Quase um século depois, o reencontro em grandes competições entre duas das equipas com maior peso nos tempos em que o futebol era uma realidade diferente. Aliás, quando recuamos até esse Mundial de 1938 e ao triunfo da Hungria frente à Suíça por 2-0, muito provavelmente poderíamos achar que chegariam a 2024 no patamar de serem crónicas candidatas a passarem qualquer fase de grupos. Lá está, o futebol mudou. Mudou a ponto de os helvéticos terem um histórico favorável no confronto com os magiares (seis triunfos alcançados nos últimos nove encontros), mudou a ponto de nenhum poder ser um claro favorito a seguir em frente na competição. E era por isso que, até pelas fragilidades reveladas pela Escócia na estreia frente à favorita do grupo Alemanha, este era um duelo onde uma vitória podia valer mais do que três pontos.

Dia 2 do Europeu. Já há equipas para o primeiro jogo do dia (com surpresas no ataque da Suíça)

Para a Hungria, mais uma vez apoiada por uma falange de adeptos daqueles que quando passam juntos na rua a caminho do estádio colocam tudo e todos em sentido, este seria um encontro de confirmação daquilo que a equipa conseguiu fazer no Euro-2020, onde reagiu da melhor forma à derrota com Portugal para travar com empates a França e a Alemanha. Não é uma equipa com grande virtuosismo apesar da facilidade que ia apresentando em criar oportunidades de golo, às vezes fica dependente daquilo que Szoboszlai pode fazer sabendo-se que não estaria a 100% em termos físicos, mas mostrou numa qualificação sem qualquer desaire aquilo que foi o grande triunfo de Marco Rossi desde que assumiu o comando dos magiares: é um coletivo forte, que lida bem com os momentos de maior pressão e que tem enorme “sede” de afirmação.

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Não era esse o ADN da Suíça, também com grande apoio na Alemanha pela proximidade geográfica. Aliás, sem nomes como Seferovic, Zuber ou Zakaria e com Embolo e Shaqiri no banco, a perceção que existe num qualquer encontro dos helvéticos é que pararam no tempo, no bom e no mau. O que é que significa? Que continuam a ter uma coesão defensiva assinalável que serve de base para tudo o resto, que mantêm um meio-campo sem grandes rasgos mas que também nunca compromete e que seguem a linha de um ataque mais móvel com criatividade q.b. para chegar à baliza contrária. As principais referências subiram naquilo que era a hierarquia, casos de Xhaka, Sommer, Akanji, Shär ou Rodríguez, o “sangue novo” queria provar que está à altura dos antecessores como Ndoye ou Duah, mas as ideias gerais o ADN continuavam os mesmos.

Entre essa premissa, Murat Yakin conseguiu introduzir nuances táticas que fizeram diferença numa primeira parte em que a Hungria teve falta de comparência, sobretudo a colocação de Aebischer à esquerda e a maior mobilidade de Vargas e Ndoye na frente. O intervalo chegou com 2-0, podiam, ser mais: Duah, a surpresa no onze pelas condicionantes físicas de Embolo, foi lançado nas costas da defesa húngara por Aebischer e fez o primeiro golo (13′) mas logo a seguir Vargas, aproveitando um erro em zona proibida de Szalai, surgiu na área isolado para o remate defendido com o ombro por Gulásci (20′) e Aebischer fechou o primeiro tempo com um remate de fora da área que fez o segundo golo (45′). Com mais posse, mais remates e sobretudo o controlo completo de todos os momentos, a Suíça fazia o que queria, onde queria e como queria

Rossi mexeu com a entrada de Bolla para o lugar de Lang mas a segunda parte manteve-se com as mesmas características e com a Suíça a continuar a ameaçar, com Gulásci a tirar o golo a Duah e Ndoye. Estava tão fácil, tão fácil que a Suíça facilitou e a Hungria voltou a acreditar, com a mexida de Szoboszlai mais para a esquerda. Foi dos pés do médio do Liverpool que nasceu a jogada em que Varga desviou de cabeça ao lado (63′), foi dos pés do médio do Liverpool que nasceu a assistência ao segundo poste para Varga reduzir de cabeça para 2-1 (65′). O jogo reabria mas Xhaka voltava a puxar para si o domínio do jogo, com a Suíça a estabilizar e a aumentar mesmo a vantagem em período de descontos com Embolo a aproveitar um erro da defesa húngara após passe longo de Yann Sommer e a fazer o 3-1 com um chapéu a Gulasci (90+3′).

A pérola

  • Aebischer foi o MVP do encontro com um golo e uma assistência, claro. No fundo, é o que conta. No entanto, e ao longo da segunda parte, pouco ou nada foi aparecendo na partida, ao contrário do que foi acontecendo com o capitão Granit Xhaka, um líder em todas as ações que teve o condão de segurar a Suíça quando começou a tremer de forma ligeira após o 2-1 da Hungria. Szoboszlai é um verdadeiro artista da bola que consegue mudar as características do encontro com um par de metros sem marcação mas o capitão dos helvéticos é uma daquelas garantias de estabilidade que consegue projetar para a frente quando é para projetar para a frente e segurar o resultado quando é para segurar o resultado.

O joker

  • Há quem defenda que uma coisa são os clubes e outra são as seleções, há quem argumente que aquilo que se faz nos clubes tem depois impacto no que podem render as seleções. A Suíça é um bom exemplo disso mesmo, acrescentando aos três grandes pêndulos campeões nos seus países (Sommer pelo Inter, Akanji pelo Manchester City, Xhaka pelo Bayer Leverkusen) mais três jogadores da equipa sensação da Serie A, o Bolonha. Todos foram titulares, todos tiveram grande influência no jogo dos helvéticos entre Freuler, Ndoye e sobretudo Aebischer, a surpresa tática reservada por Murat Yakin que apostou no médio mais à esquerda e encontrou aí o fator desequilibrador para desmontar a defesa húngara.

A sentença

  • Com este resultado, a segunda jornada pode baralhar as contas ou deixar os melhores a jogarem entre si na última ronda do grupo. Para a Suíça, uma vitória e no limite até um empate frente à Escócia pode ser suficiente para garantir os oitavos, sendo que um triunfo permite que os helvéticos cheguem ao terceiro jogo a dependerem apenas de si pelo primeiro lugar. No lado da Hungria, um empate com a Alemanha podia não ser o mau resultado de todo mas se de seguida os magiares ganhassem à Escócia…

A mentira

  • A Hungria chegava a esta fase final do Campeonato da Europa sem qualquer derrota em jogos oficiais desde setembro de 2022, quando perdeu em Budapeste frente à Itália na Liga das Nações. A partir daí, fez uma qualificação sem qualquer desaire para o Euro-2024 e até nos particulares teve apenas um deslize recente com a Rep. Irlanda. Ou seja, esperava-se mais. Os magiares até podiam perder mas era quase “obrigatório” serem mais competitivos e mostrarem uma imagem diferente daquela que deixaram nos 60 minutos iniciais. Em comparação com o Euro-2020, regrediram e muito…