Na Faixa de Gaza, há quem espere dias a fio para aceder a uma das poucas caixas multibanco que ainda se encontram operacionais na região. As aglomerações sucedem-se e, junto dos bancos, há quem tenha encontrado uma oportunidade de fazer dinheiro com o desespero de quem tenta aceder ao salário ou simplesmente à conta bancária, mesmo sem saber se o ATM vai disponibilizar as poucas notas que ainda circulam.

Bandos armados exigem o pagamento de uma taxa para darem acesso prioritário aos cidadãos que tentam levantar o seu dinheiro. Abu Ahmed, residente em Rafah, contou à Reuters que chegou a esperar sete dias numa fila e acabou por ficar tão frustrado que pediu ajuda a membros de gangues, armados com facas e pistolas. “Paguei 300 shekels (80 dólares) do meu salário a um deles para aceder à caixa multibanco e obter o meu dinheiro”, confessou.

A agência noticiosa recolheu relatos de residentes em Rafah e de trabalhadores humanitários que dizem ter testemunhado a exploração da ausência de polícia palestiniana por estes bandos armados que ameaçam os restantes cidadãos, dando acesso prioritário a quem aceita pagar a quantia exigida.

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Através deste esquema, a escassez de dinheiro vivo em Gaza está a alimentar bandos de criminosos e especuladores, depois de Israel ter bloqueado as importações de dinheiro e de a maioria dos bancos do enclave ter sido danificada ou destruída durante a guerra, que já dura há sete meses. A moeda oficial de Israel — o shekel — é comum à região palestiniana. Ou seja, o sistema financeiro de Gaza está quase totalmente dependente de Israel, que tem de aprovar as principais transferências e o movimento de dinheiro para Gaza.

O número de notas em circulação diminuiu ainda mais devido ao facto de as pessoas que fogem à guerra as levarem quando partem. “Chegámos a um ponto de total falta de liquidez. A situação não pode piorar”, afirmou Adnan Alfaleet, diretor distrital do Banco Islâmico da Palestina.

“Há mais comida, que é fornecida, mas há definitivamente falta de dinheiro para as pessoas a comprarem”

O abastecimento de produtos básicos, alimentares e de higiene, regressou a alguns mercados da Faixa de Gaza em finais de abril e no início de maio, depois de Israel ter cedido à pressão internacional para permitir a entrada de mais camiões de ajuda humanitária. No entanto, residentes e os trabalhadores humanitários dizem que a maioria das pessoas não tem dinheiro para os comprar.

A situação agravou-se perante a ofensiva de Israel em Rafah, que voltou a secar os abastecimentos e a fazer disparar os preços. Os residentes em Gaza garantiram à agência noticiosa que vários comerciantes da região estão a lucrar com a falta de oferta. Segundo duas fontes, alguns proprietários de lojas de câmbio e até alguns farmacêuticos que têm máquinas de cartão de crédito estão a cobrar comissões elevadas pelo acesso ao dinheiro.

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Azmi Radwan, representante do sindicato da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos, admitiu que alguns comerciantes estão a cobrar comissões de 20% ou 30% para ajudar a população a aceder aos seus salários, na ausência de bancos e de dinheiro físico. Outro residente descreveu que vários cambistas, depois de deduzirem uma taxa, dizem que não há shekels disponíveis e fazem pagamentos em dólares a uma taxa de câmbio desfavorável.

Entretanto, centenas de milhões de shekels estão retidos nos cofres dos bancos no norte de Gaza, devido à falta de veículos blindados e ao receio de pilhagem. Bashar Odeh Yasin, diretor-geral da Associação de Bancos da Palestina, afirmou que a situação continua a ser demasiado insegura para que os funcionários dos bancos ou os organismos internacionais possam movimentar o dinheiro. “Há um problema real na transferência de dinheiro do norte de Gaza para o sul e na entrada de dinheiro de fora da Faixa de Gaza”, disse.