Cristina Pinto Dias ainda tinha vínculo à CP quando foi nomeada para a administração do regulador dos transportes a 23 de julho de 2015. A acumulação das duas situações não cumpria os requisitos exigidos pelo cargo e foi precisa uma segunda reunião da administração da empresa para a libertar mais cedo do que o prazo legal que teria de cumprir até à sua rescisão produzir efeitos. Para além de sair dos quadros da CP, a atual secretária de Estado renunciou ao cargo de vice-presidente.
Esta reunião aconteceu já depois da nomeação aprovada em Conselho de Ministros para a Autoridade de Mobilidade e Transportes (AMT), e que foi publicada em Diário da República no dia 23, segundo a ata que foi entregue aos deputados esta quarta-feira feira pelo ex-presidente da CP, Manuel Queiró.
O cargo na administração da AMT era incompatível com a manutenção de um vínculo à CP porque é uma empresa regulada. Essa incompatibilidade levou a atual secretária de Estado da Mobilidade a rescindir com a empresa ferroviária, aproveitando um programa de rescisões por mútuo acordo que lhe permitiu receber uma compensação de 80 mil euros. Isto apesar da sua saída ser motivada pela ida para um outro cargo, por sinal mais bem pago do que tinha na CP onde era vice-presidente. Este tem sido o foco de muitas críticas por parte da oposição que já chamou vários responsáveis da empresa ferroviária. Já o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, que a convidou para a sua equipa está convicto de que todo o procedimento foi legal.
A segunda reunião do conselho de administração da CP aconteceu um dia depois da primeira quando foi aprovada a rescisão de Cristina Pinto Dias, nos termos previstos no programa de rescisões por mútuo acordo da CP pelos 18 anos em que foi quadro da empresa. De acordo com o então presidente da empresa, nesta nova reunião, o conselho de administração prescindiu do cumprimento do prazo legal de 30 dias para a produção dos efeitos da renúncia, o que foi justificado com a nomeação em Conselho de Ministros da ex-vice-presidente para a administração do regulador dos transportes.
O excerto da ata distribuído por Manuel Queiró aos deputados da comissão de economia e obras públicas mostra que a mesma foi validada pelo então secretário de Estado Sérgio Monteiro, que tinha à data a tutela da CP e de todo o setor dos transportes onde atuava a AMT.
Condições de saída por acordo previam um parecer da empresa que não terá existido
A rescisão de Cristina Dias enquanto funcionária da CP foi aprovada pelo conselho de administração no mesmo dia em que renunciou ao cargo de vice-presidente numa votação em que a mesma não participou. A ata desta reunião de 22 de julho, também entregue ao Parlamento, não indica a existência de qualquer parecer interno a sustentar que a então quadro da CP podia ser dispensada sem necessidade de substituição. E, segundo o testemunho dado pelo atual presidente da empresa no Parlamento, esse era uma das três condições/critérios previstos no programa de rescisões ao qual aderiu a então vice-presidente da CP e atual secretária de Estado da Mobilidade.
Manuel Queiró garantiu aos deputados que a empresa tinha de aceitar o pedido da então vice-presidente para abandonar os quadros da empresa com direito à compensação, num processo que disse ter sido igual a tantos outros.
O documento revela que Cristina Pinto Dias esteve presente na reunião, apesar de não ter votado o ponto da sua saída. Invocou “impedimento e incompatibilidade na apreciação do presente ponto da agenda, atenta a matéria em causa, tendo-se escusado na tomada de decisão do mesmo, assim emitindo declaração que aqui fica registada”. Este caso de 2015 foi recuperado quando Cristina Pinto Dias foi nomeada para secretária de Estado dos Transportes e Mobilidade.
A administração decidiu com base nos pedidos de renúncia do cargo de vice-presidente da CP, e dos demais cargos que exercia à data, e do pedido de revogação por mútuo acordo do respetivo contrato individual de trabalho celebrado com a CP. A mesma reunião determinou que a indemnização fosse calculada pela direção de recursos humanos “nos termos e condições atualmente em vigor na empresa, considerando-se todo o tempo de trabalho efetivo desde 2.12.1992 até à presente data, 22.07.2015, para o cálculo da compensação pecuniária global a pagar”.
Mas não refere a existência de qualquer parecer interno prévio. Segundo o testemunho dado pelo atual presidente da CP, Pedro Moreira, não foi encontrado qualquer parecer jurídico ou dos recursos humanos relativo à saída de Cristina Pinto Dias. O gestor revelou que o programa de rescisões estabelecia apenas três critérios que teriam de ser cumpridos pelos trabalhadores para saírem com rescisões:
- A manifestação por escrito dessa intenção por parte do trabalhadores;
- Aceitação de que não teriam acesso ao subsídio de desemprego;
- Parecer da administração ou da chefia de que podiam ser dispensados sem a necessidade de serem substituídos.
Pedro Moreira afirmou ainda aos deputados que as condições deste programa de rescisões foram aprovadas em duas reuniões do conselho de administração da CP de 2013, uma das quais estabeleceu as regras de cálculo para as compensações. Este programa que, segundo o ex-presidente Manuel Queiró se aplicava a trabalhadores técnicos e administrativos e não a operacionais, não estabelecia limite de idades para os colaboradores negociarem uma rescisão.
“Todos os que cumpriam podiam negociar o seu contrato de trabalho”, afirmou o atual presidente da CP. Pedro Moreira, em funções desde 2022, sublinhou que o conhecimento que tem deste processo baseia-se no registo documental da empresa. O gestor afirmou ainda que o programa de rescisões foi revogado em 2019. A lista enviada ao Parlamento pela CP revela o número de saídas, as categorias profissionais e os valores pagos pela empresa entre 2010 e 2015.