O fundador do portal WikiLeaks, Julian Assange, chegou esta quarta-feira à Austrália, depois de partir como “um homem livre” do território norte-americano das Ilhas Marianas, onde se confessou culpado pelo crime de conspiração e saiu em liberdade.

O WikiLeaks já deu uma conferência de imprensa na cidade de Camberra, mas sem a presença de Assange. Aliás, o ativista foi interpelado ainda nas Ilhas Marianas pelos jornalistas antes de voar para a Austrália, mas preferiu nada dizer, nem esteve ao lado dos advogados quando estes fizeram declarações aos jornalistas, em Saipan. E continuou em silêncio à chegada ao aeroporto australiano, limitando-se a sorrir e a acenar aos que o recebiam. No entanto, o acordo assinado com o Departamento de Justiça dos EUA que lhe garantiu a liberdade não prevê qualquer “ordem de mordaça”, pode falar do que quiser em público, garantiu um dos seus advogados, o norte-americano Barry Pollack.

A mulher do ativista explicou a sua ausência: “Ele queria estar aqui, mas têm de perceber aquilo pelo qual passou, precisa de tempo para recuperar e para se habituar à liberdade”, afirmou Stella Assange, visivelmente emocionada. Apelou ainda a que seja dado “espaço e privacidade” à sua família, que volta a estar reunida na Austrália.

Da iminente extradição para a liberdade (quase certa) na Austrália. O caminho de Assange até alcançar um acordo com os EUA

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Os EUA também concordaram em não apresentar mais acusações por qualquer conduta ou recolha de notícias que tenha ocorrido antes do momento da confissão”, acrescentou Pollack.

Um outra advogada de Assange, Jennifer Robinson, afirmou que o ativista de 52 anos não vai passar mais tempo na prisão e que é um “homem livre”, antes de recordar os termos do acordo. “Para ganhar a sua liberdade, Julian declarou-se culpado de conspiração para cometer espionagem por ter publicado provas de crimes de guerra dos EUA, de abusos dos direitos humanos e de irregularidades cometidas pelos EUA em todo o mundo”, afirmou. E acrescentou: “Isto é a criminalização do jornalismo.” Para a advogada é importante que os jornalistas de todo o mundo “compreendam o precedente perigoso que esta acusação está a criar”.

Questionada pelos jornalistas sobre a possibilidade de Assange ser perdoado no futuro, a sua mulher entende que tal pode vir a suceder se a imprensa se unir e “lutar contra este precedente”. “Afeta-vos a todos e à vossa habilidade futura de informar o público e de noticiar sem medo”, reforçou.

Antes disso, ainda em Saipan, em declarações aos jornalistas à saída do tribunal, Barry Pollack referiu que “a Lei da Espionagem nunca foi utilizada pelos EUA para perseguirem um editor ou jornalista”, e considerou que Assange “revelou informações verdadeiras, importantes e merecedoras de serem noticiadas, incluindo a informação de que os EUA cometeram crimes de guerra”. “Espero que esta seja a primeira e última vez que os EUA considerarem o jornalismo como um crime”, rematou.

Já Jennifer Robinson destacou um “dia histórico” que “põe fim a 14 anos de batalhas legais” de um processo reconhecido como “a maior ameaça à Primeira Emenda no século XXI” e lançou um alerta a todos os que defendem liberdade e expressão no mundo: “Esta ação judicial abre um precedente que deve preocupar os jornalistas em todo o mundo. Os EUA pretendem exercer jurisdição extraterritorial sobre todos, sem providenciar proteções constitucionais de liberdade de expressão”.

O voo fretado VJT199 partiu da ilha de Saipan, capital das Ilhas Marianas, por volta das 12h10 (3h10 em Lisboa), e aterrou na capital australiana, Camberra, às 19h37 (10h37 em Lisboa), mostrou a plataforma de monitorização de voos Flightradar24. À sua espera, Julian Assange tinha não só a mulher e familiares como vários apoiantes que o saudaram com gritos e aplausos.

Durante a madrugada, Stella Assange, a mullher de Julian Assange, reagiu na rede social X à decisão da juíza onde escreveu que não conseguia “parar de chorar” ao ver o marido sair do tribunal em liberdade.

Já o WikiLeaks partilhou o momento em que Assange abraça a sua advogada, nas Ilhas Marianas, depois de conhecer a decisão da juíza que aceitou a confissão de Assange, acordada com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Com esta decisão, parece que poderá sair deste tribunal como um homem livre. Espero que isto ajude a restaurar alguma paz”, disse a juíza Ramona Villagomez Manglona, ao proferir a sentença num tribunal das Ilhas Marianas, um território norte-americano no Oceano Pacífico.

A juíza explicou que aceitou o acordo com o Departamento de Justiça dos EUA, segundo o qual Assange se declarou culpado de uma acusação criminal de conspiração para obter e divulgar ilegalmente informações confidenciais, em violação da lei de espionagem norte-americana.

O acordo implica uma pena de 62 meses de prisão, período que o australiano já cumpriu na prisão de segurança máxima de Belmarsh, no Reino Unido. Assange aceitou ainda renunciar ao direito de apresentar recurso e comprometeu-se a destruir qualquer informação confidencial obtida pelo WikiLeaks.

A defesa do australiano solicitou que a audiência fosse realizada no arquipélago devido à sua proximidade com a Austrália e porque Assange não queria viajar para o território continental dos Estados Unidos. Após a confissão de culpa, os procuradores norte-americanos procederam à leitura do acordo com a defesa de Assange.

O fundador do portal apareceu em tribunal acompanhado por Kevin Rudd, antigo primeiro-ministro da Austrália e atual embaixador australiano nos Estados Unidos.

“Este é um desenvolvimento bem-vindo, mas também sabemos que estes procedimentos são sensíveis e devem ser respeitados”, disse o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, aos jornalistas em Camberra.

Assange estava detido em Belmarsh, no leste da capital britânica desde 2019, altura em que foi detido, após sete anos de reclusão na embaixada do Equador em Londres, onde se refugiou para evitar ser extraditado para a Suécia, onde era acusado de violação.

Desde então que os EUA tentavam a extradição de Assange, acusado de 18 crimes de espionagem e de intrusão informática pela divulgação no portal WikiLeaks de documentos confidenciais, que em 2010 e 2011 expuseram violações de direitos humanos cometidas pelo exército norte-americano no Iraque e no Afeganistão.

Washington queria julgar Assange pela divulgação de mais de 700 mil documentos secretos. O australiano estava acusado ao abrigo da Lei de Espionagem de 1917, enfrentando uma possível pena de até 175 anos de prisão.