A chegada, a postura, a confiança que emanava da própria postura corporal. Para quem não tivesse visto a etapa da Liga Diamante na cidade chinesa de Xiamen, olhar para a entrada em cena de Pedro Pablo Pichardo na pista do Estádio Olímpico de Roma era como ver aquele campeão renovado como se nunca tivesse pago a fatura do sucesso. As dúvidas existiam, e eram legítimas tendo em conta o tempo de paragem por problemas físicos e a rutura com o Benfica que chegou a colocar a sua utilização em perigo, a marca de mínimo olímpico feita na terceira semana de abril atenuou e muito esse cenário, o apuramento dos Europeus contou o resto. Bastou um salto para isso. Mais do que os 17,48, a forma como ficou a posar contava muita coisa.

Campeão olímpico, mundial e europeu no último ciclo, o atleta de 30 anos está na reta decisiva de preparação para os Jogos de Paris, onde sonha tornar-se o primeiro português de sempre a bisar no ouro. De boné virado ao contrário em busca daquela irreverência que o colocou no radar mundial quando saltava ainda por Cuba e passou os 18 metros, Pichardo ficou próximo da sua melhor marca do ano sem forçar o andamento e mostrou que estava pronto para ir à luta contra Jordan Díaz, outro atleta cubano naturalizado, neste caso por Espanha, que é treinado por Ivan Pedroso e que procurava a primeira vitória pelo país. Já depois dos 17,48 de Pichardo, Díaz saltou a 17,55 depois de um nulo na tentativa inicial. A medalha de ouro seria entre eles e começou a ser “discutida” por palavras no domingo, depois da qualificação para a final do triplo salto.

“Não sei se a luta pelo ouro será entre o Jordan Díaz e eu. Tens de perguntar-lhe. O campeão sou eu, por isso pergunta-lhe a ele. Há saltadores jovens que estão muito fortes, o triplo tem um grande nível atualmente”, referiu Pichardo na zona mista, antes de ser questionado por um jornalista espanhol sobre se teria ainda a capacidade para chegar aos 18 metros ou se esses tempos de 2015 já tinham passado. “Como é que te chamas? Na terça-feira à noite dizes-me se estou ou não capaz de saltar 18 metros”, atirou o português, visivelmente “picado” com a pergunta que visava o salto a 18,08 que fez quando atuava ainda por Cuba e que não mais voltou a repetir por Portugal, onde tem o recorde nacional feito nos Jogos de Tóquio com 17,98.

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De seguida, Jordan Díaz quis juntar-se à “festa”. “Pichardo a saltar 18 metros? Que salte, se for assim eu saltarei 18,01 metros e está feito! Relação com ele? Nunca nos falámos. Ele é um pouco peculiar, é o que há. Eu não tenho nenhum problema com ninguém. Ele tem a sua forma de ser, eu a minha”, comentou o atleta espanhol, recusando em paralelo qualquer tipo de problema com Pichardo. Estava lançada uma das finais mais esperadas destes Europeus, sendo que em paralelo com os dois grandes candidatos ao ouro havia ainda um Tiago Luís Pereira que queria dar continuidade ao bronze alcançado nos últimos Mundiais de Pista Coberta nestes Europeus ao Ar Livre, neste caso com uma concorrência maior e com melhores registos.

Logo a abrir, Pedro Pablo Pichardo, o segundo dos 12 finalistas na ordem sorteada, conseguiu aquela que foi a sua melhor marca do ano com 17,51. Era um grande início, até pela tranquilidade que dava em relação ao “corte” dos oito primeiros, mas o português dizia que não com a cabeça para a bancada onde estava o pai e a restante comitiva nacional por considerar que tinha falhado a questão dos apoios (tanto que nem chegou a tocar na tábua de chamada). Emmanuel Ihemeje, que era o segundo melhor de um ranking sem Pichardo nem Díaz, estava em segundo com 16,87 antes da estreia do espanhol no concurso também com a melhor marca do ano a 17,56, cinco centímetros à frente de Pichardo. Seguia-se Tiago Luís Pereira, também ele com a alcançar a melhor marca pessoal do ano com 17,08 que o colocava à condição na terceira posição.

A resposta de Pichardo não iria demorar. Aliás, superou todas as melhores expetativas: com uma corrida e uma chamada quase perfeitas, o atleta tornou-se o primeiro português de sempre a superar os 18 metros com 18,04, bateu o recorde nacional (além do recorde em Campeonatos da Europa) e passou para a frente do concurso, sendo que Jordan Díaz teve uma resposta forte mas insuficiente a 17,82, mostrando que estava ainda disposto a fazer melhor. Na luta pelo terceiro lugar, Tiago Pereira teve um salto nulo mas ia conservando a posição, desta vez com quatro centímetros de vantagem sobre o alemão Max Hess (que fez também a melhor marca pessoal do ano) e o francês Jean-Marc Pontvianne, ambos com marcas de 17,04.

Durante cinco anos, Pichardo apontou sempre à barreira dos 18 metros. Até nos Jogos de Tóquio, com uma humidade extrema mas que não impediu que Yulimar Rojas superasse o próprio recorde mundial no triplo salto feminino, a melhor versão do português não tinha chegado para passar a fasquia (17,98, mais do que suficiente para se sagrar campeão olímpico). Aqui, essa marca que se tornou quase uma “obsessão” tinha sido alcançada, dando margem para arriscar ainda mais que não surgiu na terceira tentativa, 17,55. Era a fase do “risco”, um para se superar e outro para tentar ganhar, e Jordan Díaz fez um salto nulo. Na luta pelo bronze, tudo igual: nulo para Tiago Pereira, nulo para Jean-Marc Pontvianne, nulo para Max Hess…

A ordem tinha mudado, Díaz e Pichardo passavam a ser os últimos a saltar. O português decidiu prescindir da quarta tentativa depois do 17,96 do espanhol mas aquela festa que o jovem atleta fazia achando que podia estar a calcar a marca dos 18,04 seria apenas adiada por alguns minutos: num dos grandes momentos da noite, Díaz encheu-se mesmo de confiança e saltou a 18,18, batendo mais uma vez o recorde de Espanha mas também o recorde dos Campeonatos da Europa sem que Pichardo respondesse, não passando dos 17,47. A responsabilidade passava agora para o português, sendo que Tiago Pereira viu o sonho do bronze esfumar-se com o recorde pessoal de Thomas Gogois a 17,38, e os 17,92 foram curtos para evitar a festa de Jordan Díaz, com aquele salto a 18,18 fez a terceira melhor marca de sempre. A final dos Jogos promete…