O património do grupo de restaurantes Chimarrão, avaliado em dezenas de milhões de euros, estaria a ser desviado por um grupo que se apoderou de todo o sistema informático relacionado com a faturação. Após uma complexa investigação de cibercrime e de criminalidade económico-financeira, a Polícia Judiciária fez esta terça-feira uma mega-operação, cumprindo 25 mandados de busca domiciliárias e não domiciliárias e três detenções. Entretanto foi detida mais uma pessoa.
“A investigação da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica da PJ, no âmbito de um processo-crime que corre termos no Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, incide sobre a atuação concertada dos detidos, cujo objeto visa apurar a eventual prática de crimes de acesso ilegítimo, sabotagem informática, burla informática, falsificação de documentos e branqueamento de capitais”, esclarece a PJ, adiantando que “de acordo com os elementos recolhidos, os detidos conseguiram obter total domínio do grupo Chimarrão, controlando todo o sistema informático relacionado com a faturação, fazendo seu aquele que era o património pessoal do fundador e das empresas do grupo”.
[Já saiu o quarto episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio, aqui o segundo episódio e aqui o terceiro episódio]
As autoridades acreditam que, aproveitando-se da situação de vulnerabilidade das vítimas, os suspeitos foram “assumindo paulatinamente o controlo das empresas e transferindo para a sua esfera pessoal património avaliado em dezenas de milhões de euros, o que suscitou fortes suspeitas relativamente à licitude de vários negócios jurídicos”.
Como funcionava o esquema que durou uma década?
Os três primeiros detidos, com idades entre os 25 e os 45 anos e ligação familiar entre si, têm todos nacionalidade portuguesa. O quarto suspeito era o segurança dos primeiros.
Segundo José Ribeiro, coordenador de investigação criminal da Unidade Nacional de Combate ao Cibercrime e à Criminalidade Tecnológica (UNC3T), citado pela Lusa, o esquema terá tido início em 2014 e só foi desmantelado agora na sequência de uma denúncia feita há dois anos — altura em que os herdeiros assumiram o controlo empresarial, devido à morte de Cassiano Castro, fundador do grupo.
A PJ acredita que os detidos construíram uma relação emocional com os primeiros proprietários, passando de meros funcionários administrativos a cuidadores do casal de fundadores, que tinham pouca relação com familiares. “As nossas suspeitas, a nossa tese, é de que embora os donos do grupo possam ter passado algumas pequenas participações como prémio para o acompanhamento há uns anos atrás, o que é facto é que o casal foi perdendo saúde, foi perdendo capacidade de avaliação, e pensamos nós que muitos documentos terão sido falsificados sem o conhecimento dos donos do Chimarrão […]. E quando estamos a falar de negócios que dependem de registo, obviamente que havia necessidade de ter auxílio de […] por exemplo de advogados, de solicitadores”, explicou José Ribeiro, citado pela Lusa.
Já em 2022, após a morte do fundador, a família fez uma denúncia, por considerar “as suspeitas muito fortes relativamente à veracidade dos documentos apresentados para justificar a transferência de património”, adiantou o responsável da PJ. Do grupo fazem parte restaurantes como o Chimarrão, a Churrasqueira do Campo Grande, o Café In, a Mexicana e o Leão de Ouro.
Além de contas bancárias, estão em causa imóveis e bens de luxo, como automóveis de centenas de milhares de euros e joias e as já referidas participações societárias. Apesar de o valor do prejuízo calculado rondar os 40 milhões de euros, a investigação não fecha a porta a que este montante aumente, até porque, apenas com a recente transação do restaurante Leão de Ouro, os detidos terão lucrado 12 milhões de euros.
Suspeitos ter-se-ão aproveitado da fragilidade física de fundador, que morreu em 2022
No decorrer das buscas realizadas na operação “Assinatura d’Ouro” foi recolhida e apreendida “prova de natureza documental e digital, bem como a apreensão de imóveis, saldos bancários, participações societárias e viaturas de luxo”.
Num comunicado enviado à agência Lusa, o Chimarrão fez saber que o inquérito “foi destinado a apurar factos cometidos por terceiros, que se aproveitaram da fragilidade física e psíquica do anterior proprietário, já falecido, e da sua mulher doente, incapacitada e diagnosticada com Alzheimer desde 2014”.
“Os atuais proprietários, filhos e netos, bem como o Chimarrão, foram os denunciantes dos crimes em investigação e são vítimas dos atos abusivos e de delapidação do património familiar, cuja extensão ainda está por apurar”, refere a mesma nota.
Os quatro detidos vão entretanto ser presentes ao Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, para primeiro interrogatório e aplicação das medidas de coação.