A primavera está a acabar, mas para aqueles que por esta altura do ano procuram evitar crises alérgicas pode ainda não ser tempo de arrumar os anti-histamínicos. Ainda assim, há boas notícias. Uma equipa de cientistas descobriu como é regulada a produção de anticorpos pelo sistema imunitário no caso de alergias e infeções — e o que distingue os dois processos. Um passo que, diz um dos investigadores principais ao Observador, abre a porta à descoberta de novas terapias para doenças alérgicas sem pôr em causa a resposta do corpo no combate a infeções.

“É algo importante porque os tratamentos para as doenças provocadas pelo sistema imunitário [como é o caso das alérgicas] diminuem a ação do sistema imunitário como um todo”, começa por explicar Luís Graça, investigador do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM). “O facto de distinguirmos respostas diferentes abre a possibilidade de se conseguir tratamentos que atuam no sistema imunitário não de maneira global, mas de uma forma dirigida“, acrescenta o também professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

Os resultados do estudo, para o qual contribuiu uma equipa internacional de cientistas, foram publicados esta terça-feira na revista científica Cell Discovery. Surgem numa altura marcada pelo aumento da incidência e prevalência de alergias na população, que os cientistas acreditam ser resultado de mudanças ambientais e de estilo de vida. Só em Portugal, estima-se que as alergias afetem cerca de um terço da população, segundo dados da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica.

Uma investigação para colocar as células à vista

Dando um passo atrás, é preciso lembrar que as alergias são uma reação exagerada do sistema imunitário para defender o organismo de certos agentes (alergénios) que tipicamente são inofensivos para o ser humano. Esta resposta desproporcional gera uma série de alterações no organismo que provocam os sintomas típicos das doenças alérgicas (espirros, tosse, pele vermelha, entre outros).

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“O nosso sistema imunitário não evoluiu para nos causar alergias. O que acontece é que os anticorpos que nos protegem contra parasitas são os mesmos que também podem causar alergias“, esclarece Luís Graça. “Todas as doenças alérgicas começam por esta produção de anticorpos e isto é comum a todas as alergias, quer sejam graves, quer sejam pouco graves, quer afetem a respiração, como acontece com asma, quer afetem a pele, como acontece com o eczema”, nota.

Na procura de assegurar melhores tratamentos para as alergias, a equipa liderada por Luís Graça começou por olhar então para a produção de anticorpos. Essenciais para a proteção do organismo contra infeções, são regulados por um grupo de células: os chamados linfócitos auxiliares foliculares.

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Já se sabia há muito tempo que uma das funções destas células é garantir que as defesas são adequadas aos diferentes tipos de agressões e auxiliar na produção dos anticorpos mais apropriados. Isto porque uma boa defesa contra um vírus não é necessariamente a melhor defesa contra um parasita. “Aquilo que descobrimos é que estas células são especializadas no auxílio para produzir anticorpos contra vírus ou contra parasitas”, refere o investigador português, acrescentando que podem assim ser divididas em dois grupos distintos.

A descoberta, diz Luís Graça, vai permitir apostar em soluções para diminuir a produção de anticorpos associados às doenças alérgicas sem, contudo, diminuir a produção de anticorpos importantes para combater infeções. “É como se até agora todas estas células estivessem dentro de um saco negro. E, quando a resposta imunitária mediada por anticorpos estava alterada, não sabíamos o que acontecia dentro desse saco. Este trabalho coloca estas células à vista e permite-nos começar a saber como controlar a resposta de cada grupo de células de forma independente”, já explicava o investigador num comunicado divulgado esta manhã.

Ao Observador, o investigador diz que, até agora, os tratamentos para pessoas com alergias apenas se focam nos sintomas e queixas das pessoas, uma vez que pesava o risco de no processo se prejudicar a capacidade de defesa do sistema imunitário. Com as novas descobertas, pode agora começar a apostar-se em soluções para “atuar no processo base da doença”.

Um passo para criar tratamentos mais eficazes

No decorrer da investigação a Inteligência Artificial, que está a revolucionar as investigações no campo da saúde e ciência, revelou-se uma ferramenta chave. Permitiu tratar uma grande quantidade de dados e caracterizar os genes que estão associados aos anticorpos envolvidos na resposta contra infeções por vírus ou na defesa contra parasitas e nas alergias.

Ainda que a investigação só tenha sido publicada esta terça-feira, a mesma equipa, composta por cientistas do Instituto Gulbenkian de Ciência, do Research Institute for Medicines (iMed, da Universidade de Lisboa) e do Nazionale di Genetica Molecolare (Itália), continua a trabalhar esta área.

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O caminho ainda é longo, alerta Luís Graça. Por agora, os investigadores estão a olhar com maior profundidade para os mecanismos de base das doenças alérgicas. Além de perceber o que se passa a nível global, vão analisar também o que acontece no local onde os anticorpos estão a ser produzidos ao estudar doentes com asma.