A atual secretária de Estado da Mobilidade não preenchia as condições do programa de rescisões da CP que dava direito ao pagamento de uma indemnização, quando saiu da empresa em 2015 para presidir ao regulador dos transportes, afirmou o ex-diretor da Emef. Francisco Fortunato diz que Cristina Dias Pinto quis sair “com um pé de meia” da empresa quando foi para a administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. Todavia, a lista enviada aos deputados pelo Governo com rescisões feitas pela CP no mesmo ano indica que o caso de saída da ex-vice-presidente (que rescindiu como técnica superior) não foi único.

Ouvido esta quarta-feira no Parlamento, Francisco Fortunato (que enquanto representante sindical denunciou o caso dos 80 mil euros pagos pela empresa pública a Cristina Pinto Dias em 2015) assegurou que a ata da reunião do conselho de administração que aprovou a saída da então vice-presidente da CP “esclarece tudo” sobre as circunstâncias deste acordo de rescisão. Os deputados vão pedir este documento à empresa até porque a então diretora de recursos humanos da CP recusou o pedido de audição feito pela comissão de economia e obras públicas, argumentando já não estar em funções.

Francisco Fortunato forneceu uma possível explicação para o facto de a ex-diretora dos recursos humanos da empresa se ter recusado a ir ao Parlamento falar do caso: “Se calhar não foi porque não teve nenhuma intervenção” no processo. Em explicações aos jornalistas já depois da audição, Francisco Fortunato indicou que as rescisões por mútuo acordo com direito a indemnização têm de ser instruídas num processo e fundamentadas, processo esse que vai à aprovação do conselho de administração. Ou a ata que aprovou a saída de Cristina Pinto Dias inclui informação sobre o processo dos recursos humanos ou não tem nada, o que do seu ponto de vista também é significativo.

O ex-diretor da Emef não sabe se a agora secretária de Estado esteve presente na reunião do conselho de administração da CP que aprovou a sua indemnização, mas sublinhou: “As coisas são o que são. A senhora secretária de Estado foi convidada para ir para a AMT e não podia ficar na CP e encontrou uma forma de ter um pé de meia”. Diz ainda que outros quadros superiores altamente qualificados, quando saíram da empresa para outros empregos, nomeadamente no estrangeiro, não tinham garantida a possibilidade de regressar, mas isso não lhes deu acesso a qualquer indemnização. “Isto é uma empresa pública”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

CP pagou indemnizações a 5 técnicos licenciados em 2015, dos quais 3 tinham entre 48 e 58 anos

Cristina Pinto Dias saiu da CP em 2015 rescindindo o vínculo contratual de quase 20 anos com a empresa para assumir o cargo de administradora da Autoridade de Mobilidade e Transpores (AMT), a convite do Governo de Passos Coelho. O cargo no regulador não era compatível com a manutenção de qualquer ligação à empresa ferroviária. A gestora foi ganhar um salário na AMT muito superior ao que tinha na CP enquanto administradora e ficou no conselho do regulador para além do mandato original, saindo apenas para integrar o atual Governo, a convite do ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz.

À data em que negociou a sua saída, Cristina Pinto Dias era vice-presidente da CP, situação que também suscita dúvidas junto dos deputados da oposição. Isto porque os pedidos de saída negociada devem ser feitos ao nível hierárquico superior — neste caso apenas ao então presidente, Manuel Queiró — e aos recursos humanos, uma direção que estaria debaixo da sua autoridade.

Pinto Luz avaliou e não viu ilegalidade na compensação paga pela CP à agora secretária de Estado da Mobilidade

De acordo com documentação pedida pelo PSD esta semana ao Governo, e que chegou pouco antes do início desta audição, saíram da CP 52 técnicos superiores (categoria profissional de Cristina Pinto Dias) com indemnização entre 2010 e 2015. O deputado Gonçalo Laje leu alguns casos, incluindo um que recebeu uma indemnização superior a 100 mil euros, para descredibilizar a tese de que a saída de Cristina Pinto Dias foi um caso excecional, como argumentou o ex-diretor da Emef, empresa do grupo CP.

A lista relativa ao ano de 2015, no qual foram pagas indemnizações de 2,4 milhões de euros, tem cerca de 45 pessoas, incluindo 5 técnicos licenciados com idades entre 48 e os 60 anos. É nesta categoria que se insere o processo de saída de Cristina Pinto Dias que, de acordo com a referida lista, saiu da CP com 48 anos recebendo uma indemnização de 79 mil euros. Há outras duas situações de técnicos superiores com 50 e 51 anos que receberam 65,8 mil euros e 93,5 mil euros, respetivamente. A maior indemnização da lista de 100 mil euros foi paga a um técnico licenciado de 58 anos. Em 2013, há nove técnicos licenciados a sair com indemnização, mas com exceção de um funcionário com 31 anos que recebeu uma verba reduzida (10.000 euros), os outros têm idades entre os 56 e os 60 anos.

Francisco Fortunato contrariou a leitura de que o caso da atual secretária de Estado é só mais um, entre vários. O antigo diretor da Emef diz as maiores indemnizações foram pagas em 201o e 2011 porque, a partir de 2012, os critérios para a CP negociar rescisões por mútuo acordo tornaram-se mais restritivos.

A “dra. Cristina Pinto Dias”, como a tratou várias vezes ao longo da audição, não cumpria nenhuma das situações que poderia fundamentar uma rescisão, nomeadamente porque tinha apenas 48 anos, não viu o posto de trabalho extinto, era competente — Francisco Fortunato trabalhou com ela quando a gestora presidia à Emef — e não foi considerada excedentária. E nenhuma destas saídas envolverá quadros da CP que fossem ao mesmo tempo administradores da empresa.

Nenhuma norma foi cumprida na indemnização da CP à atual secretária de Estado, diz ex-diretor que denunciou caso em 2015

A informação enviada ao Parlamento confirma que o valor das indemnizações pagas pela CP caiu de 9,2 milhões de euros em 2010 e mais de 15 milhões de euros em 2011, para valores abaixo dos três milhões de euros em 2014 e 2015.

Diz ainda o antigo diretor da Emef, que só eram aceites casos excecionais de pagamento de indemnizações e que os valores disponíveis para pagar essas situações também se reduziram. No entanto, a resposta do gabinete de Miguel Pinto Luz, citando informação da CP, contraria esta restrição. “O programa estava aberto a todos os trabalhadores, a todas as idades e a todas as categorias profissionais. Aderiram de 2010 até ao final do ano de 2015 ao Programa de Rescisões por Mútuo Acordo, 430 (quatrocentos e trinta) trabalhadores CP”.

A maioria destas 430 saídas reporta-se aos primeiros anos do período abrangido na contagem. Entre 2014 e 2015, a lista indica cerca acordos com 85 pessoas. A grande maioria está afeta a categorias como maquinistas, inspetores, técnicos administrativos e da área comercial, mas também há técnicos licenciados. A indemnização mais alta de 120 mil euros foi atribuída em 2014 a um destes licenciados, que tinha 60 anos.