O presidente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP), João Vieira Lopes, em entrevista à Lusa considera que “não há governos a prazo”, falou das medidas de Concertação Social e o uso destas para o maior consenso no parlamento e a necessidade de uma maior atenção em relação aos aumentos salariais.

“Para nós, não há governos a prazo. Nós negociamos com o Governo que estiver em funções e exigimos que ele faça o máximo possível e o mais rapidamente possível”, afirma o líder da confederação patronal.

João Vieira Lopes reforça que a CCP não trabalha em função de “cenários”, mas sim em propostas que defendam o interesse das empresas, sublinhando que a confederação não vai ficar parada perante um governo minoritário.

“Não nos interessa se o Governo dura muito ou dura pouco, se é prazo ou não é prazo. Queremos medidas para as empresas”, reitera.

O presidente da CCP conta que se reuniu pela primeira vez com o novo ministro da Economia, Pedro Reis, na semana passada, e que a reunião foi positiva, tendo ficado “com a ideia” de que o Governo, “independentemente do enquadramento político” pretende passar à prática um conjunto de medidas para apoiar as empresas que estão no Programa do Governo.

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Para Vieira Lopes, é fundamental que o executivo avance com a baixa fiscal para as empresas, nomeadamente a redução do IRC prevista no Programa do Governo, porque é um imposto pesado uma vez que, além das taxas, tem uma série de “acrescentos”, diz, referindo-se às derramas estadual e municipal e às tributações autónomas.

“A estrutura do IRC deve ser uma estrutura centrada em […] taxar os lucros que são distribuídos e não os lucros que são investidos”, afirma, notando que esta é uma “questão estrutural para o crescimento económico” sem o qual não é possível aumentar salários.

Ainda na área fiscal,  defende “um incentivo radical para a capitalização das empresas” indicando que “tem que ser mais barato fiscalmente para os empresários, colocar dinheiro próprio” e recorrer menos à banca.

Segundo disse, o ministro da Economia “mostrou-se aberto a discutir estas temáticas” e, nos próximos dias serão realizadas reuniões de trabalho “em termos técnicos e em termos políticos” para abordar os assuntos.

O Programa do Governo da Aliança Democrática (AD) prevê a redução das taxas de IRC, com a redução gradual de dois pontos percentuais por ano, destinada a assegurar a tributação efetiva dos lucros a uma taxa de 15%, bem como a eliminação gradual da progressividade da derrama estadual e da derrama municipal em sede de IRC, assegurando no caso da última a compensação através do Orçamento do Estado da perda de receita para os municípios.

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O executivo propõe ainda baixar em 20% as tributações autónomas sobre viaturas das empresas em sede de IRC, uma medida que constava no programa eleitoral do PS.

Acordos na Concertação Social geram maior consenso no parlamento

Em relação às medidas acordadas na Concertação Social, afirma que avançar para um novo acordo de rendimentos e competitividade “é um não problema”.

“Todos os acordos que forem feitos no quadro da Concertação Social, se exigirem legislações que sejam aprovadas no parlamento, terão, provavelmente, mais possibilidades de encontrar consensos no parlamento do que questões que sejam rejeitadas na Concertação Social”, diz Vieira Lopes.

O líder da CCP sublinha a importância da Concertação Social, sobretudo num momento político “em que há uma grande dispersão partidária na Assembleia da República” onde “há partidos que valorizam a Concertação Social e outros que não valorizam”.

“Tem todo o sentido tentarem encontrar pontos, como aliás existe na maior parte dos países europeus, projetos que não ficam restritos a uma legislatura”, acrescenta, sublinhando que “as empresas precisam de previsibilidade”.

No entanto, Vieira Lopes avisa que há compromissos firmados com as empresas no anterior acordo que devem ser cumpridos, como o plano de competitividade para o comércio e serviços ou o subsídio ao abate dos automóveis ligeiros de passageiros antigos.

Além da questão fiscal, a CCP está aberta a “uma discussão alargada” também na área da legislação laboral, diz, lembrando que as confederações patronais consideraram algumas das novas normas previstas na Agenda do Trabalho Digno, em vigor desde maio de 2023, inconstitucionais.

Em causa está a proibição de as empresas recorrerem ao ‘outsourcing’ (contratação externa) nos 12 meses após um despedimento coletivo, o fim da possibilidade dos trabalhadores abdicarem de créditos quando são despedidos ou o contrato cessa e o alargamento do direito à atividade sindical na empresa, na qual não existam trabalhadores filiados.

João Vieira Lopes defende que estas medidas devem ou cair ou ser alteradas, no âmbito da negociação que ocorrer entre os parceiros sociais.

Na opinião do líder da CCP, também deve ser reaberta a discussão na Concertação Social sobre a sustentabilidade da Segurança Social, uma vez que o impacto da Taxa Social Única (TSU) nas empresas “é muito forte”, devendo ser nesse sentido avaliada uma medida que permitisse baixar esta taxa sem penalizar a receita do sistema previdencial.

No Programa do Governo da AD, o executivo afirma que pretende “revisitar” as alterações laborais aprovadas no âmbito da Agenda do Trabalho Digno do anterior executivo, afirmando que “um ano após a entrada em vigor do diploma impõe-se avaliar, designadamente na Concertação Social e com todos os parceiros, os resultados deste primeiro ano de implementação no terreno”.

As alterações laborais da Agenda do Trabalho entraram em vigor em 1 de maio de 2023, sem acordo da Concertação Social e após uma ‘maratona’ de votações no parlamento.

No final de outubro de 2023, a Provedora de Justiça avançou com um pedido de declaração de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional das normas laborais previstas na Agenda do Trabalho Digno contestadas pelos patrões.

“Sempre torcemos o nariz” a fixar metas salariais, afirma João Vieira Lopes

Vieira Lopes abordou também os aumentos salariais que devem ser associados ao crescimento económico, produtividade e inflação assinalando que sempre “torceu o nariz” a metas rígidas para os salários.

Referindo que os referenciais de aumentos salariais previstos no acordo da Concertação Social assinado com o anterior Governo em 2022 (e reforçados em 2023) devem ser revistos em função do andamento da economia.

“Uma das razões da revisão do acordo anual é precisamente para reanalisar, em função da evolução da economia, todas essas áreas”, afirma, acrescentando que “a Europa, neste momento, não está com uma grande saúde económica” o que terá reflexo nas exportações portuguesas.

Tendo em conta este cenário, há referenciais que podem ser revistos “em baixa” e outros “não em baixa”, diz Vieira Lopes referindo que a valorização remuneratória, tal como a do salário mínimo nacional, deve ter em conta três variáveis: o crescimento da economia, a inflação e a produtividade.

“Como sabemos que o salário mínimo também tem um certo papel no combate à pobreza, admitimos que se possa fazer um ajustamento para além das fórmulas económicas”, indica o líder da confederação patronal.

No entanto, acrescenta, se se fizerem alterações “só por via administrativa, corre-se o risco de tudo suceder como já sucedeu em anos anteriores, que é um esmagamento cada vez maior entre o salário mínimo e o salário médio” criando “dificuldades na contratação coletiva, porque não se conseguem diferenciar categorias”.

“Portanto, não devemos fazer acordos com base em fórmulas rígidas”, sublinha.

Questionado sobre se concorda com a meta para o salário mínimo que consta no Programa do Governo, de atingir os 1.000 euros em 2028, Vieira Lopes responde: “Sempre torcemos o nariz, como se costuma dizer em linguagem popular, a marcar objetivos fixos desse tipo, portanto, a fazer compromissos fixos”.

“O salário mínimo deve ser visto anualmente em função dos indicadores. E depois, com uma margem de manobra em função do papel que tem de combater a pobreza”, reforça Vieira Lopes.

No Programa do Governo, o executivo da AD tem como objetivo que o salário mínimo nacional, que atualmente é de 820 euros, atinja os 1.000 euros no final da legislatura (em 2028), com aumentos baseados na inflação e nos ganhos de produtividade, e que o salário médio seja de cerca de 1.750 euros.

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No acordo da Concertação Social assinado em outubro de 2022 pela maioria dos parceiros sociais, foram fixadas metas para que o salário mínimo atinja 900 euros em 2026.

Quanto aos referenciais para os aumentos salariais, o acordo de 2022 previa valorizações de 4,8% para 2024, mas este valor foi reforçado em outubro de 2023 para 5%, tendo em conta a inflação.

Para 2025 e 2026, o acordo prevê referenciais de aumentos de 4,7% e 4,6%, respetivamente.