Os olhares colados aos ecrãs. As mãos que se contorcem em nervosismo. Há gestos que se repetem durante a contagem decrescente para um lançamento. Não será diferente quando este verão, a partir do Instituto Superior Técnico de Lisboa, um grupo de investigadores assistir à distância à partida do terceiro satélite português para o espaço — o segundo numa questão de poucos meses e o primeiro “100% português” — no voo inaugural de um rocket da Agência Espacial Europeia (ESA).

“Tudo pode correr mal”, diz ao Observador o investigador Rui Rocha, coordenador do desenvolvimento do satélite, que vai passando em revista os piores cenários sem arriscar para já fazer qualquer prognóstico. Mas, acrescenta, pode ser também que “os astros se alinhem” e que apenas 45 minutos depois do lançamento comecem a chegar os primeiros sinais de vida do ISTSat-1, um pequeno cubo com dez centímetros de aresta que será enviado para o espaço com a missão de testar uma forma mais simples e económica de detetar a presença e posição de aviões.

Desenvolvido ao longo dos últimos anos por uma equipa de mais de 50 pessoas, entre alunos e professores do Técnico, é o primeiro “totalmente” projetado, construído e testado em Portugal. “A única coisa que não é nossa são alguns componentes críticos, como os painéis solares e o sistema de instalação das antenas em órbita. De resto, todos os subsistemas foram feitos por nós“, explica o professor do Departamento de Engenharia Electrotécnica e de Computadores do Técnico.

O lançamento do ISTSat-1 está previsto para junho ou julho deste ano a bordo do modelo Ariane 6 da ESA, que o vai largar em órbita algures a centenas de quilómetros acima da Austrália. O satélite está agora de partida para a base da agência na Guiana Francesa e a expectativa é que esteja operacional e a enviar dados durante os próximos cinco anos.

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ISTSat-1: um satélite mais simples e económico

Idealizado em 2012, o protótipo do Técnico foi um dos selecionados, cinco anos depois, pelo programa Fly Your Satellite, da ESA, para receber financiamento e um dia seguir para o espaço. Mas o arranque não foi suave. Das dificuldades técnicas de passar o protótipo do papel para a prática à perda de peças chave — dois painéis solares, as peças mais caras, partiram-se durante os testes de vibração –, ou as dificuldades de aceder durante a pandemia de Covid-19 a componentes necessários, “nada foi fácil”.

“Quando se começa a integrar as coisas, nada funciona à primeira, nem à segunda, nem a terceira“, recorda ao Observador o diretor de engenharia do projeto, João Paulo Monteiro. Apesar dos percalços, e depois de testes para garantir que o satélite sobreviveria à atribulada fase de lançamento, tudo estava pronto em junho do ano passado. Faltava apenas a ESA terminar os preparativos do seu novo Ariane 6, pensado para ser um modelo mais sustentável.

A missão do ISTSat-1 será detetar aviões a partir de órbita. É certo que há empresas que já fazem esse serviço, como é o caso da constelação de satélites Iridium. Estes são capazes de detetar aviões em zonas remotas (durante o sobrevoo dos oceanos ou nos polos), captando a partir do espaço sinais que os sistemas em terra não são capaz de ver. No entanto, isso só é possível através de satélites de grandes dimensões que utilizam um sistema de deteção ADS-B (sistema associado à gestão e controlo do tráfego aeronáutico), mas que implica maiores gastos de energia e são mais difíceis de colocar em órbita.

Os investigadores do Técnico esperam que com o ISTSat-1 isso possa mudar. “Esta tecnologia é, do nosso ponto de vista, mais simples e económica do que aquela que neste momento já está a bordo de alguns satélites em órbita. E é isso que queremos testar depois do lançamento”, refere Rui Rocha. Para isso, vão começar por analisar os resultados em zonas de grande movimento de aviões, como é o caso dos Açores, e comparar com os resultados que se obtêm a partir de terra.

“Quanto melhor for o casamento entre aquilo que conseguimos detetar do espaço e aquilo que se consegue detetar em terra, melhor é a sensibilidade do nosso sistema”, explica. O investigador diz ainda que, se o teste for bem sucedido, a tecnologia poderá ser um dia disponibilizada para quem queira implementar o serviço a partir do espaço. “Quem sabe se um dia [a Iridium] nos compra o sistema”, brinca.

Este é apenas o terceiro satélite português a seguir para o espaço. O primeiro foi o PoSat-1, um microssatélite de 50 quilos construído e licenciado em Inglaterra e que entrou na órbita terrestre em setembro de 1993, mas foi desativado ao fim de uma década. Em março deste ano, 30 anos depois, foi a vez do Aeros, com a missão de observar os oceanos durante três anos e que foi desenvolvido por um consórcio do qual fez parte o centro de engenharia CEiiA, em Matosinhos. O ISTSat-1 é o primeiro satélite universitário português e recebeu nos últimos dias uma licença da ANACOM para seguir para o espaço.

De futuro, podem juntar-se ainda mais. O Técnico já está envolvida em pelo menos dois novos projetos para produção de satélites. Um deles com a Altice Labs e que passa por “construir um novo satélite para teste de uma carga para comunicações 5G com o espaço”. Um outro, já concluído, decorreu em parceria com a Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, para construir um modelo com um quarto do tamanho do ISTSat-1. Para já, os olhos estão postos no ISTSat-1.