A AICEP (Agência para a Internacionalização e Comércio Externo de Portugal) assegura que já este ano, e depois de uma reestruturação orgânica realizada pela gestão que tomou posse em junho de 2023, reforçou os procedimentos e atividade de controlo e fiscalização da aplicação dos fundos europeus.

“O atual conselho de administração, que tomou posse a 5 de junho de 2023, reforçou a preocupação nos procedimentos e atividade da AICEP com novas medidas de controlo e fiscalização, mesmo antes das investigações e inquéritos que hoje se conhecem terem sido publicamente anunciadas”, assume em respostas escritas ao Observador.

A designada Operação Maestro, conhecida em março deste ano, está a investigar a atribuição de fundos europeus e os procedimentos que levaram à entrega de apoios a empresas ligadas a Manuel Serrão e a Júlio Magalhães, para a promoção na área do vestuário.

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Neste processo, o Compete, autoridade de gestão dos fundos para empresas, e a AICEP, acabaram investigadas. Ao Observador, a AICEP garante que, “no âmbito do controlo e supervisão, a Agência efetua regularmente auditorias e verificações realizadas a projetos no local, sendo que, no decorrer do quadro comunitário PT2020, o número de auditorias realizadas aos projetos pela AICEP, enquanto organismo intermédio, teve um incremento, acompanhando o crescimento do número de projetos aprovados”.

São, também, conduzidas “auditorias externas ao desempenho da AICEP e à boa execução de projetos por parte dos beneficiários por outras entidades, nomeadamente Agência para o Desenvolvimento e Coesão, Autoridades de Gestão, Inspeção Geral de Finanças, Tribunal de Contas, Tribunal de Contas Europeu, entre outras”.

Entretanto, e depois da Operação Maestro, o novo ministro com a tutela dos fundos europeus, Manuel Castro Almeida, anunciou, na SIC Notícias, a pretensão de fazer um inquérito aos serviços de gestão dos fundos europeus.

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E, segundo revelou a AICEP ao Observador, a 30 de abril, “a AICEP foi contactada pelo Compete no sentido de dar conhecimento de uma deliberação da Agência para o Desenvolvimento e Coesão comunicando que será desenvolvida uma ação de natureza transversal, conforme previsto em sede de manual de certificação, com o objetivo de analisar os procedimentos implementados pelas entidades intervenientes na tipologia ‘Projetos Conjuntos (SI) Internacionalização+, na qual se inclui o organismo intermédio AICEP”. A entidade liderada por Filipe Costa garante que “todos os inquéritos são bem-vindos, na sua procura permanente de melhoria, de caráter geral”, mas com um alerta: “com o cuidado de não concorrer com investigações judiciais, e a AICEP colabora naturalmente”.

Nessa preocupação de reforçar os mecanismos, a AICEP refere ao Observador que a nova gestão já fez uma reestruturação interna no segundo semestre de 2023 e que entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano. Essa reestruturação levou à redução do número de direções e de lugares de direção, ainda que tenham sido criadas quatro subdireções: duas na Direção Jurídica (a de Contratação e a de Contencioso) e duas na Direção de Auditoria (a de Controlo e outra de Regulamentação e Conformidade). Foram, também, reforçados os recursos humanos em direções como a de auditoria e conformidade. Os cargos dirigentes da AICEP passaram a ser escolhidos por concursos internos, ficando com uma comissão de serviço de três anos.

A AICEP revela, ainda, que em fevereiro aprovou a realização de planos anuais de verificação física a projetos com incentivos. Serão feitas pela Direção de Auditoria e Conformidade, “uma direção independente que não possui intervenção nos procedimentos internos de verificação administrativa”, realça.

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PT 2030 e PRR com atrasos por falta de ferramentas para pagamentos

A AICEP é um organismo intermédio em alguns programas dos fundos europeus. Face às críticas dos beneficiários de atrasos na disponibilização dos fundos, que também já foram alvo de ataque por parte do atual Governo — que já disse que PT 2030 e PRR estão “extraordinariamente atrasados” –, a AICEP denuncia atrasos de ferramentas por parte das autoridades de gestão para que possa avançar com análises a pedidos de pagamento.

Em dados enviados ao Observador, a AICEP revela que no PT 2020, cuja “execução está completa com sucesso e encerrada no prazo previsto”, estão agora a ser analisadas 400 alegações de empresas contrárias às decisões de encerramento, que correspondem, no limite, a 22,39 milhões de euros. Sendo “a taxa de procedência histórica das alegações normalmente de 20%”, a estimativa de reversão é de cerca de 4,5 milhões de euros.

Nos apoios ao investimento e internacionalização das empresas, no âmbito do PT 2020, foram “analisados e processados” quase 1,5 mil milhões de euros. Este ano foram pagos cerca de 90,6 milhões.

Em relação ao PT 2030, têm sido feitos os adiantamentos iniciais de 10%, totalizando quase 3 milhões de euros (2.931.753,89 euros) a que acrescem 2,7 milhões em ordens de adiantamentos em circuito de aprovação, totalizando 5,7 milhões de euros. Só que a AICEP indica que está a avançar com estes adiantamentos numa altura em que “não foram disponibilizadas as ferramentas informáticas que permitirão proceder à análise dos pedidos de pagamentos”. Ferramentas que têm de ser criadas por outras entidades. Ao Observador garante que “a criação destas ferramentas não cabe à AICEP, que tem insistido junto das autoridades competentes pela sua disponibilização urgente”.

Também no PRR, a AICEP aponta o dedo à falta das ferramentas de análise e de pagamento. A AICEP foi designada entidade gestora da medida Comércio Digital, no âmbito do programa da digitalização das empresas. A medida tem uma dotação de 23 milhões de euros, com o objetivo de apoiar 1.500 PME até final de 2025 para a sua internacionalização através de comércio eletrónico. Já foram lançados dois avisos. Um primeiro, em agosto de 2022, no qual foram selecionados 239 projetos num investimento elegível de 10,7 milhões de euros. No segundo aviso, lançado em agosto de 2023, foram recebidas 863 candidaturas: 379 na primeira fase (cuja decisão deverá ser adotada até final do primeiro semestre deste ano) e 484 na segunda.

No entanto, “a operacionalização da medida tem sofrido constrangimentos vários, designadamente ao nível da disponibilização das ferramentas de análise e de pagamento por parte da entidade competente nesta matéria”, atira a AICEP.

AICEP diz ser normal deslocações e alojamentos de pessoal…

No âmbito da sua atividade de promoção do comércio externo, a AICEP garante ser habitual deslocações de trabalhadores do organismo. “Faz parte da atividade profissional dos trabalhadores da AICEP deslocarem-se e ficarem alojados em serviço para participar ativamente em fóruns, conferências, feiras e missões, por vezes institucionais, mas em geral com empresas e associações de empresas, em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente como oradores para apresentar a oferta nacional de um determinado setor, ou para ligar exportadores nacionais a importadores estrangeiros, ou para diligenciar dossiês alfandegários, técnicos ou sanitários de acesso aos mercados estrangeiros (Product of Portugal e Made in Portugal)”.

Isto acontece no estrangeiro, mas também em Portugal por parte dos trabalhadores da rede externa da AICEP que implica “a realização de deslocações profissionais a Portugal, integrados em comitivas empresariais, para acompanhamento das visitas de importadores estrangeiros que vêm a feiras nacionais (‘missões inversas’) ou para cumprir programas de contacto com fornecedores nacionais, preparados pela AICEP ou por associações empresariais setoriais”.

No caso da Operação Maestro, o Ministério Público considerou como objeto de investigação a participação por parte de funcionários da AICEP em eventos da Associação Seletiva Moda, pagos pela da entidade controlada por Manuel Serrão, que, depois, imputava esses gastos aos programas de apoio do Compete.

… e projetos de Potencial Interesse Nacional (PIN) não são decididos de forma informal

Outro caso em que a AICEP acabou por ser alvo de buscas diz respeito à Operação Influencer, em que se investiga alegados favorecimentos à Start Campus, que está a instalar um centro de dados em terrenos da AICEP em Sines.

A AICEP argumenta ao Observador que o regime dos projetos PIN, criado em 2008, “veio substituir o até então tratamento informal dos grandes projetos por um fórum formal para acolhimento e diligência dos grandes investimentos produtivos nacionais e estrangeiros com impacto virtuoso na economia nacional, assim considerados pelos critérios pré-definidos”, sendo, acrescenta, “um mecanismo que substituiu contactos ad hoc por reuniões calendarizadas e com atas, onde as entidades licenciadoras se encontram, apreciam a viabilidade do projeto e votam a atribuição do estatuto PIN e respetivo número, ou não, e otimizam os calendários de licenciamento no estrito âmbito do quadro legal aplicável”.

A Comissão Permanente de Apoio ao Investidor (CPAI) — coordenada pela AICEP e tutelada pelo Ministério da Economia, e que integra o IAPMEI, a DGAE, o IEFP, o Turismo de Portugal, a APA, o ICNF, as CCDR, a Autoridade Tributária –, sustenta a AICEP, é “apenas uma conferência de serviços de licenciamento”, não sendo mecanismo de atribuição de benefícios fiscais ou financeiros. A AICEP dá o exemplo da Start Campus que é acompanhada pela CPAI “e não tem em paralelo nenhuma candidatura a benefícios fiscais ou financeiros”.

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A CPAI é um dos pontos de operacionalização do investimento em Portugal. Na atração desse investimento, a AICEP indica que “os esforços começam na criação de condições de acolhimento, que nos permitam concorrer internacionalmente por mais e melhores projetos criadores de riqueza, geradores de bens transacionáveis de elevada intensidade de capital e tecnologia, apreciadores das qualificações e dos salários dos portugueses”. Essas condições passam pela existência “de solo de uso industrial, viável”, pela “promoção do licenciamento” e por garantir “a disponibilidade de acessibilidades e utilidades, com destaque para a interligação e provimento de eletricidade verde para a nova indústria limpa e a economia dos dados”, justifica a entidade liderada por Filipe Costa que antes de assumir a presidência da AICEP esteve a liderar a infraestrutura da entidade para os parques industriais nomeadamente a AICEP Global Parques que gere os terrenos onde está a Start Campus.