explica a diminuição significativa da ação disciplinar com três fatores. O primeiro terá a ver com o facto de muitas das queixas recebidas não serem diretamente relacionadas com a prática médica ou não terem gravidade. Um outro fator, e o mais relevante, está relacionado com a lei da amnistia (elaborada a propósito da Jornada Mundial da Juventude) e que previa a amnistia de infrações disciplinares “que não constituam simultaneamente ilícitos penais”, ou seja, as menos graves.

Carlos Cortes confirma que sanções menos graves tiveram de ser amnistiadas pela Ordem dos Médicos, ao abrigo da lei

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

No regulamento disciplinar dos médicos, as sanções dividem-se em quatro categorias: advertência; censura; suspensão até um máximo de dez anos; e expulsão — a mais grave. No ano passado, e embora a Ordem dos Médicos não tenha disponibilizado as condenações por tipo, a maioria das 43 sanções aplicadas foram de penas graves, nomeadamente, a expulsão .

“A amnistia teve necessariamente impacto. Estudámos isso com o gabinete jurídico da OM e tudo o que não fossem condenações graves que levassem a expulsões tiveram de ser amnistiadas. Houve um conjunto de processos que acabaram por ser arquivados”, explica Carlos Cortes

Ordem dos Médicos está a trabalhar num “canal seguro e confidencial” para receber queixas anónimas de negligência médica

Fonte da Ordem dos Médicos também aponta a transição de poder dentro do próprio organismo (que foi a eleições no início de 2023) como uma das razões para a quebra nas sanções aplicadas, tendo em conta o período de adaptação dos novos órgãos sociais, nomeadamente dos conselhos disciplinares.

Queixas a subir desde 2015. Bastonário aponta às “piores condições de trabalho”

O número de queixas contra médicos tem vindo a crescer de forma constante desde 2015. Nesse ano, foram apresentadas 629 queixas, em 2018 o valor já ultrapassava as mil e voltou a subir, para a casa dos 1300, em 2020 e 2021.

No ano passado, das 2027 queixas, mais de metade (1196) deu entrada na secção regional do sul (que abrange as regiões da Grande Lisboa, Alentejo, Algarve e ainda as regiões autónomas). Cerca de 30% foram recebidas pelo Conselho Disciplinar do Norte da OM e os restantes 10% pelo Conselho Disciplinar do Centro.

Foi à Secção Regional do Sul (com sede em Lisboa) que chegaram 60% das queixas contra médicos

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Para o bastonário da Ordem dos Médicos, a explicação para o aumento do número de queixas está na degradação das condições de trabalho dos médicos e na crescente dificuldade de acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Os médicos enfrentam piores condições de trabalho e existe um acesso dificultado ao SNS, nomeadamente na área das urgências. O SNS não dá resposta e isso leva a um aumento das queixas”, sublinha Carlos Cortes, em declarações ao Observador, acrescentando que os médicos têm “menos tempo para os doentes”. No entanto, o bastonário — que recebe algumas queixas diretamente — realça que muitas reclamações recebidas pela Ordem dos Médicos não estão sequer relacionadas com responsabilidade médica.

O recém-eleito secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos atribui também o aumento das queixas à falta de condições com que os médicos exercem a profissão. “Como repetidamente temos dito, a degradação das condições de trabalho traduz-se numa maior probabilidade de erro médico“, assinada Nuno Rodrigues ao Observador, sublinhando que “as excessivas horas de trabalho em urgência a que os médicos são sujeitos, a prática da medicina em equipas reduzidas ao mínimo dos mínimos e a conflitualidade latente devido aos longos tempos de espera” são fatores que “contribuem para este agravamento”.

Queixas contra médicos aumentaram em 2022. Ordem recebeu em média cinco novos processos por dia

Um diagnóstico semelhante ao da Federação Nacional dos Médicos (FNAM). “Há uma degradação galopante das condições de trabalho“, diz a presidente da Federação, Joana Bordalo e Sá, acrescentando que a “falha de expectativas” entre os cuidados que o doente espera ter e os que lhes são oferecidos leva a este cenário. “Os doentes não têm resposta nos cuidados de saúde primários e hospitalares, também porque cada vez há menos médicos, em número insuficiente para as necessidades”, critica a dirigente sindical. Por outro lado, salienta, a “medicina está cada vez mais complexa e exige mais cuidados”, o que aumenta o número de interações médico-doente, que pode levar a um aumento das queixas.

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