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Com o prolongamento da guerra na Ucrânia, muitos homens preferem sujeitarem-se à clandestinidade do que arriscarem serem ‘apanhados’ pelas brigadas de recrutamento que patrulham as ruas e cidades na região, avançou na segunda-feira a cadeia televisiva britânica BBC news.

O culminar da ofensiva russa em conjunto com a falta de combatentes e recursos militares ucranianos tem vindo a agravar a recusa dos homens a alistarem-se para linha-da-frente, levando muitos a não saírem de casa com o objetivo de não serem obrigados a ingressar nas fileiras de combate.

Perante a nova lei de mobilização militar (aprovada em maio, abrange todos os homens entre os 25 e os 60 anos), o jornal ucraniano Kyiv Post também noticiou a desmotivação dos cidadãos para cumprirem as suas “obrigações para com a pátria e o país” — a resistência começou a ser algo bastante comum.

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O gestor imobiliário de 29 anos, Dima, é um dos exemplos. Segundo relatou ao Kyiv Post, no início do conflito, “com a união de todo o país e muita informação sobre a forma como heroicamente a ofensiva era repelida” quis ir para a frente da batalha. Porém, a sua posição foi-se transformando: “Depois, passado algum tempo, quando a ‘verdade da guerra’ começou a aparecer, o desejo tornou-se cada vez menor. E ainda há os amigos que estão a lutar, que dizem: ‘Faz tudo o que puderes para não chegares aqui'”, declarou o gestor ao jornal ucraniano.

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Já o repórter da BBC que está na região, Jean Mackenzie, relatou o clima hostil presenciado em algumas cidades da Ucrânia. Os oficiais ucranianos percorrem as ruas à caça de desertores ao registo, escreveu o jornalista.

Em Odessa, os militares têm uma reputação particularmente “temível” — chegam a tirar homens dos autocarros, das estações de comboios e levarem-nos diretamente para os centros de alistamento, descreve Jean Mackenzie. Os transportes públicos ficaram portanto interditos a estes cidadãos, bem como os supermercados, os restaurantes, e as idas aos parques, explica o jornalista.

Maksym, um ucraniano em idade de serviço, pai de uma filha pequena, e marido de uma grávida de sete meses, afirmou ter “medo” dos “bandidos” (como classificou os recrutadores), evitando andar na rua. “Sinto-me como se estivesse numa prisão”, disse Maksym à BBC.

Nem compareceu no casamento dos seus amigos de há 15 anos, Serhiy e Tania, em simultâneo com metade dos convidados que também se desculparam com o atual clima restritivo na região a sul da Ucrânia. (Aliás, só metade dos convidados homens assistiram à cerimónia).

O pai de Tania morreu na linha da frente em outubro, durante a batalha de Avdiivka, e Tania, de 24 anos, não quer que o mesmo suceda com o marido: “Não quero que isto aconteça duas vezes à minha família”. Após dois anos de guerra, quase todos os ucranianos admitem conhecer pelo menos alguém que morreu nos combates.

A atuação dos militares nas ruas também se tornou uma questão devido ao facto de não estarem na frente de guerra enquanto recrutam novos combatentes. “Há mais de um milhão de polícias na Ucrânia, porque é que eu hei-de lutar quando eles não estão?“, questionou Maksym. A confiança nos militares tem vindo a revelar-se diminuta, ao que contribuiu supostos subornos que certos militares aceitam em troca de apoio para a fuga de homens do país.

Segundo o repórter da BBC no local, na passada terça-feira de manhã, uma dúzia de oficiais intercetou alguns homens na principal estação ferroviária de Odessa, porém, muitos destes não se revelaram elegíveis — a maioria ou era demasiado jovem ou tinha recebido algum tipo de isenção. Anatoly, um dos militares, assumiu à BBC que, de facto, muitos se escondem.

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“Algumas pessoas fogem de nós. Isso acontece muitas vezes […], outros reagem de forma bastante agressiva. Acho que estas pessoas não foram bem educadas”, afirmou o agente.

Já num centro de alistamento vazio perto da estação, estava um só homem que revelou ao destacado da televisão britânica, gaguejando: “Os polícias cercaram-me para que eu não pudesse fugir”. Alguns, apesar de não quererem combater, preferem ser apanhados em liberdade do que em constante condicionamento durante o conflito, escreveu o repórter da BBC.

Os militares também têm um ‘voto na matéria’ no que diz respeito a estes comportamentos dos civis. Um dos agentes do centro, Vlad, ex-soldado no Donbass, desprezou por completo as atitudes dos cidadãos que não querem de todo lutar na frente, à BBC.

“Como é que posso dizer isto sem dizer palavrões?”, perguntou num discurso retórico ao jornalista.

Não os considero homens. De que é que eles estão à espera? Se ficarmos sem homens, o inimigo virá às suas casas, violará as suas mulheres e matará os seus filhos”, acrescentou o ex-combatente do leste da Ucrânia .

Também o jornal britânico The Guardian expôs em maio deste ano um encontro com estes agentes: “Olá, quem és tu? Pode mostrar-me os seus documentos, por favor?” Ao encontrar o nome de um homem na lista de cidadãos elegíveis, em letras maiúsculas vermelhas, estava escrito: ukhyliant (“esquivar-se ao recrutamento”). Este homem já teria sido destacado mas não compareceu à primeira recruta.

“Eu amo o meu país. Mas eu não quero matar ninguém nem quero morrer”

Olha, uma mulher de 34 anos que vive no perto da cidade de Kharkiv, revelou ao The Guardian que o problema é que agora vivem “numa espécie de bolha”. “Sim, os rockets estão a voar. Mas na nossa pequena cidade não é assim tão mau. É por isso que muitas pessoas estão sentadas em casa e tentam evitar ir para o exército. Muitos estão-se nas tintas. Estão a viver as suas vidas normalmente”, justificou.

Olha admitiu ao jornal britânico que o marido, que não está a combater, sentia-se envergonhado em conversas com um amigo militar: “Eu via que ele se sentia desconfortável por esse homem ter ido e ele não.”.

As campanhas de recrutamento começaram a dividir as opiniões da sociedade ucraniana. Ou os homens não se querem alistar e são considerados cobardes ou alistam-se, e provavelmente morrem ou ficam incapacitados pela guerra. Serhhi tem três certezas: Eu amo o meu país. Mas eu não quero matar ninguém nem quero morrer”, confessou ao The Guardian.

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Já os militares mostram-se convictos de que, quando a ofensiva russa abalar a segurança das cidades, voltarão “a ver as pessoas à procura de armas e a fazer fila nos centros de alistamento”.

O governo ucraniano tem vindo a alertar para a falta de combatentes e a promover medidas de mobilização dos cidadãos, no que se inclui até o recrutamento de prisioneiros — tal como a Rússia já o fez no passado. A Ucrânia reconhece que Moscovo tem mais tropas, apostando na defesa através de artilharia e de aviões de guerra.